Emprego operacional das Viaturas PANDUR II 8×8 portuguesas na República Centro-Africana
A história das Viaturas Blindadas Pandur II e sua experiência operacional real na missão de paz das Nações Unidas na República Centro-Africana (MINUSCA).
Cap QAO Mat Bel Elígio Eliseu Prass
HISTÓRICOA família de Viaturas Blindadas de Rodas (VBR) Pandur II, 6×6 e 8×8, tem como origem no Pandur I, da empresa Steyer-Daimler-Puch, austríaca, sob controle da General Dynamics European Land Systems – GDELS desde 2003. Os usuários são a própria Áustria, Eslovênia, Portugal e República Tcheca, sendo que foi produzido sob licença nestes dois últimos, com requisitos técnico-operacionais específicos para cada país.
Em 2005 Portugal assinou um contrato para a aquisição de 240 blindados 8×8, em 7 versões, a saber: VBTP Mtr 12,7mm, VBTP SARC, VBR Can 105mm, VBE PC, VBE Soc, VBE Amb e VBCI Can 30mm, para o Exército Português (EP). Posteriormente, este contrato foi reduzido para 188, excluindo em sua totalidade as VBR.
As primeiras unidades começaram a ser entregues em 2010. Em Portugal, a empresa FABREQUIPA foi responsável pela montagem e garantia das viaturas, com o apoio da fabricante austríaca. A versão 8×8 está em uso apenas em Portugal e República Tcheca, enquanto nos demais é a versão 6×6, mais antiga.
Em 2015 a empresa GDELS vendeu os direitos de fabricação da VBR Pandur para a empresa tcheca Excalibur Army, integrante do grupo Tatra Defense Vehicle. O mais recente usuário é a Indonésia, onde está sendo montado sob licença pela empresa PT Pindad, em diversas versões e em quantitativo não divulgado, com início das entregas prevista para 2018, o que ainda não se concretizou.
O Pandur II 8×8 MGS com torre Oto Melara Hitfact 105mm que seria adquirido pelo EP. O Projeto foi cancelado por dificuldades técnicas e financeiras
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
A construção da viatura é do tipo casco monocoque, não possuindo chassis, com proteção balística para ameaças de nível 1 e antiminas de nível 2a (STANAG 4569). Está apta a receber placas de aço e cerâmica do tipo ADD-ON, aumentando o nível de proteção balística para Nível 2, 3 e 4, e antiminas Nível 3a.
Possui suspensão independente nas 8 rodas, com ajuste interno da pressão dos pneus, sendo aerotransportável em aeronaves C-130 Hércules, C-160, An-12, An-70 e A-400M. No ano de 2019 o exército Português fez os testes de embarque no KC-390, da Embraer. O peso em ordem de marcha é de 18.500 kg, com capacidade máxima de carga de 4.000 kg, perfazendo um peso máximo admissível de 22.500 kg. Além dos tripulantes, pode transportar mais 11 militares, em assentos resistentes à explosão de minas.
Equipado com um motor Cummins Diesel Turbo de 455 cv, de gerenciamento eletrônico, sua velocidade máxima em estrada é de 105 km/h, com uma autonomia aproximada de 600 km. Para a segurança durante as frenagens, é equipado com sistema ABS de 8 canais, um para cada roda, com opções para estrada pavimentada ou off road, que atua em conjunto com um sistema de retarder. Uma característica interessante é a possibilidade de substituição completa do conjunto de força em 30 minutos.
Como convém à uma moderna VBR, está equipado com um Threat Detection System, sistema que detecta se a viatura foi alvo de uma ameaça laser, incluindo infravermelho e telêmetros, de forma direta ou mesmo indiretamente como reflexo, permitindo ao chefe de viatura visualizar no seu monitor o tipo de ameaça, o ângulo de incidência e o azimute e, simultaneamente, disparar as granadas fumígenas que tem à sua disposição.
Também possui o sistema automático de proteção QBN, bem como um sistema automatizado de combate a incêndio. Opcionalmente pode vir equipado como viatura anfíbia em algumas versões, com hidrojatos direcionáveis, mas na versão standart tem condições de passar vaus com 1,5 metros de água.
ANTECEDENTES DA VIATURA EM MISSÕES EXPEDICIONÁRIASO primeiro emprego fora de Portugal foi no Kosovo, onde chegaram em 26 de novembro de 2013, para substituir as VBR V-200 Chamite, 4×4, que a Reserva Táctica do Comandante da KFOR (KTM/KFOR) empregava. Foram cinco Infantry Combat Vehicle (ICV) e uma Recovery Vehicle (RV), todas do Regimento de Infantaria Nº 14 (Viseu). Em abril de 2017 as Pandur II 8×8 regressaram a Portugal.
Seguiu-se o emprego na Lituânia, no âmbito da participação de Portugal nas Assurance Measures da OTAN, primeiro em março de 2015 com a Companhia de Reconhecimento baseada no Regimento de Cavalaria n.º 6 (Braga).
Pela primeira vez nesta missão foram empregues várias versões da viatura: Infantry Fighting Vehicle (6); Infantry Carrier Vehicle (6); Remote Weapon System (4); Reconnaissance Vehicle (3); Command Post Vehicle (2); Medical Evacuation (1); Recovery Vehicle (1). E ainda, curiosamente, 3 Chaimite V-200 porta-morteiro 81mm, uma vez que a versão “porta-morteiro” da Pandur II 8×8 acabou por nunca ser recebida, tendo sido cancelada a sua compra.
Em junho de 2017, os Pandur regressaram à Lituânia, agora com uma Companhia de Atiradores Mecanizada Sobre Rodas do Regimento de Infantaria Nº 14 (Viseu), que utilizou de 29 de maio a 29 de setembro desse ano duas versões: ICV (Infantry Carrier Vehicle) e IFV (Infantry Fighting Vehicle).
MINUSCAPreocupado com a segurança, humanitária, direitos humanos e crise política na República Centro-Africana e suas implicações regionais, o Conselho de Segurança da ONU autorizou, em 10 de abril de 2014, a implementação de uma operação Multidimensional de Manutenção da Paz das Nações Unidas (MINUSCA) com a proteção de civis como sua prioridade máxima.
Suas outras tarefas iniciais incluíam suporte para o processo de transição; facilitar a assistência humanitária; promoção e proteção dos direitos humanos; apoio à justiça e ao estado de direito e processos de desarmamento, desmobilização, reintegração e repatriação. A MINUSCA, em francês: Mission Multidimensionnelle Intégrée des Nations Unies pour la Stabilisation em Centrafrique, incorporou o Escritório Integrado de Consolidação da Paz da ONU na República Centro-Africana (BINUCA) na data do estabelecimento. Em 15 de setembro de 2014, a Missão de Apoio Internacional liderada pela África na República Centro-Africana (MISCA) transferiu sua autoridade para a MINUSCA, de acordo com a resolução 2.149/2014.
Auto TG 1,25 Ton 3 HMMWV M1025A2 D 4×4 mF00 M-PAV2, amplamente utilizado pelo EP na MINUSCA
Em janeiro de 2019 possuía um efetivo de 15.054 integrantes, sendo 11.165 militares de diversos países, 2.053 policiais e 1.836 funcionários civis, tendo havido 80 perdas fatais ao longo de toda a Missão. Sucedeu à Força de Paz da União Africana de 6.000 militares, conhecida como Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (MISCA), cujas tropas foram incorporadas à MINUSCA, numa transferência de responsabilidade para a missão de paz da ONU, e entrou em operação em 15 de setembro de 2014.
OS PANDUR NA REPÚBLICA CENTRO AFRICANAEm julho de 2018, com a situação militar no terreno a agravar-se, e sabendo-se das limitações que a própria força multinacional no seu conjunto tem em termos de algumas capacidades e competências (blindados, meios aéreos e outros) foi tomada a decisão de enviar as viaturas Pandur II 8×8, naquilo que agora é o “Módulo Pandur” da 5.ª Força Nacional Destacada – FND na Missão das Nações Unidas na República Centro Africana – MINUSCA.
Seguiu-se em Portugal um processo de adaptação das viaturas à missão em causa, com a aplicação de reforços de blindagem que habitualmente não são usados, e pintura na cor branca, definida para viaturas à serviço das Nações Unidas. No âmbito do reforço da capacidade blindada da Força Nacional Destacada ao serviço da Organização das Nações Unidas no Teatro de Operações da República Centro Africana (RCA), o exército português, através do Comando da Logística, efetuou o deslocamento de seis viaturas Pandur II 8×8:
– 2 Viaturas Infantry Combat Vehicle (ICV);
– 2 Viaturas Remote Weapon Station (RWS);
– 1 Viatura Recovery Vehicle (RV);
– 1 Viatura Medical Evacuation Vehicle (MEV).Simultaneamente, no quadro da sua responsabilidade de assegurar o apoio logístico da FND/RCA, houve o transporte de seis containers com sobressalentes e ferramental especializado. Esta operação logística foi concretizada com o uso de aeronaves Antonov An-124, fretados pelas Nações Unidas. Entre os dias 20 e 28 de dezembro de 2018 as viaturas foram colocadas em Bangui, capital da RCA, e de imediato, a 4.ª FND procedeu a algumas alterações no sentido de conferir proteção aos atiradores das ICV.
De tal forma foram rápidos que nesta primeira operação, dias depois, a 4 de janeiro, já todos os Pandur II seguiram para Bambari, onde iriam tomar parte nos combates que se iniciaram dia 10. As modificações em causa, consistiram na instalação de torretas nas VBTP Mtr .50, que foram retiradas de viaturas HMMWV, que na altura estavam indisponíveis.
Estas torretas – e outras blindagens – foram instaladas nos HMMWV em Israel em 2006, para emprego das viaturas em missão no Afeganistão, que terminou em 2012, e em 2017, após revisão nas oficinas do exército português, foram integradas à MINUSCA.
Voltando ao Módulo Pandur, os chefes das viaturas, motoristas e atiradores destes blindados são militares das unidades de origem das viaturas, enquanto os demais da FND/RCA eram dos Batalhões de Infantaria Paraquedista. Atualmente são do Regimento de Comandos. Relativamente ao apoio, o Módulo de Saúde foi reforçado por mais um motorista/socorrista e o Módulo de Manutenção reforçado com mais um Sargento e dois ajudantes mecânicos. No mês de junho de 2019 foram enviadas mais duas viaturas Pandur SARC para reforço do contingente português da MINUSCA.
EMPREGO OPERACIONALQuem conhece a situação diz que a sua utilização prioritária no teatro de operações seria sempre em Bangui, a capital, onde a situação de segurança até já levou a declarações preocupadas do Secretário-Geral da ONU. Mas já na semana seguinte à sua chegada, foram deslocadas para apoio à operação em Bambari, a aproximadamente 376 km, através de estradas não pavimentadas e região de florestas. Tendo em conta a experiência operacional da tropa portuguesa em Bangui, em cujos combates de rua as suas viaturas HMMWV foram o principal instrumento, quer para proteção do pessoal, quer para derrubar bloqueios montados nas estradas e ruelas e ainda pelo uso das .50 montadas nas torres, os Pandur são um valor acrescentado à força.
De igual modo, num hipotético cenário defensivo da base portuguesa em Bangui, as viaturas são uma boa opção para realizar operações dentro da cidade em direção ao ponto de exfiltração. A inclusão de uma viatura Socorro e outra Ambulância mostra exatamente a preocupação em ter as condições mínimas para não deixar ninguém para trás em caso de emprego tático fora da base principal.
CONTINUA...