Coreia do Norte. O que a traz de novo ao noticiário internacional ?
Alexandre Reis Rodrigues
Da última vez que a Coreia do Norte esteve nas primeiras páginas dos jornais foi em Novembro de 2010, a propósito do bombardeamento de artilharia que fez contra a ilha sul-coreana de Yeonpyeong, provocando quatro mortes (dois militares e dois civis). Antes, em Março, tinha estado nos principais noticiários pelo afundamento da corveta sul-coreana “Cheonam”, em que morreram 46 membros da tripulação, ataque que, no entanto, continua a recusar ter sido da sua autoria, mal grado várias evidências que se acumulam. Hoje, está de volta à imprensa internacional pelas conversações directas que manteve esta semana com os EUA, em Nova Iorque, na sequência de contactos anteriores com a Coreia do Sul.
Olhando para situações anteriores, a ideia com que se fica é a de um repetitivo padrão de comportamento que alterna atitudes de aberta hostilidade com uma postura de abertura e disponibilidade para conversações; só as circunstâncias é que vão variando. Em casos anteriores, alternou testes de lançamentos de mísseis ou ensaios nucleares com pedidos subsequentes de conversações. Nos dois casos atrás referidos - na minha avaliação - foi mais longe em termos de hostilidade, porque, na realidade, enveredou por actos de guerra. Curiosamente, os casos dos testes de mísseis e ensaios nucleares, provocaram bastante maior “ruído” internacional; os incidentes de Março e Novembro de 2010, surpreendentemente, foram tratados com muita contenção, quer da parte da Coreia do Sul, quer da parte dos EUA.
Esta alternância de postura tem uma explicação plausível se for vista no contexto geral de um ciclo em que parece claro haver quatro fases principais: primeira, a proximidade de uma situação crítica, por necessidade urgente de obtenção de ajuda alimentar ou energética; segunda, a procura de uma posição de força antes de começar a negociar a ajuda; terceira, conversações e cedências até à obtenção de ajuda; quarta, retorno a uma posição não cooperativa, abandonando os compromissos assumidos na fase anterior, mal a ajuda tenha sido recebida. Regra geral, com uma ou outra nuance nos pormenores, é o que se tem passado em todas as crises em que a Coreia do Norte tem estado envolvida, desde a administração Clinton, quer directamente com os EUA, quer através do Grupo dos Seis.
Duas circunstâncias podem explicar a actual necessidade premente de ajuda: por um lado, o facto de os EUA a terem interrompido há dois anos quando constataram que em vez de chegar aos mais necessitados estava a ser encaminhada de acordo com prioridades políticas do regime; por outro lado, as pretensões dos dirigentes em aumentar as reservas de arroz a tempo de não existirem restrições sérias durante as comemorações do centenário do nascimento de Kim il-Sung (pai do actual líder e fundador da República), no próximo ano.
Na linha de entendimento atrás desenvolvida, a situação presente pode corresponder à entrada em breve na fase das negociações (fase três). No entanto, nem os EUA, nem a Coreia do Sul querem assumir, desde já, esse momento; por razões de cautela que fazem bom sentido, dado o historial de contradições em que a Coreia do Norte tem regra geral acabado por cair, os EUA dizem que se trata apenas de conversações preliminares em que procurarão clarificar os passos que consideram necessário que a Coreia do Norte dê para então entrarem nas conversações propriamente ditas.
O que pode resultar dos encontros em Nova Iorque entre o 1º vice-ministro coreano dos Negócios Estrangeiros, Kim Kye-gwon, e Stephen Bosworth, emissário especial do Presidente Obama para a Coreia do Norte, é imprevisível. O mesmo se pode dizer de outras frentes de contactos. Na recente Cimeira da ASEAN foi aberto um ao nível de ministros de Negócios Estrangeiros das duas Coreias, que poderá substituir os encontros militares, ao nível de coronel, que tinham começado em Fevereiro, mas foram depois interrompidos por recusa da Coreia Norte em apresentar desculpas pelos incidentes de Março e Novembro de 2010.
No entanto, para George Friedman, da STRATFOR, três circunstâncias podem facilitar a chegada a um consenso. Primeira, a necessidade de o Presidente Obama registar um sucesso diplomático importante, agora que está próximo de entrar em campanha para um segundo mandato. Segunda, o facto de o Presidente da Coreia do Sul terminar o seu mandato também no próximo ano e até agora não ter conseguido registar nada de positivo no sentido da reaproximação entre as duas Coreias. Terceira e última, o interesse de Pyongyang em criar condições mais amenas para a população, à vista das comemorações atrás referidas e da continuação do processo de transição da liderança do regime para Kim Jong-un, o filho de Kim Jong-il escolhido para lhe suceder. Kim Jong-un foi legitimado recentemente pela Suprema Assembleia do Povo como vice-presidente da Comissão Nacional de Defesa, a mais poderosa instituição do País.
Não obstante estas expectativas mais optimistas, a questão de saber para que afinal poderão servir as conversações continua em aberto. Será realista esperar que possam levar a Coreia do Norte a desistir da pretensão de ser uma potência nuclear, o verdadeiro objectivo dos cinco membros do Grupo dos Seis (EUA, Rússia, China, Japão e Coreia do Sul)? O exemplo da Líbia, o último caso de desistência, não ajuda a levar Pyongyang a abandonar a ideia de que o arsenal nuclear é a melhor garantia de sobrevivência do regime. Kim Jong-il não deixará de pensar que se Kadhafi tivesse persistido em manter o seu programa nuclear, talvez a intervenção militar da NATO não tivesse ocorrido. É um raciocínio simplista que não resiste a um exame aprofundado mas que funciona, quer externamente, quer internamente para explicar à população que os sacrifícios que lhe são pedidos são inevitáveis. É claramente também um dos componentes da estratégia de Teerão, na sua preocupação de assegurar a preservação do regime.
Que esperança de progresso poderemos então ter e em que áreas? Quanto ao abandono das pretensões nucleares, como acabamos de ver, certamente nenhumas. O que resta então? A eventual abertura do regime e, sobretudo, uma maior transparência, implicando, por exemplo, a aceitação de inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica já mudaria a situação existente mas, em situações anteriores, Pyongyang acabou por tornear as restrições e, mais tarde, desvinculou-se dos compromissos.
Uma alteração de fundo só ocorrerá se o regime mudar mas isso não acontecerá por intervenção externa; só por movimentações internas sob influência e controlo estreito da China, que não permitirá qualquer instabilidade que ponha em causa a segurança das suas fronteiras. Vamos ter que continuar a esperar pacientemente; nem a China, nem a Rússia, consideram que se trata de uma situação que lhes convenha resolver rapidamente.
Jornal Defesa