Meus Senhores
Além de uma evocação do passado, a comemoração do Dia das Forças Armadas é o momento próprio para procedermos ao balanço do que foi feito, mas, sobretudo, para uma reflexão sobre o futuro.
Em primeiro lugar, devo mencionar a revisão que recentemente teve lugar de todos os documentos enquadrantes da Defesa Nacional e da actuação das Forças Armadas.
Mais do que uma actualização, absolutamente necessária atendendo às profundas alterações entretanto verificadas no sistema internacional, tratou-se de uma significativa mudança de conceitos, com relevantes implicações nas Forças Armadas.
O novo Conceito Estratégico Militar estabeleceu as linhas gerais de acção e o empenhamento máximo exigível “sustentado em termos orçamentais, no objectivo consagrado no Conceito Estratégico de Defesa Nacional”.
Nesse mesmo quadro, se redefiniu o conjunto de missões específicas directamente relacionadas com as directrizes políticas contidas naquele Conceito.
E, em conjunto com os três Ramos, definiu-se o Sistema de Forças Nacional, a edificar nas suas duas componentes, a Operacional e a Fixa ou Territorial, através de um complexo de meios e infra-estruturas.
Devo salientar que a evolução nos conceitos, na organização e nos meios das Forças Armadas, conduziu também à necessidade de reestruturação dos Ramos, num esforço amplo de racionalização, a que a Marinha já fez referência nas comemorações do seu Dia, na Figueira da Foz, e que a Força Aérea irá certamente referir nas comemorações do seu aniversário, dentro de uma semana em Aveiro.
No Exército, este esforço traduziu-se numa das maiores transformações da sua história recente, centrando-o no produto operacional, orientado para forças projectáveis, mais ligeiras e com maior prontidão.
Estas mudanças são interdependentes, originando processos paralelos de modernização ao nível das forças, dos sistemas de comando e controlo comuns aos três Ramos, e da estrutura do Estado-Maior-General. Indirectamente, o processo terá repercussões no Ministério da Defesa Nacional, em consequência da transferência de algumas funções.
A racionalização e modernização do Estado-Maior General constitui, aliás, uma necessidade há muito sentida, sendo incontornável no contexto actual.
A sua organização interna terá de ser redimensionada e baseada em requisitos tecnológicos modernos, mas, principalmente, em padrões de qualidade do pessoal militar e civil que nele presta serviço. O objectivo final será uma estrutura mais ligeira, mais eficiente e eficaz.
Estão a decorrer os estudos que conduzirão a uma proposta a apresentar ao Governo, dentro de poucos meses, visando a melhoria de aspectos orgânicos e de funcionamento. Não incidirá, todavia, na adequação do pessoal às funções a desempenhar, continuando esta dependente de modelos de carreira e critérios de selecção da competência dos Ramos.
Implicará, também, uma articulação mais estreita com os comandos operacionais, tendo em vista o adequado exercício do comando conjunto de forças ou unidades empenhadas em operações reais.
Nesse sentido, a localização dos comandos operacionais dos três Ramos em Monsanto - projecto a que me referi há um ano e ainda não concretizado - será indispensável à acção de comando, pela utilização de recursos tecnológicos, procedimentos e doutrina comuns, indispensáveis a uma efectiva capacidade conjunta.
O caminho da racionalização não se esgota, porém, no que já foi feito, mesmo que os resultados, em grande parte, ainda não sejam visíveis.
No domínio do enquadramento legal das Forças Armadas, a mudança terá de ir inevitavelmente mais longe.
Os pressupostos que obrigaram a compromissos conjunturais estão de há muito ultrapassados, pelo que, documentos chave como a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e mesmo a Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas, deveriam ser igualmente ajustados às novas realidades.
Meus Senhores
Um dos factos mais marcantes ocorrido durante o último ano, a que o País assistiu quase sem que se tivesse apercebido, diz respeito a uma enorme evolução no domínio dos recursos humanos.
O fim da obrigatoriedade do serviço militar é uma realidade que marca inequivocamente a História Militar nacional.
A passagem da conscrição à profissionalização foi gerida com sucesso, constituindo-se como um elemento significativo de transformação das Forças Armadas. No Exército, Ramo onde as consequências da mudança geravam alguma expectativa e apreensão, foram atingidos os efectivos considerados necessários para garantir a eficácia operacional.
Mas a profissionalização não está terminada. Torna-se necessário estabilizar o recrutamento e a retenção, o que requer um sistema de gestão de carreiras mais ágil, assim como condições de vida e de trabalho compatíveis com as expectativas das novas gerações.
Por isso, tem sido dada tanta importância à necessidade de uma Lei de Programação de Infra-estruturas, financiável pelo processo de reorganização do património edificado atribuído às Forças Armadas.
Impõe-se, porém, ir mais longe.
É absolutamente necessário cimentar uma nova cultura nas Forças Armadas, consequência da mudança de um modelo que vigorou durante décadas, para o que agora se iniciou.
Este modelo baseia-se em novos requisitos de formação e treino e numa maior exigência nas competências técnicas, profissionais e de comando, em proporção directa com os escalões hierárquicos. Disto é indissociável a cultura de uma liderança assente no mérito efectivo e no exemplo.
São requisitos indispensáveis ao crescente empenho de forças portuguesas em missões no exterior, para satisfação dos compromissos internacionais assumidos no âmbito da política externa do Estado.
Justifica-se uma breve referência a estas missões.
Portugal mantém forças na região dos Balcãs.
Contribui para uma operação conduzida pela União Europeia na Bósnia-Herzegovina, com uma força de 237 militares e elementos no Quartel-General.
As Forças Armadas Portuguesas regressaram também ao Kosovo, numa operação sob a égide da NATO, com um Batalhão de 304 militares.
Portugal participa com uma equipa de instrutores e conselheiros, na missão de treino assumida pela NATO no Iraque, em obediência a mandato das Nações Unidas, visando a formação dos quadros das futuras Forças Armadas Iraquianas.
A presença nacional no Afeganistão, assegurada até ao momento por uma aeronave “C-130”, aumentará no próximo semestre com a atribuição de uma Companhia de Comandos às forças de reacção rápida, e de um Destacamento para exercer o comando e operação do Aeroporto de Cabul.
Contribuímos igualmente para as forças europeias - EUROFOR e EUROMARFOR - e integramos as missões em curso no Congo e na região do Darfur, no Sudão.
Portugal tem atribuído regularmente uma fragata à Força Naval de elevada prontidão da NATO e colabora, com uma aeronave de patrulha marítima, na vigilância do Mediterrâneo Ocidental.
Apesar de não ser muito conhecida, a participação nos Quartéis Generais das Organizações Internacionais de Segurança e Defesa é expressiva, envolvendo cerca de 180 militares.
Prossegue também o envolvimento em Missões de Apoio à Paz, sob a égide das Nações Unidas. Portugal tem assumido, neste contexto, um papel relevante, prestando um contributo muito significativo, quando comparado com outros países de idêntica dimensão. Participamos em missões das Nações Unidas em Timor Leste e no Kosovo, onde chefiamos as equipas de Observadores Militares, e mantemos militares no Burundi.
No conjunto dos Teatros de Operações que referi os efectivos médios mensais ultrapassam os 730 militares.
Particularmente importante é a Cooperação Técnico-Militar com os Estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Os recursos humanos empenhados são consideráveis, perfazendo 100 militares, invariavelmente quadros qualificados, por períodos de tempo significativos. São missões que se tornaram quase permanentes e relevam do relacionamento privilegiado entre Portugal e aqueles Estados.
Embora em 2005 se tenha registado uma redução no total dos efectivos empregues, as missões no exterior aumentaram em número e na diversificação de áreas geográficas.
Mais de uma década decorrida sobre o início destas missões, sempre executadas com a aprovação e sob a direcção política dos órgãos de soberania competentes, Portugal é hoje visto como um país que, na justa proporção dos seus recursos e capacidades, contribui para a segurança e estabilidade internacionais. Não é, pois, um beneficiário líquido da segurança proporcionada pelos aliados, mas antes um contribuinte efectivo e como tal reconhecido.
Em território nacional as missões das Forças Armadas não se confinam à área estritamente militar, já que outras lhes são cometidas no interesse público, como as de colaboração com a protecção civil, e em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.
A consciência da missão cumprida deve constituir um estimulo para prosseguir, mas também o dever de fazer melhor.
Para isto é necessário que se compreendam e assumam frontalmente as novas realidades.
No plano internacional, a realidade é bem mais exigente do que a verificada durante a Guerra Fria. Mudou a natureza das forças, aumentaram os níveis de operacionalidade e prontidão, e surgiram novos conceitos de emprego, para fazer face a uma multiplicidade de situações cuja previsibilidade é escassa.
À semelhança do que se passa com a generalidade dos países aliados, Portugal participa ininterruptamente, desde 1993, em operações fora do território nacional.
Apesar dos esforços de adaptação a este novo cenário, reconhecemos que as actuais estruturas estão ainda desajustadas e respondem com pouca agilidade e eficiência a cada passo da geração de forças.
Os modelos do passado deixaram de corresponder às actuais exigências, sendo imperioso acelerar o ritmo das reformas.
Estas devem conduzir a um novo paradigma organizacional, capaz de acompanhar as missões e tarefas decididas ao nível político, as quais, tudo indica, tenderão a manter-se.
Na linha das reformas que referi, está a ser implementado o Sistema Integrado de Gestão, com a participação dos três Ramos, do Estado-Maior-General e do Ministério da Defesa Nacional, a quem coube a iniciativa.
Este sistema proporcionará, a partir de Janeiro de 2006, um instrumento racional de gestão e de controlo de recursos humanos, financeiros e materiais das Forças Armadas.
É um programa marcado por preocupações de transparência e rigor, que permitirá saber exactamente o que se gasta, onde, como e com que grau de utilidade.
Constitui uma iniciativa pioneira no domínio da administração pública.
Retenha-se, porém, que se trata de um projecto de natureza instrumental, o qual virá a revelar as áreas carentes de racionalização futura, sejam as da logística do pessoal e do material, ou outras.
Portugal necessita de meios eficazes para garantir a adequada capacidade de actuação autónoma e para participar nas iniciativas de levantamento de forças europeias e da NATO.
Isso implica equipamento interoperável com os aliados e capaz de garantir a protecção e sobrevivência dos nossos militares.
Apesar de continuarmos a retirar o melhor partido do equipamento de que dispomos, parte dele está no limiar da obsolescência, consequência de mais de 30 anos de utilização.
Donde não poder ser mais protelada a aquisição de alguns equipamentos e sistemas de armas, de modo a reduzir vulnerabilidades e não comprometer o cumprimento das missões.
Neste contexto, a revisão da Lei de Programação Militar exigirá opções complexas.
Será necessária uma rigorosa definição de prioridades, que considere critérios de aceitabilidade política, de adequabilidade militar e de exequibilidade em função dos recursos financeiros disponíveis, tendo em vista a edificação de um Sistema de Forças coerente e equilibrado.
Este objectivo terá que ser assegurado, quaisquer que sejam os montantes financeiros estabelecidos para os programas de aquisição, assim como para a operação e sustentação.
Neste processo, é inquestionável e desejada a participação da indústria nacional, sendo, porém, necessário que exista da sua parte vontade e capacidade para concretizar os projectos, mas sublinho, de forma competitiva.
Meus Senhores
Não somos alheios ao clima geral de contenção que o país vive. As Forças Armadas sabem que o principal problema não reside em si, uma vez que os recursos que o país lhes atribui representaram cerca de 1,40% do PIB em 2004. Nos últimos quinze anos, os recursos afectos à Defesa Nacional, têm vindo tendencialmente a decrescer face às despesas públicas.
Contudo, as Forças Armadas não podem eximir-se, mesmo por razões de solidariedade, ao conjunto de medidas que visam a prazo o restabelecimento do equilíbrio das contas públicas, sabendo embora que poderão ser também afectadas, no respeito pelos princípios da partilha de esforços e da equidade.
As Forças Armadas constituem uma instituição nacional, habituada a cumprir o seu dever em momentos difíceis e saberão fazê-lo na actual situação.
Os tempos requerem que cada cidadão consciente se interrogue não apenas pelo que pode, mas sim pelo que, neste momento, deve fazer pelo país, a benefício das gerações futuras.
É este o sentido de responsabilidade institucional e de cidadania com que Portugal conta dos seus militares.
Termino, neste dia das Forças Armadas, comemorado com sobriedade em terra alentejana, terra de bravura e tradição em que evocamos o passado, desejando um futuro melhor e apelando a todos militares que servem o país com dedicação, profissionalismo e espírito de missão que continuem a dignificar e honrar Portugal.
Em nome das Forças Armadas reitero solenemente o compromisso que temos com a Nação.
Continuaremos a cumprir as missões que nos são confiadas, com os recursos que nos são disponibilizados e garantimos aos portugueses que tudo faremos na prossecução do desígnio de um Portugal mais estável e seguro, mas também mais próspero.
Estremoz, 25 de Junho de 2005