http://www.semanario.pt/noticia.php?ID=3040Submarinos: Severiano Teixeira desautoriza homologação de Luís Amado2006-11-03 13:57
Nos últimos meses, o desgaste das relações no seio do Governo tem passado para a comunicação social sobre a forma de divergências entre ministros, que rapidamente a autoridade do primeiro-ministro tem conseguido minimizar. Mas, neste fim-de-semana, Severiano Teixeira, o novo ministro da Defesa, decidiu desautorizar o seu antecessor, por sinal o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, a propósito do negócio da compra dos submarinos. Severiano Teixeira foi deixando cair que os militares e o Governo socialista querem ir de novo às compras, depois da Lei de Programação Militar de Paulo Portas. E, sem perder tempo, adjudicou duas fragatas aos holandeses e prepara-se para anunciar a compra de um navio logístico de multiusos, algo que ninguém sabe o que é, muito menos sabe para que serve. Na oposição, a atenção é grande, até porque na Procuradoria-Geral da República continuam a ser investigados oito processos por denúncias anónimas contra Paulo Portas, a propósito da sua gestão nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes.Ao fim de ano e meio de Governo, os dossiers mais complicados têm criado alguma fricção dentro do executivo socialista, apesar do "estado de graça" da maioria socialista e da falta de iniciativa da oposição. Na última remodelação, devido à saída de Freitas do Amaral, o ministro da Defesa subiu a ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, tendo Sócrates convidado para o seu lugar Severiano Teixeira, um repetente no Governo socialista, que havia estado com Sócrates no Governo de Guterres, mas cujo desempenho tinha sido muito fraco. Basicamente, a leitura que se teve na altura foi no sentido da escolha de um ministro da Defesa pouco visível e dócil, para que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, cujo desempenho na Defesa foi particularmente bom, pudesse continuar a ser o verdadeiro estratega, ficando Severiano Teixeira com a intendência.
Mas as pressões não se fizeram esperar. A compra de armas é sempre um aspecto sensível da governação e ainda recentemente a prisão de homens ligados à Marinha, por alegada corrupção, colocou o dedo na ferida.
Severiano Teixeira, apesar das dificuldades orçamentais, começou por adjudicar duas fragatas esta semana a estaleiros holandeses, e em entrevista acabou por dizer discordar da compra de submarinos assinada por Paulo Portas e homologada pelo anterior ministro da Defesa socialista e actual ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado.
Uma clara desautorização. Que, nestes termos, ainda não tinha existido no Governo de Sócrates e que abre caminho à especulação sobre outras compras militares, que o actual ministro da Defesa quererá fazer, apesar das dificuldades orçamentais que levaram Teixeira dos Santos a aumentar gravemente os impostos e acabar com a maioria das isenções fiscais, mesmo algumas irrelevantes do ponto de vista orçamental, mas simbólicas do ponto de vista político.
Outras divergências no Governo
As divergências no Governo de José Sócrates até nem têm sido significativas. A autoridade do primeiro-ministro, que não se inibe de, sem mais discussão, dizer a sua vontade e o estudo que mostra das diversas situações têm funcionado bem dentro do executivo de José Sócrates.
Mesmo assim, operacionalmente, tem havido algumas tensões, como ainda, recentemente, entre a Justiça e a Administração Interna, a propósito das competências das polícias na investigação criminal. Mas tem sido sobretudo com a economia que maiores casos têm surgido, quer com as obras públicas, quer ainda com as próprias Finanças, neste caso até a propósito dos aumentos dos preços e as perspectivas de crescimento económico. Tudo acabou por passar, apesar do desgaste dos ministros, sem afectar a credibilidade do Governo socialista. Até o choque tradicional entre Economia (no caso com a API pelo meio) e o Ministério do Ambiente acabou por ser resolvido.
A última divergência pública no executivo tinha sido política, com o ministro Vieira da Silva a mostrar um comprometedor silêncio relativamente à política de saúde.
Mas ainda não tinha havido nenhum caso de pública divergência em matéria contratual. Este caso acaba por ser emblemático, até porque a execução do contrato tem sido devidamente assegurado.
Mas a tensão entre Severiano Teixeira e Luís Amado poderá ganhar ainda novos contornos. A semana passada, o ministro de Estado Luís Amado acabou por impor a saída de Rui Neves, o homem de mão do antigo comissário europeu e actualmente advogado, cada vez mais crítico da gestão do Governo socialista, António Vitorino, da Comissão das Contrapartidas, dando entrada a um diplomata que lhe é próximo, impondo assim a Severiano Teixeira um homem do MNE. Recorde-se que Rui Neves havia substituído um homem indicado por Paulo Portas, que terminou o contrato que estava praticamente negociado por Rui de Pena, o democrata-cristão ministro da Defesa de Guterres e sócio de José Luís Arnault.
Assinatura do contrato dos submarinos
Foi no dia 21 de Abril de 2005, que se realizou no Salão Nobre do Palácio do Alfeite a cerimónia da assinatura do contrato para a construção de dois novos submarinos para a Marinha. Simultaneamente foi assinado o contrato das contrapartidas.
A cerimónia foi presidida pelo ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, que para o efeito embarcou na Doca da Marinha no NRP "Dragão", onde foi recebido pelo almirante Vidal Abreu, Chefe do Estado-Maior da Armada. Na lancha já se encontravam o CEMGFA, almirante Mendes Cabeçadas, e o SEDAC, Henrique de Freitas, escreve a revista da Marinha.
A substituição de qualquer capacidade, naval ou aérea, com complexidade equivalente, desenvolve-se normalmente ao longo de um período de 10 anos, percorrendo sucessivamente as fases de estudo, planeamento, concurso, projecto e construção.
Consciente desta realidade, a Marinha desencadeou-a, através de despacho do almirante Chefe do Estado-Maior da Armada de Abril de 1988, que determina ao EMA que inicie os estudos conducentes à substituição dos submarinos da classe "Albacora". Se tudo corresse com naturalidade, em 1998 a Marinha estaria a receber os novos submarinos que substituiriam os da 4.ª Esquadrilha. Estes seriam abatidos com 30 anos de vida, e mesmo assim, com mais cinco do que fora inicialmente projectado.
Uma decisão de Guterres
Mas nem sempre as coisas correm bem. A Resolução do Conselho de Ministros 14/98, que determina e especifica a condução do processo de aquisição, surge, assim, já com 10 anos de atraso. O processo é longo e arrasta-se sem decisão até ser recuperado, ocorrendo, finalmente, hoje, a assinatura dos contratos de construção e de contrapartidas, que o processo engloba. A construção demorará 63 meses para o 1.º submarino e 71 para o segundo. Portugal receberá, assim, as duas unidades da 5.ª Esquadrilha, a primeira, no início do 2.º semestre de 2009, a segunda, no 1.º trimestre de 2010, mais de 21 anos depois do processo ter sido iniciado pela Marinha.
Os custos deste atraso, segundo a Marinha, são grandes e levarão a que Portugal disponha apenas de uma unidade naval deste tipo entre 2005 e 2009 para treino das futuras guarnições e para todo o tipo de operações em que normalmente são empregues, que assim ficarão necessariamente prejudicadas. A última unidade, o NRP "Barracuda", será abatida com 41 anos, mais 16 do que inicialmente programado e após o desenvolvimento de um esforço limite para lhe prolongar a vida até 2009.
Na altura o CEMA afirmaria que havia que "aprender, no entanto, com as lições de todo este processo, verdadeiro 'case study' no âmbito do reequipamento das Forças Armadas, objecto de protelamentos sucessivos, com consequências operacionais, logísticas e motivacionais ainda difíceis de avaliar. Situações destas são dispensáveis, desnecessárias, e devem, no futuro ser evitadas a todo o custo. E há, também, que aproveitar este exemplo para que se explique bem ao País que o reequipamento das Forças Armadas não é uma despesa. É um investimento em segurança e, se bem conduzido, pode e deve constituir, através das contrapartidas que gera, um investimento notável na economia do País. Assim será neste caso, pese embora o desnecessário adiamento que infelizmente também sofreu".
Contrato dos submarinos a 40%, helicópteros a 5%
De acordo com o demitido presidente da CPC, "pela aquisição de equipamento militar por parte do Estado português, estão actualmente em curso sete contratos de contrapartidas - um dos quais já concluído, relativo à aquisição da primeira esquadrilha de F-16, da responsabilidade da Lockheed Martin, no valor de cerca de 94,7 milhões de dólares".
Também segundo o mesmo antigo responsável, citado pela RTP, em Agosto passado, os contratos relativos à aquisição de torpedos para a esquadra de submarinos (de 46,4 milhões de euros) e de veículos blindados com rodas à Steyer (de 516 milhões de euros) "entraram em vigor apenas no início deste ano, porque aguardaram visto do Tribunal de Contas".
"Tanto o contrato relativo aos torpedos, como aos veículos blindados com rodas, como só agora entraram em vigor, têm ainda oito anos para serem cumpridos", salientou.
Rui Neves refere que também são recentes os contratos de contrapartidas pela aquisição dos C-295 (assinado em Fevereiro e que aguarda visto do Tribunal de Contas) e para o "up-grade" de duas esquadrilhas de F-16 da Lockheed Martin.
O ex-presidente socialista da CPC sublinhou que o maior contrato de contrapartidas, no valor de 1,2 mil milhões de euros, envolve a aquisição de submarinos à HDW, mas adianta que o seu cumprimento, ao fim de ano e meio, "atingiu já os 40%".
"Esses 40% têm muito a ver com um conjunto de encomendas colocadas nos estaleiros de Viana do Castelo, que se assumiu como um dos eixos desse concurso", aponta este responsável, que tomou posse do seu cargo, em Maio de 2005.
"Independentemente das expectativas de algumas empresas, temos ainda seis anos e meio pela frente para cumprir o contrato de contrapartidas" com a HDW, referiu Rui Neves, adiantando, no entanto, que alguns dos projectos constantes neste programa de contrapartidas "terão de ser redefinidos".
De acordo com a explicação do ex-presidente da CPC, alguns destes projectos de contrapartidas - e que poderão ser reajustados - começaram a ser definidos em 1997, "e em sete anos, até 2004, houve muita coisa que mudou".
Na altura, interrogado sobre a possibilidade de os futuros submarinos da Marinha portuguesa ficarem dependentes de uma empresa grega ao nível da manutenção das baterias - uma queixa do presidente da Autosil, Pedro Sena da Silva -, o presidente da CPC desvaloriza este ponto.
"Defendo que deve haver indústrias nacionais viáveis ligadas à Defesa, o que significa que têm de trabalhar para o mercado internacional. Da mesma forma, tenho de aceitar também que Portugal envie alguns dos seus equipamentos para manutenção no exterior", sustenta.
Rui Neves diz mesmo que "Portugal não se pode dar ao luxo de ter uma falsa independência nacional em torno de manutenção de equipamentos".
"Não presumo que as guerras do futuro sejam com a Grécia ou com qualquer outro país" aliado de Portugal na NATO, acrescentou o ex-presidente da CPC.
Renegociação dos helicópteros
Já em relação à aquisição de helicópteros EH 101 ao consórcio italo-britânico Agusta/Westland, que o ex-presidente da CPC reconhecia que era "um contrato que tem corrido mal", tem apenas um grau de cumprimento de cinco por cento num prazo de quatro anos e meio.
"Finalmente, estão a ser criadas as condições para renegociar este contrato, em circunstâncias que defendam o Estado Português", disse Rui Neves. Embora sem especificar em que moldes irá ocorrer a renegociação do contrato.
Sobre os processos de contrapartidas, o anterior presidente da CPC, o ex-dirigente do CDS-PP, Pedro Brandão Rodrigues (nomeado para o cargo pelo ex-ministro da Defesa Paulo Portas), recusou-se a prestar declarações.
No entanto, um membro da sua anterior equipa, segundo a RR, responsabilizou o segundo Governo socialista de António Guterres (e o então ministro da Defesa Rui Pena) pelas dificuldades criadas na execução das contrapartidas com o consórcio Agusta/Westland.
"No tempo em que Rui Pena foi ministro da Defesa, em 2001, foi cometido um erro, porque se adjudicaram os helicópteros sem se garantirem as contrapartidas, contrato este que apenas fechámos em 2005 e com grande dificuldade", refere um elemento da anterior CPC.
Executivo do tempo de Brandão Rodrigues não conhece nenhuma queixa
Este ex-responsável da CPC considera "naturais" as queixas de algumas empresas em relação à equipa de Pedro Brandão Rodrigues, "porque há sempre quem pretenda beneficiar de contrapartidas sem ter condições para isso".
"Todos os contratos de contrapartidas negociados pela equipa a que pertenci [entre 2002 e 2005] foram negociados com garantias de 25 por cento do valor total desses mesmos contratos. Só o contrato dos submarinos, por atingir um valor de 1,2 mil milhões de euros, tem uma garantia de 10 por cento", sustentou, em Agosto passado, aquele responsável da CPC dos tempos dos executivos PSD/CDS-PP.
"No momento em que deixei a CPC, não havia nenhuma queixa em relação ao contrato dos submarinos e em todos os contratos o Estado português ficou bem defendido", advogou ainda.
Esta situação viria, aliás, a ser confirmada por Luís Amado, que acabaria por ratificar o contrato dos submarinos. Surpreendentemente, agora, parece ser a vez do novo ministro da Defesa mostrar autonomia do seu anterior e criticar a compra. Ou será que a Marinha quer ir de novo às compras?