Não duvido da capacidade da nossa indústria nem da vossa boa intenção mas,
analisando:
Procura - era imprevisível ter, em 2022, um conflito de trincheiras em que se disparam +20k projécteis/dia. Nem os USA previram esta evolução, caso contrário teriam antecipado o aumento de produção. É igualmente impossível prever qual a procura nos próximos anos, embora mesmo com um cessar-fogo, a situação de tensão não diminuirá e o reforço de stock irá continuar. A não ser que o conflito escale para um nível quase mundial..
De notar que a Rússia tinha um stock muito maior que a NATO, e a Ucrânia já tinha ela própria, um stock enorme para os padrões ocidentais.
Logística industrial - por muito simples que seja, a produção de munições necessita de matérias primas. Vamos sempre depender da importação de explosivos e ligas metálicas. Não temos base industrial nesse sector, seria necessário começar do zero, o que demora tempo. A produção de munições básicas é a mais fácil de aumentar, e a sua procura será a que mais rapidamente vai estagnar. A produção de munições guiadas por exemplo, estará fora do nosso alcance, essa tecnologia não será partilhada tão depressa.
Comparativo com outros países - há países que tem alguma indústria neste sector, até aqui ao lado a Espanha tem essa capacidade. É muito mais rápido aumentar a produção nesses países, mesmo que à custa de novas linhas, que iniciar essa produção do zero noutro pais. Os principais produtores como a Alemanha, a França ou a Suécia, podem escolher países muito mais próximos, com salários igualmente baixos, e que politicamente convem manter bem debaixo do arco EU/NATO. E relembro que a simples proximidade geográfica pode influir bastante na cadeia produtiva.
As apostas na economia não devem ser tomadas por impulso, tem de ser sempre com objetivos a médio/longo prazo.
A questão da procura é sempre pertinente. Mas acho que neste momento todos concordamos que a procura de facto existe. Também temos noção que esta procura, irá além da Ucrânia, passa pelos stocks de munições de todos os países da NATO, munições para operações fora da Europa, e munições para futuros conflitos prolongados, que poderão (e quase certamente irão) acontecer.
A logística industrial é um desafio, mas é ultrapassável. Isto não impediu de se montarem fábricas em Portugal de pecinhas do puzzle para o KC, aeronave esta que até ao momento não tem muitas encomendas, e nem sequer fabricamos a aeronave toda. Se para umas coisas dá, também dá para outras.
Depois, isto não quer dizer que fabriquemos todo o tipo de munições. É no âmbito NATO/UE, decidir que país faz o quê, e tentar dividir a produção pelos países. Quanto a munições guiadas, isto é algo que seria sempre com o aval da UE ou NATO, até para ajudar a financiar as fábricas primeiro que tudo (PRR). Sendo o ESSM Block II um míssil internacional, no qual até já participamos, o passo seguinte passaria por ter capacidade de produção maior, e podíamos propor-nos a isso. Estamos a falar de um míssil que vende na ordem das altas dezenas/baixas centenas para a maioria dos países operadores (nós somos a excepção, que compramos uns 20
).
Os países da Europa com mão de obra mais barata, são todos no Leste da Europa. Portugal e Espanha têm custos de mão de obra minimamente competitivos, com a vantagem gigante de que estamos localizados bem longe da Rússia. Não fazia sentido nenhum, estrategicamente falando, colocar fábricas tão essenciais nos países Bálticos, ali tão perto dos russos. Além de que a Península Ibérica tem acesso directo por mar a todos os cantos do mundo, podendo fornecer através do Mediterrâneo, Atlântico e directamente para África.
Francamente o futuro da indústria militar portuguesa, poderá depender disto. Eventualmente poderia também ser um player na indústria dos drones, mas ainda teríamos de comer muita fruta. A construção naval compensa, quando há encomendas e/ou navios para manter. Daí que vale zero construir um LPD ou AOR em Portugal, se esse know how se vai perder imediatamente depois de entrar ao serviço. Patrulhas, lanchas, fragatas, coisas que se produzem em maior número, fazem mais sentido.