REVISTA "ALENTEJO TERRA MÃE", NATAL 2007, Janeiro-Fevereiro 2008 (saída em 20 de Dezembro de 2007) (DEVERÁ SER DISTRIBUÍDA EM BREVE COM O DIÁRIO DE NOTÍCIAS)
REVISTA "ALENTEJO TERRA MÃE", NATAL 2007, Janeiro-Fevereiro 2008 (saída em 20 de Dezembro de 2007)
A NOSSA HISTÓRIA
O ESCRIVÃO DE BORDO QUE ‘DESCOBRIU’ A “VOLTA DA GUINÉ”
Aires Tinoco, natural da então portuguesa e alentejana comarca de Olivença, partiu na caravela de Nuno Tristão, como escrivão de bordo, para explorar a costa da Guiné em 1446. Tendo o comandante e quase toda a tripulação sido dizimados pelos indígenas, Tinoco fez-se ao mar e conseguiu atingir a costa portuguesa ao fim de dois meses no mar, sem avistar terra, pela rota que passou a designar-se "Volta da Guiné"
(TEXTO DA ARQUITECTA Maria Antónia Goes, do ALVITO, nova directora da Revista)
_________________
Foram muitos os alentejanos que contribuiram para a História dos Descobrimentos Marítimos e que ficaram no anonimato. Aires Tinoco seria um deles, se não tivesse realizado um feito excepcional.
Natural da então portuguesa e alentejana comarca de Olivença (ver caixa na página 21), Tinoco partiu na caravela de Nuno Tristão, como simples escrivão de bordo, com o fim de explorar a costa da Guiná em 1446. Não era a primeira vez que Nuno Tristão realizava aquele trabalho, era a quarta viagem do grande navegador que, a mando do Infante D. Henrique, desbravava a faixa costeira entre o Cabo Branco, que ele próprio descobrira em 1441, e o Rio Gâmbia.
Capitaneando uma caravela com 30 homens a bordo, Nuno Tristão passou ao largo do Cabo Verde que Dinis Dias tinha descoberto em 1444 e, navegando para o Sul, deu com a embucadura de um rio que se pensa ser o Gâmbia, posto que há discordência entre vários historiadores.
Fundearam a caravela e, em dois pequenos batéis, avançaram pelo rio acima. O barel de Nuno Tristão foi logo seriamente atacado pelos indígenas que, com setas envenenadas, dizimaram completamente a tripulação, incluindo o comendante. Os outros tentaram atingir o navio, salvando-se apenas cinco homens "um grumete, assaz pouco avisado na arte de marear e um moço da cânara do Infante que se chamava Aires Tinoco, que ia por escrivão, e um moço guinéu que fora filhado com primeiros que filharam em aquela terra, e outros dous moços assaz pequenos que viviam com alguns daqueles escudeiros que ali faleceram", segundo o cronista Gomes Eanes de Azurara.
Sem escolta, decidiu-se Aires Tinoco, com os seus parcos conhecimentos de navegação que, certamente, não iam para além da observação, fazer-se ao mar e tentar atingir a costa portuguesa, o que conseguiu ao fim de dois meses no mar, sem avistar terra.
Diz Gomes Eanes de Azurara, na "Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné": "Ó grande e supremo socro de todos os desamparados (...), onde bem mostraste que ouvias suas preces quando em tão breve lhe enviaste tua celestial ajuda, dando esforço e engenho a um tão pequeno moço, nado e criado em Olivença, que é uma vila do sertão mui afastada do mar, o qual, avisado por graça divinal, encaminhou o navio, mandando ao grumete que directamente seguisse o norte (...), por que ali entendia ele que jazia o Reino de Portugal (...).
(...) Este moço que disse era aquele Aires Tinoco (...), no qual Deus pôs tanta graça que por dois meses continuados encaminhou a viagem daquele navio(...); ao fim dos quais cobraram vistas de uma fusta (...) sobreveio em eles uma nova ledice, e muito mais quando lhes foi dito que estavam na costa de Portugal, a través de um lugar do mestrado de Santiago, que se chana Sines. E assim chegaram a Lagos, donde se foram ao contar-lhe o forte acontecimento da sua viagem, apresentando-lhe a multidão de flechas com que seus parceiros morreram(...)..."
Para além dos documentos que permitem conservar as descrções da viagem de Nuno Tristão, conseguiu-se cmprovar a possibilidade de retornar da Guiné por mar alto, sem rerra à vista, na rota que passou a designar-se "Volta da Guiné"(ver caixa em baixo).
Efectivamente a corrente das Canárias e os alísios do Nordeste não permitiam que, na viagem de regresso a Portugal, as caravelas seguissem ao longo da costa precisando sempre de navegar à bolina, contra o vento.
A volta da Guiné ou da Mina, afastando-se da costa, penetrando ao largo do Oceano Atlêntico, começou a ser comum, levando os navegadores a escalar os Açores, que se tornaram o maior ponto de apoio.
Pelo seu feito, Aires Tinoco foi agaraciado com terras em Elvas, na sua Olivença natal, onde lhe for atribuído o Monte do Barroco (Velho) junto à aldeia de São Jorge de Alôr, e ainda em Estremoz, onde, além do almoxarifado, recebeu casas e terras.
Foi ainda escrivão do Infante D. Henrique. Em 1475, vivia ainda, ao que parece em Estremoz. É referido em vários documentos como pessoa estimada e merecedora do adjectivo de heróica, pelo seu feito.
(CAIXA)
OLIVENÇA É PORTUGUESA...
(mapa do Alto Alentejo, com a região de Olivença incluída, em cor alaranjada)
Olivença deixou de ser portuguesa em 1801, quando foi tomada pelos espanhóis numa invasão fronteiriça que ficou conhecida como a Guerra das Laranjas. Incitados por Napoleão que queria acabar com a aliança anglo-portuguesa, os espanhóis penetraram n Alentejo, ocupando, sem resistência, e em apenas 18 dias, Olivença, Juromenha, Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Barbacena, e Ouguela. D. Manuel Godoy, chefe do Governo espanhol e comandante das forças invasoras, do rei Carlos IV, (pai de D. Carlota Joaquina, portanto sogro do então Príncipe Regente de Portugal D. João, futuro D. João VI), mandou um belo ramo de laranjeira portuguesa à rainha Maria Luísa com quem mantinha uma relação swcandalosa, de conhecimento público, com a mensagem - Eu careço de tudo, mas sem nada irei para Lisboa.
O Congresso de Viena, em 1815, depois da queda de Napoleão, tentando repor a ordem na Europa, aceitou como justa a reclamação do enviado de Portugal, o Conde de Palmela e condenu a Espanha a devolver Olivença, mas a Aspanha nunca cumpriu.
(GRAVURA COM TEXTO, represenrando Laranjas; o texto: " Aires Tinoco era narural da então portuguesa e alentejana comarca de Olivença, que só deixou de ser portuguesa em 1801 quando foi tomada pelos espanhóis numa invasão fronteiriça que ficou conhecida como a Guerra das Larenjas")
(CRONOLOGIA, tendo como fundo ema caravela que ocupa uma página:"- 1434 /Gil Eanes dobra o Cabo Bojador: -1441/Viagem ao Cabo Branco em que Gonçalo Afonso acompanha Nuno tristão; -12444/Dinis Dias descobre o Cabo Verde e a ilha de Palma; -1445/Álvaro Fernandes ultrapassa o Cabo Verde; -1446/Realizam-se três expedições à Guiné. Sendo uma delas aquela em que Nuno Tristão morre e o seu escrivão de bordo, Aires Tinoco, vê-se obrigado a fazer-se ao mar para tentar regressar a Portugal. O que consegue dois meses depois, navegando à bolina por mar alto, sem terra à vista, na rota que passou a designar-se "Volta da Guiné"")
(GRAVURA COM TEXTO, representando uma nota de cem escudos; o texto: "NUNO TRISTÃO. Este navegador português do século XV, foi o primeiro europeu que se sabe ter atingido o território da actual Guiná Bissau, iniciando entre os portugueses e os povos daquela região um relacionamento comercial e colonial que se prolongaria até 1974.")
(CAIXA
A VOLTA PELO LARGO E A NAVEGAÇÃO ASTRONÓMICA
(GRAVURA DE UM MAPA ENTIGO DA ÉFRICA OCIDENTAL E GOLFO DA GUINÉ)
" Não há hoje dúvidas de que, por algum momento entre 1435 e 1440, os navegadores portugueses se viram confrontados com as limitações da arte de navegar mediterrânica para a resolução dos problemas que lhes colocava a navegação oceânica. Esta técnica, cimentada nos séculos XIII e XIV, resolvia os problemas de quem navegava junto à costa, num mar fechado e, sobretudo nop sentido longitudinal. O recurso à agulha de marear e às cartas-portulano servia perfeitamente, porque, estando as segundas desenhadas de acordo com os rumos magnéticos indicados pela agulha, não se verificavam distorções de monta em rumos que tinham uma pequena extensão no sentidoSul-Norte. Por outro lado ainda, e como expressão do conhecimento dos navegadores mediterrânicos, as cartas mostravam as áreas de navegação que os navios e narinheiros conheciam para além do Mediterrâneo: não só a costa ocidental da Europa ,mas também a costa africana atlântica, conhecida e navegada com regularidade até às Canárias d
esde, no mínimo, os inícios do século XIV. Aos navegadores portugueses puseram-se depois dois problemas distintos. O primeiro consistiu na navegação em mar alto. A progressão ao longo da costa africana fazia-se sem dificuldades a partir da costa portuguesa, beneficiando de ventos e correntes favoráveis. Quanto mais se progredia para o Sul, porém, maior era a dificuldade de retorno, que se fazia contra as condições físicas de navegação. Para os pequenos navios, como a barca e a caravela, que se empregaram a início, o retorno a Portugal junto à costa tornava-se cada vez mais penoso. A partir de um momento que se pode hoje situar nas daras indicadas, os navegadores portugueses viram-se obrigados a fazer a chamada "volta pelo largo", ou seja, a internarem-se no mar alto para contornar os ventos que sopravam constantemente no sentido aproximado Norte-Sul junto à costa africana. Essa manobra só podia ser feita recorrendo ao cálculo de pelo menos uma coordenada, a latitude, para o
q
ue se impunha a observação comparada das alturas dos astros. A novidade não consistiu nesta observação, conhecida e praticada havia muito, mas no facto de ter sido feita a bordo e dela se obtar a posição do navio no alto mar, deixando o cálculo da longitude à perícia dos pilotos, já que só a puderam determinar com rigor quando o quaro protótipo do cronómetro de John Harrison provou a sua suficiência, no decurso do terceiro quartel do século XVIII."
(Francisco Contente Domingues, Professor de História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Textos gentilmente cedidos por Dr. Carlos Luna
carlosluna@iol.pt