https://12ft.io/proxy?q=https%3A%2F%2Fobservador.pt%2Fespeciais%2Fa-discreta-reuniao-em-lisboa-em-que-os-eua-pediram-a-portugal-para-nao-sair-da-republica-centro-africana-para-combater-grupo-wagner%2Famp%2FA noticia completa é bem longo, deixo o mais importante
A discreta reunião em Lisboa em que os EUA pediram a Portugal para não sair da República Centro-Africana para combater grupo Wagner
Para combater a Wagner em África, EUA tiveram reunião secreta em Lisboa para debater o tema com dirigentes portugueses. Após morte de Prigozhin, Washington quer continuar a contar com apoio português.
Corria o mês de janeiro quando Lisboa recebeu oficiais norte-americanos para uma reunião discreta com dirigentes e autoridades nacionais — o tema seria a manutenção das tropas portuguesas na República Centro-Africana. Nessa altura, ainda não se previa uma rebelião do grupo Wagner na Rússia, muito menos a morte do seu líder, mas a atividade da milícia paramilitar em África — onde angaria múltiplos negócios e desenvolve atividades militares — esteve em cima da mesa. Para os EUA era fundamental poder continuar a contar com os portugueses, que estariam menos entusiasmados com ideia de prosseguir com a mesma força naquele cenário. Era um encontro em que estava muito em jogo.
Ainda que sem comentar a reunião de Lisboa, cuja existência o Observador confirmou, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, o correspondente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Portugal, garantiu esta semana, em resposta escrita, que os Estados Unidos “continuam a trabalhar com os parceiros portugueses, europeus e africanos para promover a estabilidade na República Centro-Africana [RCA]”.
De acordo com o que conseguiu apurar o jornal norte-americano Politico, que noticiou em primeira mão a existência desse encontro em Lisboa em janeiro de 2023, os dirigentes portugueses estariam a reconsiderar deixar, em abril, a missão de treino da União Europeia na República Centro-Africana, uma das três missões que Portugal integra, além da MINUSCA (da Organização das Nações Unidas) e da missão civil de aconselhamento e monitorização da União Europeia.
Além disso, segundo conta aquele jornal norte-americano, os dirigentes portugueses presentes na reunião manifestaram alguma apreensão com o facto de as tropas francesas terem saído no final de dezembro de 2022 da República Centro-Africana, deixando os militares portugueses numa posição mais vulnerável.
E se em janeiro a Wagner era já uma grande preocupação, os últimos acontecimentos — que culminaram com a morte do chef de Vladimir Putin — vieram adensar ainda mais os receios.
Contactado nos últimos dias pelo Observador, o Ministério dos Negócios Estrangeiros realçou que a “presença de contingentes militares portugueses é um sinal inequívoco da prioridade atribuída por Portugal para com a paz, segurança e estabilidade em África”, mas não deu qualquer resposta concreta sobre a reunião. Nem o Estado-Maior-General das Forças Armadas, que indicou, em resposta escrita ao Observador, o seguinte: “Tendo em consideração o atual empenhamento de militares portugueses no Teatro de Operações da República Centro-Africana, bem como sobretudo o âmbito classificado destas matérias de natureza operacional, não será possível realizar qualquer comentário”. O Observador questionou igualmente o Departamento de Estado norte-americano sobre a existência desta reunião. E o órgão liderado pelo secretário de Estado Antony Blinken esclarece que não “comenta discussões diplomáticas”, ainda que tenha ressalvado de forma subliminar que a “embaixada dos Estados Unidos em Lisboa mantém contactos estreitos com dirigentes portugueses em vários assuntos de importância”.
Certo é que, depois desta reunião, já no início de fevereiro de 2023, o primeiro-ministro, António Costa — juntamente com a ministra da Defesa Helena Carreiras —, deslocaram-se à República Centro-Africana. Em declarações à agência Lusa desde a capital do país africano Bangui, o chefe do executivo confirmou que a visita serviu para “avaliar as condições políticas para a manutenção” da operação da MINUSCA e destacou que, nos contactos que teve “oportunidade de manter” com o Presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, evidenciou uma “grande vontade da República Centro-Africana em que Portugal [continuasse] a participar” nas missões.
“A pior coisa que podíamos fazer seria retirar do terreno as forças que existem e que deixariam exposta a República Centro-Africana”, prosseguiu o primeiro-ministro, que salientou o facto de os Estados Unidos terem apresentado “um projeto no sentido de reforçar o apoio à República Centro-Africana, de forma a não correr riscos de não ficar sob influências” externas. As “influências” a que António Costa se referia eram precisamente as da milícia paramilitar Wagner. “O esforço que está a ser feito é tornar desnecessária a presença da Wagner na República Centro-Africana”, diz logo a seguir.
Nas mesmas declarações à Lusa, António Costa revelava que a presença na missão da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Centro-Africana se prolongaria por mais um ano, algo que ficou confirmado pela portaria 102/2023, assinada a 17 de fevereiro de 2023 por Helena Carreiras. O primeiro-ministro sinalizava também se tinha reunido com a alta representante do Secretário-Geral das Nações Unidas na República Centro-Africana, Valentine Sendanyoye Rugwabiza, que, de acordo com o chefe do executivo, “foi muito enfática sobre a necessidade de não só Portugal se manter, como reforçar a sua presença” no país africano.
A guerra na Ucrânia e o esforço dos Estados Unidos para sancionar o grupo Wagner
Em pleno inverno de 2023, altura em que ocorreu a reunião e em que António Costa foi à República Centro-Africana, a guerra na Ucrânia estava focada apenas num ponto: Bakhmut. Após conquistarem Soledar, os mercenários do grupo paramilitar Wagner tentavam controlar aquela localidade. Com atividades espalhadas por todo o globo, nomeadamente em África, a milícia começou mais do que nunca a atrair atenções. Tanto assim foi que os Estados Unidos classificaram-na como organização criminosa transnacional em janeiro — e estavam preocupados com a presença do grupo Wagner na República Centro-Africana.
Numa autêntica maratona diplomática, segundo o Politico, os dirigentes norte-americanos estiveram em Portugal, no Ruanda, na Bélgica, na Ucrânia e no Reino Unido para tentarem reduzir a influência do grupo Wagner na República Centro-Africana, ao mesmo tempo que aplicaram sanções aos principais cabecilhas da milícia. O motivo? De acordo com declarações do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken no final de janeiro, estas decisões impediriam “o Kremlin de armar a sua máquina de guerra que está envolvida numa guerra de agressão contra a Ucrânia que causou mortes e destruição”.
Os EUA tentavam, por isso, enfraquecer o grupo Wagner e colocar “pressão” na indústria da Defesa de Moscovo, numa altura em que os esforços de guerra russos na Ucrânia eram encabeçados pela milícia. Assim, Washington considerava, em janeiro de 2023, que tinha de agir junto às formas de financiamento do grupo de mercenários. Na República Centro-Africana, os Wagner geriam, pelo menos desde 2020, a principal mina de ouro Ndassima (e única industrializada no país africano) na região de Bambari. E não é só ouro. Uma investigação elaborada recentemente denunciava o saque de diamantes pelos soldados do grupo Wagner naquele país africano.
Como explica o Politico, os Estados Unidos conseguiram apurar que, desde meados de 2022, a área da produção da mina se expandiu consideravelmente, o que poderia ainda aumentar a produção de ouro na região e enriquecer ainda mais o grupo paramilitar; na versão mais otimista, os lucros poderiam chegar a mil milhões de dólares (cerca de 922.400.000 mil euros). Para mais, o governo da República Centro-Africana parecia colaborar e apoiar a exploração da mina por parte da milícia Wagner, obstaculizando inclusive o trabalho das Nações Unidas.
Havia outra preocupação expressa por um dirigente norte-americano ao Politico: “A Wagner é um cancro. Não se fica apenas num país. É algo que se espalha a países adjacentes e do nada tem-se um problema maior”. Por isso, era necessário agir e perceber até que ponto as atividades da milícia paramilitar poderiam ser travadas em África. Mas havia algo que inquietava, na altura, os Estados Unidos: a saída das tropas francesas da República Centro-Africana no final de 2022.
Deste modo, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, dirigentes dos Estados Unidos estiveram reunidos com representantes da MINUSCA, que sublinharam que a saída tropas francesas complicou a vida dos capacetes azuis e que a missão não poderia assegurar aquilo que o grupo Wagner estava a conseguir alcançar naquele momento: proteger as elites políticas da República Centro-Africana de ataques de forças extremistas ou de um possível golpe de Estado. Para tentar diminuir a influência da milícia no país africano, Washington multiplicou-se em esforços para tentar garantir a segurança do Presidente do país africano.
Dando igualmente grande ênfase ao Ruanda, os Estados Unidos olhavam para Portugal como um maior aliado na República Centro-Africana, no momento em que as tropas francesas saíram. Eram o país europeu com o maior contingente da MINUSCA — e sobretudo tinham uma força de reação rápida que, integrada na missão das Nações Unidas, podiam fazer a diferença e competir com as capacidades do grupo Wagner, segundo o Politico.
Ainda continua mas parece-me esta a parte mais relevante para nós