A revista francesa "
Champs de Bataille"(histoire militaire, stratégie & analyse) no seu último número(Jan°2008) dedica um dos seus 'dossiers', com direito a foto na capa, a actuação dos
'Portugueses na Grande Guerra'.
Os artigos são da autoria de
Patrick Rouveirol (Mestre e professor de História, perito sobre a I GM) e
Pierre-Edouard Cote(igualmente Mestre em História e especialista de Historia Militar e particularmente sobre armas e uniformes).
Como é timbre do magazine
Champs de Bataille, os temas são acompanhados não só por fotos e ilustrações mas também por esquemas e planos ( 'plano defensivo aliado, 'a 2° divisão portuguesa',' divisão de infantaria alemã e o 6° exército alemão, e claro a 'ofensiva alemã de 9-29 abril 1918').
É esta uma rara oportunidade em que franceses mencionam a intervenção portuguesa, pois como como se escreve na introdução do tema "
...'mais desoladora ainda é a manifesta gratuitidade do sacrificio deste corpo expedicionário, tão confidencial a ponto de não suscitar mais que pequenas alusões, acabando por se perder até a sua lembrança'.Partamos pois, agora a descoberta dos 55165 portugueses que serviram em França entre Fevereiro 1917 e o Armistício, autênticos soldados desconhecidos da Grande Guerra´
Para dar uma ideia mais concreta da visão francesa, transcrevo a seguir alguns excertos, lembrando que é minha a tradução e adaptação (ligeira e apressada), pedindo antecipadamente desculpa pelas evidentes deficiências:
Um país em plena crise política em 1914"Quando estala a Primeira guerra Mundial, Portugal atravessa uma grave crise política desde ha quatro anos.Quando em 1910 o jovem rei Manuel II foi deposto e obrigado a partir para o exílio, Portugal tornou-se República numa Europa ainda e quase exclusivamente monárquica.Esta instauração teve como efeito dividir a população portuguesa e por consequência enfraquecer Portugal no concerto das nações.
No plano interior, a política voluntáriamente anti-clerical da jovem República ofende uma parte da população com fortes tradições católicas.A partir de Outubro de 1910 as Ordens religiosas são declaradas indesejáveis, o ensino religioso é suprimido nas escolas, interditas as procissões e o divórcio passa a ser legal.Enfim...em 20 de Abril 1911, uma Lei declara a separação da Igreja e do Estado.Em apenas sete meses, os republicanos portugueses empreenderam uma laicização em marcha forçada, que os republicanos franceses tinham efectuado em ...trinta e cinco anos !
Um tal política alimentou a oposição surda do clero e de numerosos católicos praticantes, num Portugal de 6 milhões de habitantes onde ainda 85% da população vivia em zonas rurais.Este vivo descontentamento religioso de uma parte da população portuguesa alimenta uma oposição política conduzida pelos monárquicos que aproveitam a divisão do campo republicano em três grupos rivais, com uma grande instabilidade ministerial... nada menos que seis governos sucessivos entre Out/1910 e Agosto/1914.
Mais inquietante ainda, por duas vezes- Out/1911 e Julho/1912- expedições armadas da oposição realista portuguesa, provenientes da Galiza, tentam abater o regime republicano.
Esta grave crise interior tem por consequência precarizar a posição portuguesa na cena internacional.Assim, na Peninsula Ibérica mesmo se os rumores de uma intervenção militar da vizinha monarquia espanhola não se concretizam, Portugal enfrenta em Julho/1912 uma reivindicação de Espanha sobre a soberania de algumas ilhas do arquipélago português da Madeira.Se neste caso, Portugal recebeu o apoio da Inglaterra, outras posições britânicas não deixaram de inquietar os meios dirigentes portugueses.De uma parte o ex-rei D.Manuel II encontrara refúgio na Grã-Bretanha e por outro lado numerosas fugas diplomáticas dão conta, entre 1912 e 1914, de um possível acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha para partilha das colónias portuguesas.
Assim, quando rebenta a guerra em Agosto de 1914, a confiança no aliado tradicional e protector britânico estava algo desfeita.
"
O artigo refere a seguir aquilo que classifica como
'a lenta marcha para a guerra (agosto 1914-março 1916)', considerando que a inicial neutralidade portuguesa se devia mais ao estado de fraqueza do exército português e o desejo de
'preservar a todo o custo o império colonial', o que passaria por um acordo com a Grã-Bretanha e a sua marinha de guerra, a fim de preservar as comunicações marítimas entre Portugal e as colónias e ao mesmo tempo uma política de apaziguamento com a Alemanha para evitar qualquer ataque massiço desta contra Angola e Moçambique..."
de facto mesmo se desde 13/8/914 Portugal concedeu o direito de passagem por Moçambique as tropas britânicas enviadas para a Niassalândia (actual Malawi), alguns incidentes fronteiriços entre alemães e portugueses no norte de Moçambique e no sul de Angola, entre agosto e dezembro de 1914, não levaram a uma declaração de guerra entre os dois paises."A polémica em Portugal sobre a participação na guerra é também aflorada, mencionando-se que os opositores a essa entrada estimavam, com razão, que o país não estava militar e económicamente preparado.Mesmo reconhecendo estes argumentos
'os belicistas portugueses pensavam ser necessária a entrada na guerra por duas razões: - no plano interno uma União sagrada reforçaria o poder da República, pois os belicistas mais activos eram precisamente os republicanos mais radicais; - e por outro lado no plano internacional a beligerância asseguraria ao país, com a volta da paz,o reconhecimento por todos da perenidade do seu império colonial (lembrança dos projectos recentes da sua partilha entre ingleses e alemães), um prestígio acrescido na cena internacional, especialmente face a Espanha ( neutra, mas com simpatias pro-alemãs )'.
Até a declaração de guerra pela Alemanha em 9 de Março 1916, é descrito o complexo jogo político entre os intervencionistas e os seus opositores, salientando-se o papel desempenhado por Afonso Costa ( que determinou a compra de equipamento militar, nomeadamente submarinos) até as consideraçoes económicas que foram determinantes para ser dado o passo para a guerra"
em Janeiro de 1916 a Grã-Bretanha concede um empréstimo de 2 milhões de libras, e condicionando um milhão suplementar ao apresamento pelos portugueses dos navios alemães refugiados nos seus portos desde Agosto 1914, o que foi efectivado em 23 Fevereiro 1916".Os longos e infrutiferos protestos alemães levariam pois a declaração de guerra na data acima referida.
ConclusãoPara além de uma breve chamada sobre a Guerra em África(Angola e Moçambique) onde se destacam alguns combates entre os portugueses e forças alemãs, bem como o numero de vitimas que devem ser acrescentadas a este conflito (31 000 expedicionarios metropolitanos com total de cerca 4 000 mortos, e mais 3 000 'locais' ), é abordado o equipamento do soldado português(desde a difícil substituição da Mauser-Vergueiro para a Lee-Enfield, descrição do fardamento, com deficiencia de algum dele especialmente no que diz respeito a impermeabilidade e resistencia para o norte da França, capacetes(menos resistentes que os britânicos), máscaras de gas, cantis etc...
De notar, por curiosidade, e no que respeita aos sobretudos...
" os portugueses traziam capas em pele de carneiro idênticas aos dos pastores do seu país, que além de serem abrigos de sonho para todos os parasitas das trincheiras, se tornavam objecto de troça dos soldados alemães e ingleses que se punham a imitar os balidos dos carneiros, mal viam os portugueses"
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Não fazendo, de momento, comentários a estes textos, penso no entanto poder subscrever o parágrafo final, de
Pierre-Edouard Cote:
Apesar de uniforme e equipamento inadaptado à permanência nas trincheiras, os soldados do CEP combateram com coragem, deplorando a perda de 8000( mortos e feridos) entre eles , o que é muito elevado para uma força de cerca de 40 000 homens