Eu não vejo as coisas assim tão negras para os americanos.
Este ataque não será antes uma afirmação de força de que se se meterem com os americanos (ataque à Embaixada Americana no Iraque), Trump não baixa as orelhas como o Obama? Depois deste acto, mesmo para quem está do outro lado, tem alguma dúvida neste momento, de que se aquela cabecinha laranja lhe apetecer, ataca mesmo o Irão, com ou sem apoios? E este acto não é um aviso para outros países?
Isto nada teve a ver com o ataque à embaixada nem com nada que se parecesse. Aliás, o silêncio, seguido por uma catadupa de explicações e justificações mal amanhadas para este movimento apenas reforçam a tese de que foi um acto, que apanhou praticamente toda a gente de surpresa e que visa, acima de tudo, levar o Irão a uma acção que justifique uma guerra.
Os iranianos, que estavam a braços com manifestações internas, acabam a ver novamente a sociedade unida. Também perderam toda e qualquer esperança de uma coexistência pacifica e civilizada com o Ocidente (sim, a Europa vai comer por tabela), que tratados ou acordos feitos connosco não valem sequer o papel onde foi assinado e que não há razão onde não há força. A nuclearização do Irão, a que se seguirá a da Arábia Saudita, Turquia e Egipto, é algo que eu adquiro como certo, depois disto.
No Iraque, é transversal a sunitas e xiitas um sentimento de profundo desrespeito pelo país e, acima de tudo, por algo que é quase sagrado para eles, as suas regras de sociedade, pois um convidado que até veio a Bagdad a pedido da Trump, segundo as declarações do PM iraquiano, foi morto na sua própria casa. Existem poucas maneiras de ofender mais os gajos que isso e, numa altura em que a influência americana na politica iraquiana está a degradar-se, isto foi uma espécie de golpe final. A exigência para que as tropas americanas saiam do Iraque e o corte com as empresas americanas que estavam a engordar à grande no país, vai ser uma bênção para empresas russas, chinesas, turcas e afins.
Quanto a quem está do outro lado, o sinal é claro, estes tipos não respeitam nada nem ninguém, a única coisa que os mantem em sentido é um bom arsenal e a vontade de o usar se necessário. Coreia do Norte ninguém os chateia, os americanos berram, dizem que fazem e acontecem, mas a realidade é que com a bomba e vectores para a colocar onde é preciso, a coisa não passa mesmo de berreiro.
Foxtroop,
https://foreignpolicy.com/2020/01/03/petraeus-on-qassem-suleimani-killing-says-trump-helped-reestablish-deterrence/
A verdade é que a questão do que fazer com o Soleimani não é nova e já vem desde 2008 (no mínimo). Uma série de erros da administração Trump tinham criado uma falsa impressão no Irão de que agora era uma boa altura para pressionar ainda mais os americanos no Iraque (depois de ataques a navios, e a instalações petrolíferas, e ataques a forças americanas no Iraque a aumentar de frequência). O objectivo (discutível) é reestabelecer uma capacidade de dissuasão. O racional é de que o Irão está numa posição frágil interna e que aplicando força a nível externo, o regime pode ser pressionado a negociar com os EUA.
A mim parece-me uma ideia mal pensada. E o facto de o Secretário de Estado americano ficar surpreendido com a reacção dos aliados europeus mostra ainda mais que o nível de QI da administração Trump fica uns bons degraus abaixo da média americana...
No entanto, como os EUA catalogam a força Quds como organização terrorista, não há necessidade de avisar o Congresso, e nesse sentido o assassinato é também complicado de enquadrar em termos de direito internacional.
Capacidade de dissuasão ou pressionar o Irão a negociar matando o gajo que foi chamado para ajudar a arrefecer a escalada de tensão?!! Se o Irão podia estar numa posição frágil interna, o que isto teve como efeito foi justamente o contrário. O Irão não é um país tribal, tipo manta de retalhos em que se mata um cabecilha e aquilo cai no caos, como na Líbia. É uma sociedade com milhares de anos, uma história imperial riquíssima e com um sentimento de pertença e identidade muito forte, independentemente de se ser xiita, sunita, zoroastreu, judeu, etc. Este tipo de actuação apenas reforça o sentimento de união dentro da sociedade iraniana.
Quanto a administração ter catalogado A, B ou C de terrorista, as coisas, até este momento, não funcionavam assim. Com este precedente, o que impede os chineses, ou os russos, de catalogarem qualquer um como terrorista e actuarem num qualquer país de forma aberta? Para mais um gajo que não tinha nenhum mandato internacional sobre ele, era alto quadro de um país reconhecido com al e portava passaporte diplomático, além de se encontrar em missão diplomática? O potencial merdistico disto é enorme, daí que todos os países até ao momento, com a excepção do costume, tenham criticado. Quantos diplomatas estarão agora a pensar no facto de se terem tornado alvos válidos? Isto não tem ponta por onde se lhe pegue e é um rude golpe para qualquer tentativa de levar aquela zona para a nossa esfera de influência, para felicidade de chineses e russos.
PS: lembrei-me agora de uma: A não ser que o Trump tenha realizado que a única maneira de tirar as tropas do Iraque fosse fazer uma merda tão grande que não deixe outra alternativa que por a mochila às costa e bye bye.