http://www.garfos.letrascomgarfos.net/O “mea culpa” dos patrões
22 - Setembro - 2006 | Geral | Notas.
Ontem vimos uns senhores empresários no Telejornal a exigir mais medidas de fundo por parte do Estado, e economistas a dizer que existem 200.000 funcionários a mais na Função Publica. Uma das razões dos blogues é opinar sobre esta matéria para que os portugueses entendam, porque os me®dia mantêm deliberadamente uma linguagem encriptada e quando são chamadas pessoas a debate em directo na TV, a coisa está mais que combinada e as perguntas são teleguiadas, porque “não há almoços grátis” (como diz o João César das Neves) para quem vai lá “botar faladura”.
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Um dos argumentos utilizados pelo patronato é a liberalização a lei do trabalho. Recordo que a lei laboral em Espanha não é mais liberal que a nossa; é mesmo muito parecida com a nossa, implicando indemnizações chorudas aos trabalhadores quando se verificam despedimentos sem justa causa. Mais: os tribunais de trabalho em Espanha são muitíssimo mais céleres do que em Portugal, o que releva a favor dos trabalhadores por conta de outrem.
Quando um dos participantes da conferência veio dizer que a Opel foi para Espanha por causa das leis laborais espanholas, mente; a Opel foi para Espanha muito por causa da ineficácia do tecido empresarial português no seu todo – a logística, em Portugal não funciona, devido à corrupção generalizada protagonizada por uma classe empresarial praticamente analfabeta funcional. Os patrões portugueses utilizam o argumento da Espanha para tentarem transformar Portugal numa Roménia, exactamente porque não sabem ou não querem fazer melhor. O Empresariado português, tal como o futebol, necessita de uma limpeza, e paradoxalmente, o Estado tem aqui um papel muito importante a desempenhar, que é o de eliminar por via indirecta os empresários que andem cá a mais, mesmo que isso nos custe a diminuição de receitas nos impostos — receitas essas que nunca são as devidas, porque a fuga aos impostos é “mais que muita”.
Quando um economista da conferência vem dizer que existem 200.000 trabalhadores a mais na função pública, ou tem razão ou é estúpido. Se tem razão, significa isto que a taxa de desemprego oficial em Portugal ultrapassaria os 10% da população activa, o que significa também que Portugal está nitidamente a importar desemprego de outros países da União Europeia, principalmente de Espanha; estando Portugal a importar desemprego de outros países da EU, por via das importações que substituem o emprego nacional através da produção local, para além da diminuição de receitas nos impostos, aumentam as despesas com a Segurança Social e a precariedade da vida dos portugueses. Dando um exemplo, é como se um casal planeasse a sua vida, comprando um apartamento, baseando-se no rendimento que têm de 1600 Euros (800 euros cada um) e de repente, um deles passasse a ganhar metade, o que passaria o rendimento do casal para 800+400=1200 Euros. Neste caso, as despesas fixas mantém-se, mas as receitas diminuíram; é o que se está a passar com o Estado português, com o agravante de que, com o aumento do desemprego, as despesas com a Segurança Social terem a tendência para aumentar, não obstante os cortes que tem feito governo na despesa. Portanto, na minha opinião, o que os economistas vieram dizer ontem é que Portugal tem que seguir os padrões sociais da Roménia ou da Eslováquia, preto no branco.
O corte na despesa tem os limites do bom-senso; transformar Portugal num país do terceiro-mundo não é solução de bom-senso; e o argumento da educação dos portugueses, se bem que com alguma razão quando se se equipara Portugal aos países europeus do norte, também não pode ser brandido como um machado de guerra, quando sabemos que o nível educacional médio na vizinha Espanha não é muito diferente do português.
Quando uma economia ultrapassa os 10% de desemprego, que é o que está a acontecer em Portugal com as estatísticas de desemprego nitidamente aldrabadas, o que o Estado tem que fazer não é só aumentar o IVA para reduzir o consumo e as importações: é restringir importações com medidas de proteccionismo mais ou menos camufladas, incentivando a produção de bens em território nacional. E se estiver em causa a permanência no Euro, em último caso, voltemos ao escudo. Não podemos é acreditar cegamente que esta Europa nos “ajuda” desinteressadamente: como sabemos, toda as economias necessitam de uma percentagem de desempregados para assegurar um determinado crescimento. Pois bem, quando nos dizem que existem 200 mil funcionários públicos a mais, dá a ideia de que Portugal está destinado a ser um dos repositórios de uma massa de desemprego necessária à economia global europeia indexada ao Euro.
O que os patrões portugueses fizeram em directo ontem na TV foi o exorcismo público da sua culpa; um país onde as remunerações de depósitos bancários são os mais baixos da Europa e onde os bancos mais cobram pelos empréstimos a particulares, é a ponta do icebergue e diz bem do que é a filosofia intrínseca do empresário português padrão, uma classe empresarial ao nível de um país da América Latina. E depois, o Estado é quem tem a culpa toda.