China ameaça domínio dos EUA sobre os latinos

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China ameaça domínio dos EUA sobre os latinos
« em: Novembro 20, 2004, 11:57:38 pm »
Governo esquerdista do Brasil facilita aproximação com os chineses

Larry Rohter
Em Santiago, Chile


A chegada nesta sexta-feira (19/11) ao Chile do presidente Bush, que personifica para os latino-americanos o poder político e econômico de Washington, está sendo recebida com uma mistura nervosa de protestos e esperanças de maior crescimento.

Mas apesar de os Estados Unidos ainda considerarem a região como seu quintal, seu domínio não é mais inquestionado. De repente, a presença da China pode ser sentida em toda parte, da Amazônia aos campos de mineração nos Andes.

Movida por uma das maiores expansões econômicas sustentadas da história, e diante de gargalos e escassezes na Ásia, a China está cada vez mais se voltando para a América do Sul como fornecedora. Ela está ocupada comprando quantidades imensas de minério de ferro, bauxita, soja, madeira, zinco e magnésio no Brasil. Está procurando estanho na Bolívia, petróleo na Venezuela e cobre aqui no Chile, onde no mês passado tirou dos Estados Unidos a posição de principal mercado para as exportações chilenas.

Apesar de Bush estar passando o fim de semana aqui para a conferência da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, o presidente da China, Hu Jintao, está aqui no meio de uma visita de duas semanas à Argentina, Brasil, Chile e Cuba. Durante ela, ele anunciou mais de US$ 30 bilhões em novos investimentos e assinou contratos de longo prazo que garantirão para a China o fornecimento de materiais vitais para suas fábricas.

Os Estados Unidos, preocupados com o agravamento da situação no Iraque, parecem ter dado pouca importância à ascensão da China na região. O aumento do comércio entre a América Latina e a China poderia até mesmo ser saudado como um meio de reduzir a pressão para os Estados Unidos apoiarem reformas econômicas, com as considerações geopolíticas empurradas para segundo plano.

"No lado diplomático, os chineses estão discretamente, mas persistentemente e eficazmente, operando abaixo do radar americano", disse Richard Feinberg, que foi conselheiro-chefe para América Latina no Conselho de Segurança Nacional durante o governo Clinton. "A América do Sul está obviamente à deriva, e os flertes diplomáticos com a China tenderão a realçar potenciais divergência com Washington."

O investimento e as compras chinesas são consideradas vitais para economias carentes de capital e lutando para se erguer de uma longa recessão. Na Argentina, no início desta semana, por exemplo, Hu anunciou quase US$ 20 bilhões em novos investimentos em estradas de ferro, exploração de petróleo e gás, construção e satélites de comunicação, um enorme estímulo para um país cuja vitalidade econômica foi minada desde o colapso financeiro e o calote de dívida em dezembro de 2001.

A China também está se aventurando fora do reino econômico. Em março, por exemplo, após a minúscula ilha caribenha de Dominica ter rompido relações diplomáticas com Taiwan, Pequim respondeu com um pacote de ajuda de US$ 112 milhões, que inclui US$ 6 milhões em apoio direto ao orçamento neste ano e US$ 1 milhão anual para o orçamento pelos próximos seis anos. Em Antígua, ela prometeu US$ 23 milhões para a construção de um novo estádio de futebol.

As relações políticas parecem estar avançando mais rapidamente com o Brasil, a nação mais populosa da América Latina, onde o governo de esquerda tem exposto repetidamente nos últimos meses a idéia de uma "aliança estratégica" com Pequim.

O governo brasileiro deixou claro que considera laços mais estreitos com a China como um carta que pode ser jogada para compensar a influência e o domínio comercial americano. Apesar de não sugerir que a China poderá em breve substituir os Estados Unidos como principal cliente e parceiro do Brasil, a meta é forçar concessões comerciais e outras dos Estados Unidos e outros países industrializados.

"Nós queremos uma parceria que integre nossas economias e que sirva como um paradigma para a cooperação Sul-Sul", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante uma visita de Estado à China em maio, durante a qual ele esteve acompanhado por cerca de 500 empresários brasileiros. "Nós somos dois gigantes sem divergências históricas, políticas ou econômicas, livres apenas para pensar no futuro."

Maior parceiro do Brasil

Antes de sua visita, Lula até mesmo insinuou uma negociação de livre comércio com a China, um passo que o Chile anunciou nesta semana que dará. Mas o impacto da China no Brasil já é sentido tão fortemente que a idéia foi rapidamente engavetada, após grupos empresariais de São Paulo terem expressado o temor de serem sobrepujados pelas empresas estatais chinesas em seu próprio mercado doméstico.

Em 2003, a China se tornou o segundo maior parceiro comercial individual do Brasil, e nos últimos meses os chineses têm buscado joint ventures que expandirão o comércio ainda mais e lhes darão uma participação significativa nos investimentos locais. O Brasil é um dos poucos países que desfrutam de um superávit comercial com a China, e só no ano passado as exportações para a China quase dobraram, para US$ 4,5 bilhões.

"Nos últimos três ou quatro anos, o crescimento no comércio tem sido explosivo", disse Renato Amorim, um ex-diplomata na embaixada do Brasil em Pequim e atualmente o diretor executivo do Conselho Empresarial Brasil-China. "A China está tentando garantir fontes confiáveis de fornecimento de matéria-prima para lidar com as escassezes que enfrenta, e como não há conflitos na agenda política, o Brasil se encaixa perfeitamente."

Muitos dos minérios vêm de uma parte da Amazônia conhecida como Carajás, que possui as maiores e mais puras reservas de minério de ferro e outros minérios estratégicos do mundo. Em um complexo à boca do Amazonas, perto de Belém, que produz alumina, o pó branco que é refinado da bauxita para produção de alumínio, a produção em breve poderá dobrar, com grande parte dela provavelmente destinada à China ao longo da próxima década.

Descendo a costa, a Baosteel da China e a Companhia Vale do Rio Doce do Brasil, a maior produtora de minério de ferro do mundo, são parceiras em um empreendimento de aço de US$ 1,5 bilhão para produção de até 8 milhões de toneladas por ano. Enquanto isso, subindo o rio, em Manaus, as delegações chinesas estão ocupadas negociando acordos de longo prazo para obtenção de madeira. Ao Sul, no Mato Grosso, missões semelhantes estão tentando assegurar o fornecimento de soja e algodão.

O mesmo está acontecendo em toda parte, especialmente na agricultura. Por todo o interior sul-americano, da Amazônia aos pampas da Argentina, um boom no cultivo de soja, utilizada principalmente como ração animal, foi provocado nos últimos anos pela ascensão, a meio mundo de distância, de uma classe média chinesa com mais renda e desejo de consumir mais carne de porco, frango e carne bovina.

China também é rival

Preocupados com os avanços chineses, Japão e Coréia do Sul também estão aumentando seus esforços para assegurar sua própria obtenção de matéria-prima na região. O primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, visitou o Brasil em meados de setembro, e o presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, também agendou viagens à Argentina, Brasil e Chile, próximas das visitas chinesas.

"Em questão de poucos anos provavelmente haverá uma 'guerra' para desenvolvimento de matérias-primas", disse Park Yong-soo, presidente da estatal Korea Resources Corp., para a agência de notícias Reuters no mês passado. "A China está disputando agressivamente", ele acrescentou, provocando escassez de oferta e preços mais altos.

Os poucos analistas brasileiros que têm experiência em lidar com a China também têm pedido cautela ao seu governo. Simpatias ideológicas ou uma noção vaga de solidariedade do Terceiro Mundo, eles disseram, não devem interferir no interesse nacional.

Em busca de sua "parceria estratégica", Brasil e China desenvolveram em conjunto um programa de satélite, estão discutindo venda de urânio brasileiro para uso em reatores chineses, e marcaram recentemente a abertura de uma fábrica na China de propriedade da Embraer, a fabricante brasileira de aeronaves.

Mas está claro para a maioria dos especialistas brasileiros que a China vê o país deles principalmente como uma fonte de matéria-prima, e isto os incomoda. Muitos estão encorajando o governo a lutar por um relacionamento mais igual, levantando preocupações que vão desde fluxo comercial até danos ambientais.

"Até o momento, o discurso tem sido mais político do que pragmático, com toda esta conversa de aliança Sul-Sul", disse Eliana Cardoso, uma ex-economista do Banco Mundial para a China e atualmente uma professora universitária em São Paulo. Ela e outros alertam que apesar de Lula ter enfatizado que as economias brasileira e chinesa são basicamente complementares, a China também é uma rival.

Aproximação oportunista

Durante a visita de Hu na semana passada, o governo brasileiro concordou em reconhecer a China como uma "economia de mercado", um passo que tornará mais difícil impor penas à China pela prática de dumping nas exportações. A influente Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) criticou imediatamente a medida como uma "decisão política" que deixa a "indústria brasileira em posição vulnerável" e trará "conseqüências prejudiciais a vários setores industriais".

As empresas não estão apenas preocupadas com as incursões da China no mercado doméstico, mas também se preocupam com a exportação de produtos com os quais o Brasil tem tido certo sucesso no exterior, de calçados e brinquedos até produtos químicos e autopeças. "O Brasil tem que insistir que em vez de exportar matéria-prima, nós temos que exportar bens manufaturados", disse Cardoso.

Marcos Jank, economista e consultor da Fiesp, concordou. "A China a longo prazo pode roubar mercados do Brasil, porque a mão do Estado ainda é muito forte em muitas áreas, incluindo a taxa cambial", disse ele. "Ela é uma concorrente feroz nas coisas que exportamos, assim como na disputa por mercados e investimentos."

De fato, tanto investimento estrangeiro tem ido para a China que a América Latina tem encontrado dificuldade para obter o capital que necessita para financiar seu próprio crescimento.

Como resultado, o Brasil, assim como a vizinha Argentina, tem sido forçado a cortejar a Citic, a estatal China International Trust and Investment Corporation, na esperança de que pelo menos uma pequena parte dos estimados US$ 500 bilhões em reservas estrangeiras da China seja direcionada à região.

Até o momento, a China tem-se interessado principalmente em projetos de infra-estrutura que assegurarão um fluxo mais constante dos produtos que já compra do Brasil e da Argentina. Em particular, estradas de ferro, portos, estradas, gasodutos e outros projetos ligados à produção de energia estão sendo estudados. No início deste mês, uma delegação da Citic visitou dois locais para construção de hidrelétricas na Amazônia, que seriam essenciais para joint ventures de alumina e aço no Brasil.

Tais projetos têm levantado dúvidas quanto ao meio ambiente, especialmente na Amazônia. Grupos ambientais do Brasil olham para o péssimo retrospecto da China em projetos como a Usina de Três Gargantas e temem que os chineses possam ficar tentados a exportar seus problemas para o Brasil.

De fato, vários dos projetos que estão sendo considerados seriam altamente poluentes, enquanto outros seriam de energia intensiva e provavelmente causariam danos ao meio ambiente semelhantes aos que ocorreram em Três Gargantas. De preocupação especial são duas usinas que processariam carvão no Brasil, em parte para exportação para a China.

"Triste será se, no momento em que os chineses começam a se preocupar com o PIB verde, por aqui, nós sigamos nas velhas trilhas de nada avaliar por esse critério nas transações comerciais", escreveu neste mês o colunista Washington Novaes no jornal "O Estado de S.Paulo". O Brasil deve evitar cair na armadilha de ser um "grande fornecedor de commodities (...) sem compensação pelos altos custos ambientais e sociais" que acompanham tal papel, ele acrescentou.

Os analistas brasileiros concordam que adiante se encontram duras negociações sobre esta e uma série de questões. Apesar do relacionamento com a China ser inerentemente desigual, eles notam, o Brasil pode conseguir mais do que quer apenas evitando ser impetuoso e sendo tão pragmático e obstinado quanto os próprios chineses.

"Eles querem que o Brasil continue sendo um grande produtor de commodities para que possam regular preços, para deprimi-los nos mercados mundiais", disse Gilberto Dupas, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. "Para a China, qualquer aliança com o Brasil é eminentemente pragmática e oportunista, e muito mais tática do que estratégica."

Fonte: www.defesanet.com.br
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« Responder #1 em: Novembro 21, 2004, 04:48:12 pm »
Não me parece que isto seja muito bom para o Brasil. Os Chinêses estam a comprar matéria prima e não a investir na capacidade produtiva do país. Se eles viessem para montar fábricas e utilizar a matéria prima dentro do país para vender aos consumidores do país, e o excedente para o estrangeiro, aí tudo bem. Desta forma compram a matéria prima Brasileira por US$20, transformam em produtos finalizados, e vendem à Europa e USA por US$80, e o Brasil só "fica a ver navios".

Sinceramente, não entendo essa aproximação do Brasil à China, não me parece que faz muito sentido. Parece-me ser mais lógico pensar no Brasil como um rival da China. Os Chinêses tal qual o Brasil têm uma massa populacional sub-empregada, semi-iletrada, e com poucas capacidades técnicas para fazer trabalhos muito sofisticados. A unica forma de elevar a capacidade dessa massa humana a longo-prazo é criar postos de trabalho em fábricas que requerem mão-de-obra barata, e não é isso que o Brasil está a fazer, mas é o que a China faz. E os Chinêses têm um outro mais valia, têm excelentes instituições escolares e formam milhares e milhares de gente altamente capacitada.

A longo-prazo a China não vai ser nenhuma parceira do Brasil, vai ser/é mais um concorrente a nível global.

A unica coisa que faz sentido, no meu ponto de vista pessoal, é o aumento de vendas de produtos agrículas Brasileiros à China, isso sim, é uma excelente oportunidade de negócio.
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« Responder #2 em: Novembro 21, 2004, 05:36:12 pm »
Há um filme curioso sobre a abolição da escravatura num imaginário país colonizado por portugueses, no qual "entra" Marlon Brando. A sua tarefa é explusar os portugueses para "desenvolver economicamente" o país e "acabar com a escravatura". O resultado é que a personagem do Marlon acaba por assumir que as coisas estavam melhores com os portugueses.

Parece-me o mesmo agora: com o Brasil e com Africa. Agora são os outros que exploram estes países e fazem-no agora sem um pingo de vergonha e de humanidade.

O Brasil quis pretensamente a independência. Então que nunca mais se deixe colonizar por outros que nada mais de si quer a não ser lucro fácil.

Agora aos meus amigos: nunca percebi como é que os nossos dois países estiveram e ainda estão tão afastados um do outro. Não faz sentido e é estúpido. Se conseguirmos arrumar as nossas casas deveríamos cuidar melhor um do outro. É sem lirismos que vos falo. Porque há coisas que têm um valor imensurável.
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« Responder #3 em: Novembro 21, 2004, 05:45:11 pm »
A propósito do Filme que falei...

"QUEIMADA!" (1969) http://us.imdb.com/title/tt0064866/

Trivia: The film's original title was Quemada (the spanish word for "burnt"), as the action took place in a Spanish colony. When the Spanish government officially complained and threatened a boycott of the film (objecting to the script's supposedly anti-Spanish bias), Pontecorvo agreed to alter the setting to a Portuguese island and the release title became Queimada ("burnt" in Portuguese)."

Tipo porreiro, o realizador.
 :Esmagar:
« Última modificação: Novembro 22, 2004, 09:15:16 am por Luso »
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« Responder #4 em: Novembro 21, 2004, 09:31:05 pm »
Luso:

Eu tb já vi esse filme, e entendo a questão que vc levanta.

Hà duzentos anos atrás os Brasileiros tinham razão em se sentirem na necessidade de se separar da metrópole, visto que existia gente deste lado que queria reduzir o estatuto do Brasil a colônia, em vez de o manter em paridade com o de Portugal.

No entanto, e tendo em conta que tanto o Brasil, quanto Portugal, seguiram trilhos semelhantes desde a separação, e que os Portuguêses nunca deixaram de ir para o Brasil até hoje, é dificil de entender porque os dois países se separam tanto.

Deixo aqui um texto de um filósofo Brasileiro que toca nesta questão.

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500 anos em cinco notas

Bravo!, abril de 2000

Em primeiro lugar, os quinhentos anos de Brasil não são de Brasil: são de um império português de ultramar que se desmembrou sob os golpes da diplomacia inglesa, prestimosamente auxiliada por intelectuais nativos que achavam estar fazendo um grande benefício para as gerações vindouras. O que representaria no mundo de hoje um bloco político-econômico Portugal-Brasil-África era coisa que não podiam imaginar, mas que os ingleses imaginavam perfeitamente bem e por isto mesmo temiam como à peste. O espectro do império mulato emergente assombrava as noites britânicas como a profecia de uma nova expansão moura. Vocês viram o filme Queimada, de Gillo Pontecorvo? É a história do Brasil.

A independência brasileira sacrificou no altar dos interesses momentâneos de senhores de terras um projeto de envergadura mundial, colocando-nos imediatamente sob o jugo de bancos ingleses que, mais tarde, nos atirariam à aventura genocida da guerra do Paraguai.

Nada mais ilustrativo do que a vida trágica do nosso Patriarca. O Andrada acreditava num projeto-Brasil superior ao do império luso, e por isto mesmo, logo após a Independência, se opôs vigorosamente a fazer empréstimos no Exterior. O impulso profundo que movia as rodas da história não demorou a esmagar as cegas ilusões do pioneiro: o Andrada foi demitido e enviado para o exílio, enquanto a nova classe dirigente iniciava a novela sem fim da dívida externa. A Independência não veio para ampliar o horizonte brasileiro, mas apenas para estreitar o português. Missão cumprida, o chefe do movimento podia ser jogado fora.

A vulgata marxista de hoje nos impinge a lenda de que a Independência e a queda do Império foram etapas de uma revolução destinada a nos coroar de glórias. Mas isso só prova que o "marxismo" é Marx para crianças. Marx em pessoa dizia que as colônias da África e da América Latina que se tornassem independentes cairiam ipso facto fora da História. Caíram.

Pensem nisso, rotuladores de plantão, antes de me nomear apologista do colonialismo luso. Não se trata de defender regimes -- coisa de desocupados como vocês --, mas de contar a História.

***

Nesses quinhentos anos, o Brasil foi sobretudo uma criação da iniciativa oficial, especialmente militar, passando de atropelo sobre a passividade atônita de uma sociedade civil desconjuntada e inerme. Historiadores esquerdistas repetem que a História no Brasil se faz por cima, sem o povo. Têm razão. Mas daí deduzem que precisamos de uma grande revolução para dar chance ao povo. É o protótipo do non sequitur. Nenhuma revolução jamais integrou povo nenhum na História, pela simples razão de que os regimes revolucionários têm de ser hipercentralizados ou morrer no nascedouro. Cada revolução cria uma nova classe governante infinitamente mais distante do alcance do povão do que os donos do Ancien Régime. Revoluções servem apenas a uma jovem elite voraz, semente da futura Nomenklatura. Para se integrar na História um povo não precisa de revoluções. Precisa de paz e tempo, lei e ordem. E intelectuais honestos, que discutam as coisas com franqueza, sem segundas intenções políticas. É a única esperança.

***

O que mais falta no momento é o último item da lista. A geração de intelectuais que atualmente está no comando não tem nenhuma franqueza, suas palavras são um festival de arrière-pensées. Para começo de conversa ela é desonesta ao usar a palavra "poder" como sinônimo de governo. A elite do poder não é o governo: é um vasto sistema de conexões que abrange as instituições de cultura, a mídia, as diretorias de empresas, as igrejas, os partidos, o establishment educacional etc. etc., enfim, a rede inteira hoje dominada por aqueles mesmos que fingem estar de fora e ser heróicos coitadinhos em luta contra os de cima. No Brasil, "poder" tornou-se sinônimo de FHC. Todos os outros dizem ser a massa anônima dos deserdados. Quando um João Moreira Salles financia um traficante em fuga, isto é a prepotência do poder em todo o esplendor da sua feiúra: o poder do dinheiro aliado cinicamente ao poder de matar. Mas ninguém diz isso. Uma escorregadia desconversa geral dá ao conluio do ricaço com o bandidão o ar de uma solidariedade entre excluídos. Isso é fraude, e a elite vive dessa fraude. Por isso mesmo nenhum acadêmico, no Brasil, se aventura a fazer um estudo como o clássico The Power Elite de C. Wright Mills. Ninguém deseja confessar que está entre os que mandam.

Essa mentira é básica demais, é central demais para que qualquer setor do nosso debate público escape de ser contaminado por ela. Um povo tem o direito de saber, em primeiro lugar, quem manda nele. Um povo não pode assumir seu destino nas mãos se a elite que hipocritamente o convida a fazê-lo se esconde por trás de bodes expiatórios, eleitos precisamente para isso. Nesse sentido, do Império para cá, o povo foi cada vez mais excluído: no tempo de Pedro II o poder da elite intelectual estava à mostra, seu telhado de vidro rebrilhava ao alcance de todas as pedras como o telhado dos deputados e ministros. Hoje ele se tornou invisível sob os ataques que move aos ocupantes de cargos nominais.

***

Bem escondidinha, a elite pode cultivar em segredo os intuitos mais perversos, sempre posando de coorte de anjos.

Assim, por exemplo, uns anos atrás ocorreu-lhe a idéia de que todos os valores positivos ainda dotados de credibilidade numa época de degradação geral podiam ser reciclados para servir ao imediatismo de suas ambições políticas.

O mais notório desses valores foi a "ética". É natural que um povo que se sente ludibriado sem saber por quem tenha um fundo e dolorido anseio de moralidade. Com um pouco de esperteza, esse anseio pode ser pervertido em desconfiança, a desconfiança em ódio, o ódio em instrumento de destruição sistemática de lideranças indesejáveis.

A existência da vasta máquina de espionagem política que se montou desde então para pôr em movimento a fábrica de denúncias e manter a nação em sobressalto já constitui, por si, a total corrupção do sistema. Quanto mais intensamente essa máquina atua, mais a atmosfera se sobrecarrega de chantagens, deslealdades, mentiras. Mas a máquina permanece invisível, lançando petardos contra a corrupção que ela própria alimenta. Seu primeiro efeito é embotar na mente do público o senso da gravidade relativa dos males. Hoje um funcionário que desvie uma verba, corrompendo uma repartição, já parece mais criminoso do que o espião que grampeia telefones, desvia papéis, usurpa a função policial do Estado e corrompe todo o sistema.

A ética não é uma ciência exata. Seu exercício depende de um esprit de finesse capaz de avaliar quantidades não mensuráveis. Existe em todo ser humano um conhecimento espontâneo dos princípios morais. Os princípios não são regras: são critérios formais que embasam as regras. As regras variam conforme os tempos e lugares, mas subentendendo sempre os mesmos princípios. Qualquer selvagem sabe que aquilo que põe em risco a comunidade inteira é mais grave do que o que dana apenas uma parte dela. Qualquer analfabeto compreende que o que é mais básico e geral deve ser preservado com mais carinho do que aquilo que é periférico e particular.

As virtudes morais de um povo podem ser arranhadas aqui ou ali pelo descumprimento de regras específicas. Mas se a percepção dos princípios gerais é embotada, não é uma ou outra virtude que cai: é a possibilidade mesma de distinguir entre a virtude e o vício. É nesse preciso instante que o discurso de acusação moral se transforma na caça oportunista aos bodes expiatórios. Tão confundido e atordoado pelos moralistas de ocasião tem sido o povo brasileiro, que já começa a aceitar como normais e louváveis a delação de parentes, o grampo generalizado e a nova escala de valores na qual surrupiar um dinheiro do Estado é mais criminoso do que matar, estuprar, vender tóxicos para crianças. Crenças como essas destroem, na base, qualquer ordem possível e alimentam ad infinitum a criminalidade.

Não foi só a "ética". Iguais reciclagens sofreram as noções de caridade, de paz, de direito, de história. Todas as palavras que expressam as aspirações mais altas foram prostituídas, rebaixadas, moídas na máquina do oportunismo. E a aliança do banqueiro com o assassino brilha no altar da "solidariedade".

A destruição da lingugem precede o embotamento das consciências. Para elevar a moralidade de um povo é preciso aguçar o seu senso dos valores, não embotá-lo. Quem, a pretexto de punir políticos corruptos, destrói as bases mesmas da moral pública, ou é um idiota irrecuperável ou tem uma agenda secreta. A diferença é que a idiotice sente alguma vergonha de si mesma; a ambição política, não.

***

Quando me pergunto como a geração atualmente no poder – a minha geração – pôde se sujar tanto, a pergunta automaticamente se inverte: Como ela poderia permanecer limpa, se entrou no cenário desprovida de qualquer crença positiva, e confiante apenas no maquiavelismo da ação política? Sim, os jovens letrados dos anos 60 não acreditavam em nada, exceto em tomar o poder. Riam de Deus, do bem, da moralidade, prosternavam-se de adoração ante os mais mínimos desejos e caprichos de suas almas egoístas, embelezados por uma moral ad hoc fornecida por charlatães franceses e americanos. Eram cínicos, perversos, aproveitadores ingratos, exploradores de seus pais. Cada um deles, quando dava uma transada ou fumava um baseado, se acreditava merecedor da gratidão da humanidade: estava fazendo a revolução, pombas!

Hoje essa gente tem o poder e refaz o Brasil à sua imagem e semelhança. Por isto, em quinhentos anos de História, nunca estivemos tão baixo.

Olavo de Carvalho
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« Responder #5 em: Novembro 21, 2004, 10:48:07 pm »
Isto assenta como uma luva em Portugal !

Realmente brasileiros e portugueses são muito parecidos !
 

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« Responder #6 em: Novembro 21, 2004, 11:18:20 pm »
Apenas duas informações:

1ª - O autor da reportagem é o já bastante conhecido Larry Rohter, do NYT, ou seja, qualquer reportagem desse senhor deve ser vista com alguma reserva.

2ª - o citado "filósofo(?) brasileiro", Sr. Olavo de Carvalho, não passa de um idiota de extrema direita, cuja paranóia está sempre a procurar comunistas debaixo de cada pedra ou atrás de cada porta.
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« Responder #7 em: Novembro 22, 2004, 09:28:43 am »
Confesso que gostei do texto.
Entre marxismo e senhores de avental preferirei o V Império.

Mas eu também sempre fui acusado de ser um idiota da extrema direita!
Um verdadeiro "porco fáaaacista".  :wink:
O problema maior estará são dos "outros internacionalistas": os de Roma e os de avantal...
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« Responder #8 em: Novembro 22, 2004, 01:35:56 pm »
Citação de: "Luso"
Confesso que gostei do texto.
Entre marxismo e senhores de avental preferirei o V Império.

Mas eu também sempre fui acusado de ser um idiota da extrema direita!
Um verdadeiro "porco fáaaacista".  :wink:
O problema maior estará são dos "outros internacionalistas": os de Roma e os de avantal...


Prezado Luso,

Jamais tive a intenção de chamá-lo de idiota ou de porco facista. Se por acaso isso transpareceu no meu texto peço sinceras desculpas a você. :(

O que eu quis dizer é que depois da derrubada do muro de Berlim não existe mais esse negócio de "conspiração comunista", pois uma das suas conseqüências foi a derrocada do comunismo no mundo (Exceção: China, Cuba e Coréia do Norte).

Um grande abraço.
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« Responder #9 em: Novembro 22, 2004, 01:55:43 pm »
Paisano, não se preocupe que eu sei que não me quis ofender!  :G-beer2:

"O que eu quis dizer é que depois da derrubada do muro de Berlim não existe mais esse negócio de "conspiração comunista", pois uma das suas conseqüências foi a derrocada do comunismo no mundo".

Pode não haver conspiração, é verdade, mas os loucos e demagogos (as senhoras de ambos os sexos) ainda andam por aí a infectar almas mais frágeis com os seus delírios e a causar prejuízos. Raça fraca!
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« Responder #10 em: Novembro 24, 2004, 10:45:57 pm »
Não é bem assim....Em tudo o que eu lí deste sr. nunca vi ele a defender nenhuma ideologia política de extrema-direita. Tb não acho que ele seja nenhum idiota, longe disso, parece-me ser alguém bastante erudito, independente do facto de ser um académico

Em relação às critícas ao esquerdistas Brasileiros, bom, ele mesmo admite que durante 20 anos fez parte do partido comunista, e por ter um conhecimento aprofundado de movimentos de esquerda, é por isso que ele é tão anti-comunismo/esquerdismo.

Em geral, a percepção que tenho, nas critícas que ele tece aos esquerdistas Brasileiros, é que os acha ignorantes e meros seguidores ideológicos(e incapazes de pensar independentemente), de um pensamento que não serve aos interesses do Brasil, mas que serve perfeitamente aos objectivos dos países rivaís do Brasil.
"Esta é a ditosa pátria minha amada."