Desfazendo alguns mitos que andam em muitas cabeças e em muitas páginas de jornal e da net. Década perdida?Os dados recentes apontam para que em 2009 Portugal deva convergir com os países da União Europeia (UE). Nada de novo! Entre 2004 e 2008 Portugal já convergiu com a UE15 e mesmo, em menor grau, com a UE27, aproximando-se...
Os dados recentes apontam para que em 2009 Portugal deva convergir com os países da União Europeia (UE). Nada de novo! Entre 2004 e 2008 Portugal já convergiu com a UE15 e mesmo, em menor grau, com a UE27, aproximando-se também do Japão e dos EUA.
Estes factos contrariam a ideia tantas vezes repetida de que Portugal está há dez anos a afastar-se cada vez mais dos países mais desenvolvidos da Europa e do Mundo. Uma ideia falsa. Na última década houve convergência entre Portugal e os países mais desenvolvidos (UE15, EUA e Japão), mesmo se esta foi muito mais moderada do que na década anterior - em especial do que no período entre 1986 e 1999.
Nos últimos quatro anos Portugal esteve até entre os cinco países da UE15 que apresentaram uma evolução mais favorável do rendimento "per capita". Considerando toda a década de 1998 a 2008 verificamos que Portugal esteve a meio da tabela da UE15, com sete países com melhor desempenho e sete com pior. Mais, o rendimento per capita de Portugal não só se aproximou da UE15 (2,6 pontos percentuais) mas também do dos EUA (3,5 pontos) e do Japonês (13,0).
Objectivamente, Portugal está hoje mais próximo da média dos países mais ricos da Europa e do Mundo do que alguma vez esteve na sua história recente (ver gráfico).
Como é que tal é possível num contexto de fraco crescimento económico? A verdade é que a última década não foi brilhante para Portugal, mas também não o foi para a generalidade dos países mais desenvolvidos. Foi a década da afirmação da China e da Índia, e na Europa, da afirmação dos países do alargamento. Mas por que é que Portugal não conseguiu ter um desempenho idêntico ao da década anterior ou ter uma performance semelhante à dos novos países que entraram para a UE?
Nos últimos 10 anos os países do alargamento tiveram um choque externo positivo semelhante ao verificado em Portugal quando o País entrou na CEE, enquanto Portugal foi afectado por dois choques externos negativos - a liberalização das trocas entre a UE e Ásia e o próprio alargamento. Choques a que se somou uma situação interna pouco favorável. Muitos já salientaram a responsabilidade do endividamento e do desequilíbrio das contas públicas para a desaceleração depois de 2000, mas eventualmente, os choques externos tiveram um efeito ainda maior no travar do crescimento da economia portuguesa.
O choque da emergência dos países asiáticos, cujas exportações para a UE cresceram exponencialmente, teve um efeito brutal nas exportações tradicionais de Portugal. O choque do alargamento desviou muito do investimento estrangeiro (IDE) que antes estava a ser direccionado para o Sul da Europa.
É importante notar que as exportações chinesas de produtos intensivos em mão-de-obra barata concorrem muito mais com as tradicionais exportações portuguesas do que com as francesas, alemãs ou suecas. Além disso, o Leste absorveu mais o tipo de investimentos que viriam para Portugal do que os destinados à Finlândia, Áustria ou à Dinamarca. Estes dois choques colocaram mais em cheque a competitividade portuguesa do que a dos países desenvolvidos (da UE-15). No entanto, Portugal aproximou-se da média da UE15 e nos últimos quatro anos mesmo da média da UE27, crescendo mais que a França, Alemanha, Áustria, Dinamarca, e muito mais que a Itália - país a que por vezes o nosso desempenho é comparado -, que na última década caiu 13 pontos face à média da UE15, enquanto Portugal avançou 2,6 - ver quadros.
O que é que estes dados nos dizem sobre a situação do País? Dizem pelo menos que as análises catastrofistas, baseadas na premissa de que o País está a andar para trás face aos países mais desenvolvidos, são no mínimo muito exageradas. O desempenho de Portugal, sendo mau, conseguiu garantir convergência.
Como? Nesta década Portugal alterou radicalmente a estrutura das exportações e evoluiu para sectores e produtos de maior sofisticação e qualidade. A qualificação dos trabalhadores também melhorou significativamente. Houve um esforço importante para melhorar a eficiência das instituições públicas e diminuir os entraves que estas colocam à actividade económica. Nestes aspectos, os últimos dez anos estiveram longe de ser uma década perdida.
Há ainda muito a fazer em qualquer destas áreas, bem como em outras. No entanto, o progresso, ainda que limitado, permitiu que o País conseguisse manter alguma convergência mesmo numa década tão difícil, que agora se tornou ainda pior. Penso que o continuar destas reformas pode também permitir que a economia portuguesa continue a convergir com a dos países mais ricos na década que se vai seguir à actual crise.
Manuel Caldeira Cabral
Professor do Departamento de Economia, Universidade do Minho
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