Este escrito, na minha opinião, ainda não é o Norte.
É o Nordeste ...
«Pela leitura dos artigos anteriores, fácil é concluir que a situação das Forças Armadas é verdadeiramente paradoxal: uma componente bastante reduzida de praças em regime de voluntariado e contrato, quadros permanentes largamente excedentários relativamente ao quantitativo dos soldados e cabos, dispositivo territorial excessivamente denso remanescente do anterior modelo de conscrição e programas de reequipamento a pensar ainda na guerra-fria. Há situações totalmente anacrónicas, como as manutenções dos comandos das regiões militares – característicos de um sistema de serviço militar obrigatório, com grandes efectivos nas fileiras ou mobilizáveis – reduzidos nas suas competências mas sem alteração na sua orgânica, ou das muitas unidades quase vazias de militares. Algumas outras simplesmente incompreensíveis, como as dos múltiplos e sobredimensionados estados-maiores, ou da existência de mais órgãos superiores de chefia e direcção do período da guerra colonial, que se atropelam nas suas atribuições. Outros, ainda, hoje de todo insustentáveis, como as dos vários estabelecimentos de ensino superior militar ou dos múltiplos serviços de assistência na doença , distintos segundo os ramos das Forças Armadas. Estes e outros muitos exemplos são o produto de lógicas de reorganização militar alimentadas, ao longo de trinta anos, por ideias de autonomia e disputa entre os três ramos das Forças Armadas, tornadas possíveis pela insensibilidade, ignorância ou timidez dos sucessivos governos relativamente às reformas que há muito se impõem. Outro tanto não sucedeu, por exemplo, em Espanha, onde, logo após a transição democrática, o poder político definiu e impôs o seu modelo de reorganização militar, integrando os vários ramos num todo consistente, com grandes economias de escala. O resultado de tudo isto é que, ao contrário do que se tem vindo a afirmar, as Forças Armadas só quase existem na imagem ilusória que delas tem sido passada para a opinião pública. Representação que esconde uma realidade bem diferente, que só ocasionalmente se torna perceptível, quando se trata de intervir no externamente – como no caso recente da insignificante força, mal armada e equipada, destacada para o Afeganistão – ou se torna imperioso o seu apoio à protecção civil – como sucedeu na última época de incêndios florestais, em que as Forças Armadas primaram pela quase ausência. O País não tem recursos económicos para malbaratar à mercê de decisões casuísticas de sucessivos governos, nem para desbaratar no arrastamento de situações do passado pela resistência corporativa dos militares. E Portugal não necessita de Forças Armadas para se confrontarem ao serviço da actual superpotência mundial, ou de uma segunda no futuro, mas para colaborarem em acções de segurança, humanitárias e de paz no quadro de legitimidade internacional e, com idêntico empenho, em tarefas nacionais de interesse público. Os próprios militares acabarão por compreender que só terão a ganhar com uma nova moldura institucional que reforce a sua legitimidade social e o seu prestígio nacional. É tempo de pôr termo a mais adiamentos, de acabar com promessas inconsequentes e de concretizar, finalmente, a reorganização das Forças Armadas que o País há muito necessita e que realisticamente pode sustentar. Mas não se espere que sejam os militares a propô-lo. É que, como escreveu Eduardo Lourenço, em “Os Militares e o Poder”, “esta antiquíssima e temerosa instituição amassada no culto de valores formais é de tal natureza que a sua essência parece consistir sobretudo na recusa profunda e sistemática de se pensar”. Haja quem o faça por eles!»...
In Jornal do Fundão 16/09 Monteiro Valente (Major-General)