Tomsk:
Não sei se viveu ou não os tempos de Salazar, espero sinceramente que não. E não o digo por causa das ideia que professa, digo-o porque se não viveu aqueles tempos e escreve o que escreve isso pode consistir em má informação ou escolhas políticas erradas, embora legitimas.
Agora se é contemporaneo daquela época e escreve o que escreve isso é muito mais grave, porque representa adulterar a realidade, deturpar a memória e em última análise desrespeitar todos aqueles que, e foram milhões, suspiraram de alívio quando o regime se finou.
Respondendo em concreto às questões que enuncia no seu post, começarei pelo fim.
É longa a lista de personalidades que cita e muitas delas de indiscutível mérito nas suas áreas de intervenção. É também sintomático que atribua ao regime da altura e não a cada uma dessas pessoas o mérito da sua actividade. Quero dizer-lhe que aquelas pessoas chegaram onde chegaram por mérito e esforço próprio, devido ao seu próprio valor e não a um qualquer Salazar. Também poderemos dizer que foi "apesar" do Salazar. Será que os investigadores, artistas, técnicos que hoje desenvolvem trabalhos de mérito, devem atribuir o seu sucesso ao Engº Sócrates ou ao Dr. Cavaco Silva? Certamente acha a ideia absurda não é assim? Pois é exactamente igual ao que escreveu.
A grandiosa exposição do Mundo Português. Pois é, pena foi que o mundo português tenha sido alienado por uma política colonial absurda, desfasada no tempo, que nos deixou "orgulhosamente sós", ou seja, do seu ponto de vista e daqueles que o partilham, "a ter razão contra o mundo todo". O mais grave contudo é que tal política não soube defender os interesses de Portugal. Essa política consistia na falácia de "Portugal do Minho a Timor". Ora tal princípio para além de ser falso do ponto de vista sociológico e indefensável do ponto de vista estratégico, é tambem um embuste político e cultural porque não traduz a vontade das populações que supostamente nele se deviam rever.
E já não vou falar aqui do óbvio, ou seja que os "portugueses" angolanos, os "portugueses" moçambicanos, os "portugueses" caboverdeanos, não querem de facto ser portugueses. Falo acima de tudo do facto dos portugueses do Minho ao Algarve, aos Açores e à Madeira, também não aceitarem aquela ideia de Portugal, não se reverem nela. Nem naquela altura, anos de 1960 nem hoje, nem nunca! Ou seja antes de serem "os de lá" que não quiseram nem querem um Portugal do Minho a Timor, são "os de cá" que nunca o quiseram nem querem. E muito menos se isso implicar guerras, ditaduras, prisões. Se ainda não percebeu isto lamento.
Agora vamos falar de algo verdadeiramente triste. Diz você que no tempo de Salazar deixaram de haver filas de pobres? E que já não pediam nas romarias? Acho que aqui você superou-se. Portugal era um país paupérrimo, incapaz de garantir sustento para centenas de milhares de cidadãos que tiveram de emigrar. Já disse e volto a dizer que às portas de Lisboa havia em meados da década de 1960, bairros inteiros em que as crianças andavam seminuas e descalças. Os bairros de lata eram gigantescos, a habitação social era praticamente inexistente. Tinha havido umas iniciativas na década de 1950, mas pouca coisa e logo terminaram. A mendicidade era endémica nas maiores cidades, Lisboa e Porto, onde havia milhares de pessoas a mendigar nas ruas e porta a porta.
Mas não só, a corrupção era também endémica. Os bairros clandestinos cresciam como cogumelos sob o olhar cúmplice das camaras municipais onde a corrupção era lei. Estamos a falar do tempo das Brandoas, dos Vales de Cambra, dos Camarates e de muitos outros, onde se amontoava a classe média, se é que assim se pode dizer, daquela época.
Você fala em grandes obras públicas e estradas. Quanto às estradas só pode ser gozação não é? Na década de 1960 o país praticamente não tinha vias de comunicação. O transporete ferroviario era lentíssimo e degradado. As estradas na sua maioria eram um somatório de buracos, auto estradas não havia. E atenção estamos a falar num tempo em que na europa já havia optimos comboios, excelentes estradas e grandes redes de auto estradas.
Contudo algumas iniciativas do regime tiveram o seu mérito. O programa de constução de barragens e de escolas foi sem dúvida positivo. Quanto aos hospitais já não partilho da sua opinião, porque se alguns foram construídos, muitos mais foram aqueles que o deveriam ter sido.
Quanto ao escudo estar sobrevalorizado. Esse é mais um mito do regime. O escudo não era uma moeda livremente convertivel. A taxa de câmbio era manipulada administrativamente. O escudo era uma moeda sem qualquer expressão no mercado internacional, os portugueses não tinham qualquer poder de compra e assim era fácil ao governo manipular e manter uma taxa de câmbio artificialmente alta.
Reafirmo que Salazar foi um ditador criminoso, porque mandou cometer crimes e deles tirou benefício, retrógado porque sempre obstaculizou qualquer ideia de mudança, e pouco esclarecido porque não tinha qualquer ideia viável para o futuro do país.
Mas para além dos aspectos económico, financeiro, social ou cultural, há uma coisa que pesará sempre sobre o regime salazarista. A ditadura, a falta de liberdade, o desrespeito pelos cidadãos.
Tenho para mim que quem não respeita a liberdade dos outros não está apenas a faltar ao respeito àqueles, mas falta também ao respeito a si próprio.
Se ainda vivessemos no tempo do seu patrono não estariamos aqui a ter este debate. Você talvez, mas eu não estaria certamente aqui a escrever este post. Hoje você e eu podemos estar aqui a expor as nossas ideias, e essa é a grande diferença. Não é difícil de entender pois não?