Missão Vietnam em Brasília

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Paisano

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Missão Vietnam em Brasília
« em: Fevereiro 13, 2005, 05:01:03 pm »
EX-EMBAIXADOR REVELA BASTIDORES DO DIA EM QUE OS ESTADOS UNIDOS CHAMARAM O BRASIL PARA ENTRAR NA GUERRA DO VIETNAM

Fonte: http://www.geneton.com.br

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Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil durante o golpe militar de 1964, guardou segredo, até esta semana, sobre os bastidores do dia em que o governo americano tentou fazer com que o Brasil participasse da Guerra do Vietnam.

“Não contei esta história no meu livro”, diz Gordon, autor do recém-lançado “A Segunda Chance do Brasil a Caminho do Primeiro Mundo”. Ao final de um depoimento gravado durante três horas ininterruptas no quarto 904 do Hotel Glória, no Rio, o ex-embaixador revelou detalhes inéditos sobre o dia em que entrou no Palácio do Planalto, em nome do presidente Lyndon Johnson, para pedir ao marechal Castelo Branco que o Brasil se engajasse numa guerra no sudeste asiático. Lincoln Gordon volta esta noite aos Estados Unidos, depois de cumprir um périplo por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife.

“Eu tive de manter segredo sobre o assunto na época” – explica Gordon. “Se o que aconteceu fosse divulgado, poderia criar um problema – mais sério para o Brasil do que para os Estados Unidos. O caso seria politicamente ruim para os dois países”.

Aos 89 anos de idade, este ex-professor de Economia da Universidade de Harvard e ex-subsecretário de Estado para Assuntos Latino-Americanos parece disposto a comprar uma briga com historiadores que, segundo ele, estão traçando um retrato distorcido sobre a postura que Castelo Branco – o primeiro presidente do regime militar - assumia diante dos Estados Unidos. O ex-embaixador diz que o fracasso da tentativa americana de atrair o Brasil para a guerra do Vietnam é uma prova de que os militares que assumiram o poder no Brasil não recebiam ordens dos Estados Unidos:

- Textos históricos esquerdistas ou anti-americanos descrevem Castelo Branco como se ele vivesse dizendo “sim, senhor”, “sim, senhor” e “sim, senhor” aos Estados Unidos. Um exemplo sempre citado é a concordância do Brasil em enviar militares brasileiros para participar da intervenção na República Dominicana, em 1965. Mas o que aconteceu em relação à Guerra do Vietnam é um exemplo de que Castelo Branco não era uma mera marionete dos Estados Unidos! Agora, estou pronto a divulgar detalhes a respeito do caso, como uma demonstração de como Castelo Branco governava – avalia Gordon, no depoimento gravado.

Autor de “Presença dos Estados Unidos no Brasil” e “O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil”, o historiador Moniz Bandeira contesta os argumentos de Gordon:

- O marechal Castelo Branco sempre foi considerado, sim, um títere dos Estados Unidos, não apenas por historiadores brasileiros, mas também por historiadores estrangeiros, como Ruth Leacock, autor de “Requiem for Revolution” ou Jan Black – que chegou a dizer que Castelo Branco proclamou a dependência do Brasil. O que Lincoln Gordon quer fazer agora é embelezar o golpe, é fazer maquiagem de 1964.

O ex-embaixador diz que o apelo para que o Brasil participasse da intervenção militar na República Dominicana foi feito a Castelo Branco pelo emissário do presidente Lyndon Johnson – o ex-ministro Averell Harriman, numa audiência testemunhada também pelo então ministro das relações exteriores brasileiro, Vasco Leitão da Cunha:

- O ministro nos disse que o envio de tropas brasileiras deveria ser feita dentro de uma ação latino-americana endossada por dois terços dos votos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Castelo Branco nos disse, então, que este detalhe faria uma vasta diferença para o Brasil.

Gordon reconstitui, assim, as palavras que ouviu de Castelo Branco:

- Castelo Branco me disse: “Há quem pense em países vizinhos que assumi o governo ilegalmente – num típico golpe de estado latino-americano. Eu estou tentando restaurar a lei na democracia brasileira. Quero agir da mesma maneira no plano internacional. Então, diga ao Presidente Johnson que entendo o desejo americano, estou pronto a enviar tropas brasileiras para a República Dominicana, mas a decisão deve ser tomada por dois terços dos votos da OEA”.

O sucesso do esforço para envolver o Brasil na intervenção na República Dominicana – onde os Estados Unidos temiam o surgimento de um Estado marxista – abriu caminho para que, meses depois, os americanos jogassem outra cartada: e se o Brasil concordasse em participar da Guerra do Vietnam?

- Recebi um telegrama de Washington dizendo que a Guerra do Vietnam estava se tornando uma preocupação cada vez maior – diz Gordon. A Guerra tinha relação com a nossa moral – inclusive no plano internacional. Víamos o quadro como parte da guerra fria. O Brasil tinha mandado médicos para a Guerra da Coréia. Teve uma participação positiva. Agora, pedia-se algo parecido.

O segredo que o ex-embaixador guardou os termos do diálogo com o presidente brasileiro é compreensível: o episódio é a crônica de um fracasso. Gordon saiu do Palácio de mãos vazias. O ex-embaixador americano diz, hoje, que intimamente tinha dúvidas sobre a conveniência do pedido para que o Brasil se envolvesse no conflito no Vietnam:

- Eu tinha minhas reservas sobre se aquela atitude era a certa. A situação estava instável. Não me agradava a idéia de jogar gasolina na fogueira dos que diziam que o Brasil repetia “sim, senhor” aos pedidos dos Estados Unidos. Antes de ir para a audiência com Castelo Branco, cheguei a enviar um telegrama para Washington em que disse que, no caso brasileiro, não era uma decisão sábia fazer o pedido. Meu conselho não funcionou. O meu governo me mandou tentar. Eu fui. Apresentei o pedido a Castelo Branco o mais gentilmente possível....

Quando desembarcou no Palácio do Planalto, às vésperas do Natal de 1965, o embaixador tinha uma boa notícia a dar e um pedido incômodo a fazer ao presidente brasileiro. A boa notícia: o presidente Johnson autorizara a concessão de um empréstimo de 150 milhões de dólares ao Brasil. O pedido incômodo: diante da decisão de ampliar para 400 mil o número de soldados americanos mobilizados na “defesa do Vietnam do Sul” contra os comunistas do Vietnam do Norte, o governo Johnson queria saber se poderia contar com a ajuda do Brasil no esforço de guerra no sudeste asiático.

Depois de ouvir as explicações do embaixador americano, o presidente brasileiro avaliou a repercussão que o engajamento brasileiro no Vietnam teria no país:

- Castelo Branco me disse que, no caso do Vietnam, haveria uma resistência muito maior no Brasil. A participação não seria aceita rapidamente. Adiante, ele me disse:”Não sei como os meus companheiros de farda se sentirão, mas sei que haverá restrições no meio militar”. O que Castelo Branco fez foi me dizer “não” de uma forma gentil. Eu disse que a participação brasileira poderia até ser simbólica, porque o uso de tropas exigiria treinamento. Os combates eram travados em condições peculiares no Vietnam – com bombardeios aéreos e operações navais.

O ex-embaixador garante que “o que nós,os Estados Unidos, estávamos tentando era que o chamado mundo livre demonstrasse, o mais amplamente possível,que a operação era legítima”.

Gordon diz que os termos do diálogo com o presidente brasileiro foram preservados como “segredo de Estado”. Os Estados Unidos – obviamente - não tinham o menor interesse em divulgar um pedido que foi recusado pelo Brasil:

- Não queríamos divulgar o pedido, principalmente porque ele foi rejeitado – relata Gordon. Eu bem que tinha dito antes que seria melhor não fazer este pedido ao governo brasileiro. Mas fiz – de qualquer maneira. Previ que seria difícil. O pedido foi recusado. Quando mandei um novo relatório a Washington, não escrevi nada na linha do “eu não disse?”. Mas Washington viu que a previsão que eu tinha feito estava certa. Os Estados Unidos desistiram.

A divulgação das circunstâncias em que se deu a recusa poderia provocar reações pouco simpáticas ao Brasil entre representantes da chamada “linha-dura” americana. Não se deve esquecer que, nas eleições de 1962, conforme cifras citadas pelo embaixador, a CIA tinha derramado no Brasil “cinco milhões de dólares” para ajudar a eleger deputados, senadores e governadores hostis a João Goulart.O próprio Lincoln Gordon se declara autor da idéia de mobilizar uma frota que se dirigiria ao Brasil para abastecer, com armas e petróleo, facções anti-Goulart, em caso de uma guerra civil. Por sugestão dos adidos militares da embaixada, um submarino seria despachado para o litoral de São Paulo, com armas que seriam entregues de mão beijada aos conspiradores que queriam ver Goulart no olho da rua. Não houve necessidade de deflagrar a operação.O submarino nem chegou a ser mobilizado. Quando os militares se instalaram no Poder, o socorro financeiro ao País não tardou a chegar. Os Estados Unidos tinham boas razões para se sentir credores de gestos de simpatia do novo regime.

Gordon se esforçou na época para evitar que o gesto de Castelo Branco recebesse uma indesejada publicidade, porque poderia criar embaraços políticos:

- Se o que aconteceu fosse divulgado, a “linha-dura” americana poderia dizer: “Meu Deus, estamos dando toda a ajuda ao Brasil. E eles não podem enviar nem ao menos médicos para o Vietnam?”.
As pessoas te pesam? Não as carregue nos ombros. Leva-as no coração. (Dom Hélder Câmara)
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