Artigo de Luis Nazaré do "Canal de Negócios".
Ó mar salgado!
«?Quanto do teu capital / Está a leste de Portugal!». Desconhece-se o autor desta provocação poético-mercantil, mas pressente- se o seu desencanto com a veia marítima lusitana.
O mar cantado por Camões, esse mar global que há quatrocentos anos era nosso, fonte de vantagens comerciais e estratégicas inestimáveis, hoje só nos serve como atributo balnear.
Falhos de iniciativa e de política, assistimos placidamente à destruição da frota pesqueira, à extinção do sector nacional dos transportes marítimos, à transformação dos nossos portos em apeadeiros terceiro-mundistas onde as leis da concorrência e as directivas comunitárias não se aplicam, ao desmantelamento arbitrário das instituições públicas.
Alguém falou em vocação oceânica, posição geo-estratégica, cluster do mar? A indústria da pesca, sabemo-lo amargamente, está confinada a pouco mais que às traineiras e às artes de costa que, no Verão, deliciam as grelhas das bolsas abastadas, portuguesas e estrangeiras.
Nós, os maiores consumidores per capita de peixe na União Europeia (a milhas do segundo, a Dinamarca, e do terceiro, a Espanha), depositários de uma tradição e de uma curva de experiência seculares na faina distante, donos (embora efémeros) de domínios marítimos invejáveis, deixámo-nos reduzir alegremente a uma condição económica menor, sem estratégia, sem ambição, sem rumo.
Os dedos de uma mão sobejam para contar o número de bacalhoeiros portugueses ainda activos na captura, em benefício de noruegueses, russos, islandeses e outras almas para quem o bacalhau diz tanto como o arenque para um alentejano.
Enquanto os galegos e os bascos prosperam na pesca longínqua, a nossa frota definha e os mares lusos são devastados por arrastões industriais de pavilhão estrangeiro.
As redes de comercialização e a indústria transformadora fogem-nos das mãos, os antigos armadores encaixam maquias obscenas da União Europeia para desmantelarem as embarcações e os próprios pescadores parecem ter encontrado o seu consolo entre o Fundo de Desemprego e as novas actividades da economia informal.
Deliciemo-nos com a sardinha, enquanto dura. No sector dos transportes marítimos, o cenário é dramático.
Apesar de o mercado internacional ter vindo a registar um crescimento apreciável e de as suas perspectivas de desenvolvimento serem francamente promissoras, a estratégia dos agentes económicos nacionais é a retirada.
O grupo Mello prepara-se para vender os navios da Soponata, entregando-os, sem rebuços morais, a um qualquer operador internacional. A Galp alegrará os seus accionistas com o spin-off da maltratada Sacor Marítima, cujo destino final parece estar reservado a mãos espanholas.
O grupo Tertir alegará ter sido desfavorecido no jogo das concessões portuárias, afagando a imagem e a consciência, antes de se entregar voluptuosamente ao mercado. Dentro de cinco anos, pouco ou nada restará em mãos portuguesas.
Igualmente confrangedora é a ausência de linhas directrizes na gestão da matriz portuária nacional.
Indiferente aos destinos da fileira do mar e das plataformas logísticas inter-modais enquanto factores de competitividade estrutural, a governação revela-se incapaz de fazer escolhas e de definir o espaço de intervenção pública que nos resta.
De uma vez por todas, há que optar entre o modelo da complementaridade e o da concorrencialidade entre os portos nacionais. Há que dotar o sector de uma regulação séria e isenta, onde os actuais conflitos de interesses sejam eliminados e a concorrência intra-portuária assegurada.
Há que corrigir a peregrina decisão de concentrar num único órgão as funções de regulador - marítimo e portuário -, operador e gestor da navegabilidade do Douro (!).
Há que exigir mais trabalho emenos fogo-de-artifício à Autoridade da Concorrência, face à flagrante situação de monopólio existente nos nossos principais portos.
Há que saber o que faz e para que serve a Comissão de Estratégia para os Oceanos (até parece, mas não é um grupo de reflexão criado pelo governo socialista), donde se aguarda ansiosamente a «visão estratégica ligada à economia do mar, incluindo a marinha de comércio, os portos e os estaleiros navais», prometida para o final do ano passado.
Receio que já não vá a tempo.
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Pois é, viva o desgoverno! Para onde caminha este país, para onde....