notícia completa do CM.
http://www.correiodamanha.pt/noticia.as ... al=181&p=02006-09-28 - 13:00:00
Marinha de guerra - negócios sob suspeita
Oficiais e sargento detidos por corrupção
A Polícia Judiciária – numa operação de grande envergadura em que participaram 70 inspectores, nove procuradores do Ministério Público e um juiz de instrução criminal – deteve ontem de manhã dois oficiais superiores e um sargento da Marinha de Guerra suspeitos de corrupção em contratos celebrados com uma empresa privada para a manutenção dos mísseis que equipam a três fragatas da classe ‘Vasco da Gama’.
Estão sob suspeita os contratos entre a Armada e uma empresa privada para manutenção dos mísseis ‘Harpoon’ e ‘Seasparrow’ que equipam as três fragatas da classe ‘Vasco da Gama’, conhecidas como ‘Meko’. Os três militares detidos são suspeitos de favorecerem a empresa a troco de ‘luvas’. As investigações continuam
Os oficiais detidos são os capitães-de-fragata F.L., colocado nos Estaleiros do Alfeite, na Margem Sul do Tejo, e D. V., que prestava serviço na Direcção-Geral de Navios, no edifício do Estado-Maior da Armada, na Praça do Comércio, em Lisboa.
O sargento detido, cuja identificação o Correio da Manhã não conseguiu apurar com segurança, pertencia à Direcção de Abastecimentos, na Praça do Comércio. Esta operação foi levada a cabo pelo departamento da Polícia Judiciária que combate a corrupção e crimes económicos na sequência de investigações desencadeadas há cerca de um mês.
No início deste ano, segundo diversas fontes judiciais ontem contactadas pelo CM, chegaram várias denúncias anónimas à Procuradoria-Geral da Repú- blica sobre corrupção em vários contratos firmados por serviços das Forças Armadas com empresas privadas. As denúncias (todas anónimas – mas, segundo as nossas fontes, “recheadas de pormenores reveladores”) foram remetidas ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP), coordenado pela procuradora Francisca van Dunen, que mandou a Polícia Judiciária investigar.
Os três militares foram detidos em casa ontem de manhã – enquanto outras equipas da Polícia Judiciária lançaram buscas simultâneas nos serviços da Marinha de Guerra onde eles prestavam serviço e que se prolongaram até final da tarde. As buscas na Direcção-Geral de Navios, onde estava colocado o capitão-de-fragata D.V., foram acompanhadas por um juiz de instrução criminal pela razão de que ali estão depositadas informações classificadas.
De acordo com fontes judiciais, os militares são suspeitos de favorecem uma empresa, a troco de ‘luvas’, para a manutenção periódica dos mísseis ‘Harpoon’ e ‘Seasparrow’ que equipam as fragatas ‘Mekko’.
Os militares suspeitos ficaram detidos na Base Naval do Alfeite. Hoje serão interrogados no Tribunal de Instrução Criminal e o juiz há-se decidir se aguardam em liberdade ou em prisão preventiva a conclusão do processo.
EMPRESÁRIOS ENVOLVIDOS NO CASO
Além dos três militares foram ainda detidos nesta operação dois empresários: o português C. C. e um estrangeiro, que tinha uma brigada da PJ à espera, ontem de manhã, no Aeroporto de Lisboa. Estes dois empresários, que dormiram de ontem para hoje no estabelecimento prisional junto da Polícia Judiciária, estão ligados ao ramo do armamento.
De acordo com uma fonte judicial, a operação foi precipitada pela chegada do estrangeiro a Lisboa – que tinha encontro marcado com os dois capitães-de-fragata. Os empresários são suspeitos de corrupção activa (corruptores) e os militares de corrupção passiva (corrompidos).
A PROCURADORA QUE MANDA NO DIAP
A directora do Departamento de Investigação e Acção Penal, Francisca van Dunen, nasceu em Luanda numa família tradicional. Teve uma juventude marcada pela guerra e chegou a Portugal em 1977 com um sobrinho nos braços. Um dos irmãos, José van Dunen, e a cunhada, Cita Valles, foram presos nesse ano, na sequência de uma tentativa de golpe de Estado desencadeada por Nito Alves contra Agostinho Neto, e assassinados na cadeia. Aos 20 anos, Francisca desembarcou em Lisboa com os pais, assumindo a educação do sobrinho. Licenciou-se em Direito e, passados poucos anos, já era assessora na PGR.
PERFIL
Francisca Van Dunen, procuradora do Ministério Público, dirige as investigações aos negócios suspeitos entre diversos serviços militares e empresas privadas de armamento.
OS 'ASES' DO ARSENAL
Os mísseis Nato ‘Seasparrow RIM-7’ e ‘RGM-84D Harpoon’ podem ser considerados os ‘ases’ do arsenal da Armada. São os dois sistemas mais importantes das três fragatas Meko 200PN classe ‘Vasco da Gama’, os únicos meios navais que ainda podem ser considerados modernos. O ‘Seasparrow’ é um míssil de defesa aérea de curto alcance – permite à fragata reagir rapidamente perante a aproximação de ameaças aéreas (aviões ou ‘helis’), podendo ser usado com limites contra mísseis antinavio.
O alcance é de 15 km, viaja a 4256 km/h e cada fragata tem oito. O ‘Harpoon’ é um míssil antinavio com 120 km de alcance e resistente a contra-medidas electrónicas, capaz de descrever uma rota indirecta para o alvo. Viaja a 1000 km/h e cada fragata tem oito destes mísseis (também usados pelos aviões P3 da Força Aérea).
REACÇÕES
MINISTÉRIO DA DEFESA
Fonte do Ministério da Defesa, contactado pelo C M, optou por não fazer qualquer comentário às suspeitas de corrupção que envolvem três militares e dois civis na Marinha. “Não comentamos. O processo está sob investigação”, disse.
ESTADO-MAIOR DA ARMADA
“A Marinha presume a inocência dos seus militares até que se prove a sua culpa. Neste momento estamos a colaborar com a Polícia Judiciária na investigação deste caso”, afirmou ao CM o porta-voz do Chefe de Estado-Maior da Armada, comandante Fernando Braz de Oliveira.
PORMENORES
MÍSSEIS
Os três militares detidos são suspeitos de favorecimento de uma empresa privada na manutenção dos mísseis ‘Harpoon’ e ‘Seasparrow’. Algumas peças destas armas, como sensores, têm prazos de validade apertados e devem ser substituídas periodicamente.
DINHEIRO
Um dos componentes dos mísseis que tem de ser substituído é o combustível. É fabricado à base de nitroglicerina. De quatro em quatro meses, segundo uma fonte da Armada, os depósitos dos mísseis em paiol levam combustível novo. É uma operação perigosa e, por isso, cara.
ESCUTAS
A investigação deste caso envolveu escutas telefónicas aos suspeitos – e foi assim que a Polícia Judiciária ficou a saber que o empresário estrangeiro chegava ontem a Lisboa para uma ‘reunião de negócios’ com os capitães-de-fragata detidos.
DOCUMENTOS
Nas buscas efectuadas em casa dos três militares e nos departamentos da Marinha de Guerra onde prestavam serviço, a Polícia Judiciária apreendeu documentos em papel e vários registos informáticos.
JUSTIÇA
O antigo Código de Justiça Militar não teria permitido que os dois oficiais e o sargento da Armada fossem investigados e detidos pela Polícia Judiciária – apenas pela Polícia Judiciária Militar. Hoje, os militares estão sob a alçada da lei geral, excepto nos crimes de natureza estritamente militar.
PRIVILÉGIOS
Os militares a contas com a Justiça civil gozam apenas de um privilégio: têm o direito de recolher a um presídio militar sempre que sejam sujeitos a prisão preventiva ou a pena de cadeia efectiva.
TRIBUNAL
Os dois capitães-de-fragata, o sargento e os dois empresários são hoje interrogados por um juiz no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
Manuel Catarino com J. G. /S.A.V