Que se passa no Irão ??
Alexandre Reis Rodrigues
As opiniões dividem-se entre os que pensam que a actual crise no Irão é essencialmente uma luta pelo poder entre os candidatos às últimas eleições presidenciais e os que a encaram como uma contestação ao regime introduzido pela Revolução Islâmica de Khomenei em 1979.
Depois de uma disputada campanha eleitoral, cheia de trocas de acusações frequentemente graves, os observadores que subscrevem a primeira tese vêm a situação como uma luta de sobrevivência política dos que ficaram fora do círculo do Grande Ayatollah e do Presidente eleito, ao atribuírem a fraude o terem perdido as eleições. Calculam, esses observadores, que os que continuam no poder não farão qualquer concessão que abale mais a sua posição enquanto os perdedores se esforçarão por consolidar uma base de apoio que os proteja das retaliações que virão a seguir.
Existe um sector da sociedade civil, principalmente nos centros urbanos e entre os jovens, que exige mudanças, que quer um regime mais liberal, um relacionamento normal com o Ocidente e, sobretudo, mais e melhores oportunidades de vida, principalmente diminuição do desemprego (a taxa actual anda à volta dos 14%). As mulheres têm desempenhado também um importante papel nesta dinâmica mas os factos não mostram outros sectores da sociedade a aderir aos descontentes nem as manifestações a alastrarem por todo o país, o que seria indispensável para caracterizar esta movimentação como uma revolução; a “Revolução Verde” que alguns gostariam de ver suceder-se às Revoluções Rosa e Laranja na Geórgia e Ucrânia vai ficar adiada.
Em qualquer caso, o peso eleitoral dos apoiantes de Moussavi, o principal candidato derrotado, mesmo sem as fraudes que o Council of Guardians reconhece terem afectado três milhões de votos, espalhados por 50 cidades, não chegaria, diz a maioria dos observadores, para determinar outro desfecho eleitoral. É neste argumento que Khamenei baseia a sua decisão de recusar a repetição do acto eleitoral; considera que novas eleições seria uma “perda de tempo” porque não se verificou qualquer “major fraud”.
O interessante é que também não se fala em responsáveis por tão grande irregularidade; também será perda de tempo levar a investigação até à identificação das medidas necessárias para evitar que a situação se repita e esclarecer o conceito de “major fraud”? E que se anuncie que a situação será corrigida? Agora ficou-se a saber que para além da fragilidade intrínseca do sistema híbrido da democracia iraniana, nem sequer a componente que reclama basear-se no voto popular tem credibilidade.
No entanto, o regime em si próprio, mal grado o movimento popular atrás referido, parece não estar em causa; qualquer das principais figuras nacionais que contestam os resultados e a própria actuação do Presidente no primeiro mandato (Rafsanjani - o 2º homem mais poderoso -, Khatami - antigo presidente -, Larijani - speaker do Parlamento -, Shahroudi - chefe do Judiciário -, etc.) esforçam-se por não mostrar qualquer hostilidade contra os fundamentos e raízes da Revolução Islâmica e da criação da República, em que aliás participaram activamente, preferindo, em alternativa, manobrar nos bastidores. O general Rezaie, que foi comandante do Corpo dos Guardas da Revolução durante 16 anos e também candidato à eleição presidencial, acaba de desistir de continuar a reclamar contra a fraude eleitoral, sob a alegação de que não quer contribuir para a instabilidade no país.
Toda esta situação não representa uma boa notícia para o Ocidente; é como o ruir da esperança de que se possa contar, num futuro próximo, com a possibilidade de manter com o Irão um relacionamento previsível e normal. Nem sequer chega o extremo cuidado com que o Presidente Obama tem lidado com a situação para não dar qualquer oportunidade de o regime iraniano atribuir culpas aos EUA de incitação à violência interna (posição que lhe traz custos políticos internos). As acusações têm aparecido na mesma, porque entre outras razões é preciso alimentar os sentimentos que tornaram o slogan de “morte à América” como o mais popular para os iranianos.
Por quanto tempo mais vai o Irão resistir à pressão da globalização e conseguir conciliar as necessidades de progresso com a manutenção de um isolamento internacional, que tem custos elevados, é a questão que fica em aberto. Para já, o que teremos provavelmente pela frente são mais quatro anos da postura de beligerância permanente a que o Presidente Ahmadinejad já nos vai habituando, mas que nem por isso deixam de representar um risco alto para a paz e estabilidade no mundo.
Jornal Defesa