Artigos de Opinião T/Cor José João Brandão Ferreira

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Artigos de Opinião T/Cor José João Brandão Ferreira
« em: Novembro 01, 2011, 03:16:34 pm »
Caros elementos do fórum, deixo aqui um texto da autoria do T/Cor Brandão Ferreira, a quem desde já agradeço a disponibilidade de colaboração.


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PORTUGAL PRECISA DE FORÇAS ARMADAS?

1/6/11

   Com este título publicou o Coronel David Martelo um extenso e bem articulado artigo, onde analisa a importância das Forças Armadas (FAs) e o modo como são vistas pela Nação, em contraste com a falta de defesa institucional por parte dos órgãos de soberania e demais forças políticas e os maus tratos que, de um modo geral, recebe de comentadores e jornalistas que pontificam nos “média”.
   Escusado seria dizer que o Coronel Martelo tem toda a razão nas explanações que fez. Falta porém perceber e apontar as razões que levaram e levam, a esta inacreditável e irresponsável falta de sintonia entre responsáveis políticos – que se repercute para a opinião pública – e a Instituição Militar (IM) que, aliás, está acima dos políticos e para além dos políticos, pois é, ela própria, uma emanação da Nação. Os políticos passam, vão e vêm, a IM está e fica.
   É sobre estes pontos que nos iremos debruçar, certamente com menor elegância do que o meu camarada Cor. Martelo, neste escrito. Sem embargo, com alguma acutilância.

“Mas, senhor ministro, eu entendo que o meu dever como soldado que me orgulho de ser, consiste precisamente em dizer o que penso, para que ao derrocar-se esta nacionalidade se não diga que tendo uma oportunidade de chamar a atenção do governo para a miséria militar da Nação, eu a deixe escapar por comodismo ou cobardia”.
General Gomes da Costa, no discurso de tomada de posse do Ministro da Guerra, General Vieira da Rocha, em 15 de Agosto de 1925.
   Antes de entrarmos no âmago da situação actual e sua caracterização, é mister fazer um “flash-back”, muito rápido – mas indispensável – à História recente. Os acontecimentos de Abril de 74 são, mais uma vez, o marco referencial.
   Após os fogachos de popularidade relativamente às FAs, surgidos na euforia da Revolução que se seguiu ao Golpe de Estado, rapidamente essa popularidade se exauriu para atingir o grau zero no pino do chamado “verão quente” de 1975. A Honra e o Brio militar andaram pela lama para só começarem a recuperar – felizmente pelo seu próprio pé – com as acções desencadeadas a 25 de Novembro do mesmo ano.
   A caminhada tem sido, desde então, longa, dura e com resultados, em muitos casos, incertos e insuficientes. O golpe de estado de 25 de Abril de 74 efectuado por uma pequena parte dos oficiais do quadro permanente   teve, algo paradoxalmente, resultados muito negativos, para toda a IM.
   De facto, o controle dos acontecimentos foi perdido na própria tarde do dia do golpe. E foi perdido em proveito das numerosas hostes político-partidárias que de imediato pulularam e… para a rua.
   As divisões internas entre os próprios militares, as prisões e os saneamentos arbitrários, bem como a partidarização de muitos, estilhaçaram a coesão do corpo militar.
   Laivos de anarquia e desvario percorreram a IM com o consequente colapso da cadeia hierárquica e da unidade de comando e disciplina que permitiriam aguentar o dispositivo na Metrópole e em África, onde havia cerca de 140.000 homens em pé de guerra. Os resultados são de todos conhecidos e a Instituição Militar ainda não recuperou totalmente dos mesmos e ficou, desde então, mal consigo própria e com a Nação. E esta com aquela.
   A erosão da imagem das FAs perante os cidadãos processou-se a um ritmo alucinante. Apresentamos algumas razões.
   Os militares ficaram de mal com a chamada “Direita”   não por causa do 25 de Abril em si mesmo mas, sobretudo, por causa das consequências do 11 de Março; ficaram de mal com os comunistas e a estrema esquerda por causa do 25 de Novembro e do que se lhe seguiu; ficaram de mal com as forças da “esquerda” e do “centro” por causa do pacto MFA/Partidos e do Conselho da Revolução   e porque, enfim, nesta área militam muitos personagens, nomeadamente intelectuais, que por princípio não gostam das FAs e dos militares; perdeu-se o apoio de vastas camadas da população rural, por causa da “Dinamização Cultural” e da “Reforma Agrária” e das chamadas ocupações selvagens; ganharam a animosidade dos apelidados de “retornados” por causa da Descolonização que os obrigou a perder quase tudo.
   Enfim, por uma causa ou outra, os militares acabaram por ficar mal com praticamente toda a população.
   Convenhamos que dificilmente se conseguiria pior resultado em qualquer parte do Mundo.
   O efeito de tudo isto nos oficiais e sargentos do quadro permanente foi arrasador e só não teve piores consequências devido ao facto da situação catastrófica e vergonhosa em que tinha caído a vivência nos quartéis, ter gerado uma reacção violenta nas fileiras no sentido de repor a normalidade da vida militar logo a seguir ao 25 de Novembro. O afastamento de grande parte dos militares que se tinham revelado agentes subversivos da Instituição, ajudou à recuperação.
   Esta recuperação deu-se com incrível rapidez, apesar da grandiosidade da tarefa. Foi preciso reorganizar tudo, desmobilizar milhares de pessoas, acolher todas as estruturas vindas do Ultramar; reorganizar as finanças e o pessoal; actualizar a doutrina, o dispositivo e o sistema de forças; perspectivar uma participação na NATO, etc.
   O edifício voltou a erguer-se, mas os caboucos não foram significativamente escorados. De certo, voltou a haver disciplina, organização, treino, exercícios; a hierarquia, melhor ou pior, passou a funcionar e todo o mundo passou a andar bem uniformizado e ataviado, etc. O problema é que não se conseguiu restaurar a Ética e Deontologia militares, o espírito de corpo e a camaradagem, nem a confiança na cadeia hierárquica, na sua plenitude. Muitos cursos oriundos das Escolas de Formação Superior Militar continuam “partidos”, tendo-se criado animosidades para toda uma geração e restando ainda contas a ajustar entre muitos. As feridas levam muito tempo a sarar.
                        Mas, a seguir, fez-se uma outra asneira de gravíssimas repercussões: em vez de se tentar separar o trigo do joio, que permitisse salvaguardar a imagem das FAs como instituição fundamental a preservar no futuro, decidiu-se – e aqui as responsabilidades dividem-se entre chefias militares e políticos – meter tudo no mesmo “saco”, promover todo o mundo a coronel ou sargento-chefe e distribuir subsídios a esmo.
   E quando referimos “separar o trigo do joio” não estamos a significar a opção política de cada um, mas sim a diferenciar e julgar, aqueles que se portaram segundo “os ditames da Virtude e da Honra” e os outros.
   Isto calou a contestação, mas não silenciou as críticas, e não resolveu a justiça relativa nem defendeu a dignidade da IM e dos militares: agravou-a, até ver, irreversivelmente.
   As gerações de oficiais que se têm seguido no comando das FAs, desde o “PREC” para cá, foram muito afectadas por todos os eventos. Acreditamos que as realidades vividas lhe possam ter criado eventuais inibições do foro psicológico que se repercutiam obviamente nas atitudes e comportamentos.  
   Atentemos: a totalidade das gerações de oficiais com funções de altos comandos, desde o 25 de Abril até ao presente, foi formada durante a vigência do Estado Novo. Ora isto arrumou-lhes a cabeça de uma certa maneira. Para sobreviverem até hoje foi preciso adaptarem-se de alguma forma às novas realidades. Isto tem custos. Por outro lado, fizeram a guerra de África. Alguns coleccionaram cinco comissões. Isto deixa marcas físicas e morais. Em seguida passaram pela experiência do 25 de Abril, do PREC e da recuperação do mesmo. Foi um período muito difícil e de grande desgaste. Mais tarde tiveram de se adaptar aos novos figurinos políticos e suas consequências nas FAs. Em acumulação, levam mais de 30 anos de propaganda anti-militar   e de convivência e apoio difíceis relativamente aos órgãos de soberania do Estado.
   Ora tudo isto se passou numa mesma geração, ou seja um mesmo indivíduo passou por tudo o que atrás foi descrito.
   Não deve haver paralelo na História de Portugal, salvo talvez no período que vai de 1577 a 1582, e na transição da Monarquia Constitucional para a República.
   Pode compreender-se assim, as razões pelas quais as sucessivas lideranças militares têm tido dificuldades em reunir a estamina, o querer, o saber e as condições suficientes para evitar o plano inclinado no qual a IM veio a descer no conceito público e institucional, não se consegue encontrar consigo própria e vê diminuir a sua prontidão operacional para níveis perigosamente baixos. Diremos mesmo, que há muito se ultrapassaram esses níveis.
   E o que se torna mais desolador e inquietante é que todos os indicadores que se podem recolher da situação política, económica e social que nos envolve, não dão azo a optimismos.
   Dois outros sectores em que a IM ainda não conseguiu acertar o passo, apesar dos esforços feitos, e que a afectam sobremaneira são as relações públicas e, sobretudo, os “Media”. Num mundo dominado pelo audiovisual mais do que pela notícia escrita, as FAs, praticamente não pontificam. Ora quem não aparece nem é notícia, não existe!
   Basta analisar, mesmo pela rama, o que sai a público sobre a IM, relativamente à sua adequação, ao que é verdade, ao que sai distorcido e ao que é calado, para se ter a noção da imensidão de coisas a fazer. Nos últimos 30 anos as FAs têm perdido, praticamente, em todas as frentes. Perderam prestígio ao ponto de quase se ter a noção de que são toleradas como um mal necessário, a eliminar em altura apropriada; sofrem ataques sistemáticos e não se defendem; perdem estatuto, nomeadamente remuneratório, relativamente a outros grupos profissionais tidos por equiparados ou susceptíveis de equivalências, não conseguem atrair os jovens para as suas fileiras. Os seus membros têm sido sistematicamente irradiados de lugares que tradicionalmente ocupavam (ou podiam ocupar), a nível político ou de outros corpos/órgãos do Estado.  Altos responsáveis foram, por vezes, enxovalhados na praça pública sem que ninguém lhes acuda institucionalmente, nem que os próprios se defendam.  
   As FAs têm sido sistematicamente asfixiadas e manietadas no campo financeiro, na gestão do pessoal e em termos legislativos. Todas as “reformas” que se dizem querer fazer, apesar de toda a roupagem com que são envolvidas, apenas têm conseguido (visado) um objectivo: reduzi-las! E reduzi-las à sua expressão mais simples.  
   O corolário de tudo isto (e muito mais haveria a dizer), é terem os militares sido relegados, sucessiva, paulatina e concertadamente, para a prateleira das velharias sem valor.
   No entanto, os militares, quais “vítimas” deles próprios, tentaram optimizar a prontidão operacional dos cada vez menos meios disponíveis (o que já foi um esforço notável), trabalhando muito (embora nem sempre produzindo em conformidade), carregando a cruz da servidão, do exemplo e do espírito de sacrifício, vendo ser alienado parte substancial do património que até à data estava à sua guarda, ultrapassados a maioria das vezes pelos acontecimentos políticos nacionais, deixando que se estabelecesse a dúvida entre a subordinação (legítima) ao poder legalmente instituído e a submissão (inaceitável), foram, os militares, a pouco e pouco, caindo na apatia, na morbidez, na crítica corrosiva, no olhar para o umbigo, no salve-se quem puder… A maioria dos esforços feitos por muitos aos vários escalões de comando perderam-se na máquina trituradora em que se transformou a vida de todos os dias.
   Quem hoje percorrer as fileiras, só ouve falar em esperar pelos incentivos para abandonar o serviço activo, arranjar “part-time” ou tirar cursos. Muitos passaram a trabalhar tipo das nove às cinco. A funcionalização tem crescido exponencialmente e sido fomentada por órgãos do poder político e pela dinâmica das sociedade. Os mais novos desconhecem quase em absoluto as razões e o enquadramento que levou ao actual estado de coisas mas sofrem-lhe as consequências e reagem em conformidade. Isto é, vão na onda e fazem-na crescer.
   As pessoas andam a perder a capacidade de se indignar, e a vontade de lutar e alguns dos que ainda o fazem é por motivos menos nobres, como seja o de ser nomeado para um lugar apetecido ou conseguir uma promoção.
   Com este pano de fundo a tendência algo instalada em toda a cadeia hierárquica, é a de não levantar grandes questões relativamente aos problemas existentes havendo normalmente um “superavit” de ataques aos efeitos em vez das causas. O dilúvio de papel e de informação, as urgências para ontem, ingerências no trabalho dos inferiores e as dissonâncias corporativas, vêm afectar gravemente a vivência da Instituição.
   Há simultaneamente, falta de estímulos e falta de reacção a estímulos.
   Em síntese:
   Desde que entrou em vigor a Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das FAs – que acabou por ser, também, um ajuste de contas com a tutela militar configurada no Conselho da Revolução – as FAs foram sujeitas a sucessivas e continuadas asfixias financeiras, em pessoal e administrativos, resultando numa diminuição de meios sem paralelo em qualquer outro sector do Estado.
   De uma forma geral a actuação política de todos os governos – e que tem colhido uma “estranha” unanimidade em todas as forças político-partidárias – tem visado e conseguido:
•   A submissão da hierarquia militar aos desígnios políticos em vez da correcta subordinação;
•   A saída das chefias militares da tabela salarial das FAs e a sua indexação ao vencimento dos cargos políticos e a ausência de intervenção da IM na escolha dos seus chefes;
•   O ataque sistemático à Condição Militar;
•   O fim do Serviço Militar Obrigatório e a “invenção” do “duplo” voluntariado;
•   A funcionalização dos militares;
•   O fim da Justiça Militar;
•    A degradação da Disciplina Militar;
•   A “civilização” da Instituição;
•   O afastamento dos militares de todos os cargos fora da estrutura militar dos Ramos, EMGFA e órgãos da estrutura militar das Alianças de que Portugal é membro;
•   A degradação contínua dos vencimentos e subsídios associados, face a outros grupos profissionais de referência;
•   A inacreditável falta de defesa institucional, para além das frases de circunstância;
•   A falta de importância e de empenhamento na execução das Leis de Programação Militar;
•   Ingerência do ensino civil no ensino militar, para além do razoável;
•   Invasão de competências por parte de responsáveis políticos civis em áreas que devem estar reservadas a militares;
•   O Estado Português há muito que apenas despende 1,1% do PIB (quando a NATO recomenda um mínimo de 1,3%, e neles ainda inclui a GNR!).
Tudo isto configura uma extensa lista de erros que têm afectado a capacidade operacional, a disciplina e o Moral das FAs e a sua redução a uma dimensão quase simbólica, própria dos Estados Exíguos, designação que o Prof. Adriano Moreira costuma atribuir ao caminho que o nosso País tem percorrido.
Deve ainda referir-se, que ao mesmo tempo que se tem passado tudo o indicado – sendo as FAs um exemplo de reestruturação e contenção de despesa que não tem paralelo em nenhum outro organismo do Estado - os governos têm aumentado a tipologia das missões que as FAs são chamadas a cumprir tanto no interior do território nacional como no exterior.
E que, apesar de tudo, as FAs têm sido o maior sustentáculo de apoio à política externa do Estado Português, ao ter enviado cerca de 35000 homens e outros meios dos três Ramos das FAs para cerca de 35 teatros de operações diferentes, desde o Afeganistão a Timor, do Ruanda à Bósnia, nos últimos 25 anos; ao passo que também são responsáveis por centenas de acções de cooperação técnico - militar com todos os países de expressão portuguesa.
E de tudo isto os portugueses, em geral, têm apenas uma vaga ideia.
*****

   No entanto, quaisquer que fossem as queixas que as forças políticas, ou parte da população, pudessem ter contra as FAs, por erros que estas tenham cometido – as instituições como os países têm os seus altos e baixos – cedo se deveria ter constatado e assumido que a IM é fundamental ao País e assumir tal evidência. Uma evidência que tem 900 anos.
   Ora não foi nada disto que se passou.
   Sendo as FAs o braço executivo principal que originou a mudança de regime em 1974 – e sai fora do âmbito deste escrito analisar se o deviam ter feito ou não – e sendo até, muito elogiadas pelo conjunto das actuais forças políticas por tal feito – é mister realçar – cedo os responsáveis militares e político-militares de então, passaram o poder para as forças políticas emergentes em partidos, que passaram a governar segundo os votos expressos nas urnas. E cedo recolheram a quartéis. Não se manifestaram – também é lícito recordar – tentativas de ditadura militar, reserva de poder, actos de tirania, agressões sobre populações, etc.
   Não se conhecem casos de corrupção, apropriação de riqueza ou escândalos de conezias ou favorecimentos de familiares, por parte de militares. Existe até um caso exemplar e único na contemporaneidade, o do General Eanes que recusou receber uma soma enorme de dinheiro que um decreto qualquer lhe conferia. Até este acto foi meio abafado na comunicação social, talvez por destoar do ambiente que malfadadamente se foi criando na sociedade…
   O único caso de ilícito criminal – o caso das FP-25 – foi tratado pela polícia, resolvido pelos tribunais e amnistiado pela política.
   Desde que os militares regressaram a quartéis, não podem ser acusados de interferirem na vida política da Nação e de não tentarem cumprir diligentemente todas as actividades que cabem no âmbito das suas missões.
   Porém, a nível político-partidário sobretudo dos partidos que passaram a estar representados no Parlamento, passou a existir uma espécie de acordo tácito relativamente à diminuição do estatuto institucional e social das FAs e à sua importância relativa entre os órgãos do Estado e no concerto da Nação.
   Isto encontra razões de âmbito político, doutrinário e de apreciação estratégica.
   O Bloco de Esquerda fica com “erupções de pele” e outras manifestações do foro psicossomático só de ouvir a palavra “militar”. São, pois, perfeitamente irresponsáveis nesta discussão e toda a gente percebe o que quero dizer com isto; o PS sobretudo a sua ala mais esquerdista, “odeia” tudo o que cheire a fardas e é manifestamente incompetente para lidar com autoridade, segurança e defesa. O CDS e PSD não têm ideias assentes sobre a IM, têm pensamento vário, no mais das vezes tecnocrata, mas uma coisa sabem: não estão interessados em subordinação das FAs, querem submeter de qualquer maneira, a “tropa”. O PCP é o único partido que não hostiliza a IM. Sabe o que faz e sabe que as FAs são um poder fáctico.
   Gosta destas FAs? Não gosta, pela simples razão que não as dominam nem formatam. Limitam-se a fazer o que manda a cartilha: infiltram-nas, colhem informações e apostam em estruturas que possam constituir hierarquias paralelas, os sindicatos ou para - sindicatos.
   Por outro lado, todos concordam que não pode haver um novo “Carmona”; a IM constitui, para eles, uma organização anacrónica, que não entendem, cheia de rituais e normas de que não suspeitam a razão nem a funcionalidade. Ainda por cima são uma coisa cara que consome recursos, recursos esses que podem ser “melhor” aplicados em actividades que rendam votos nas eleições, com que rechearam o calendário político e de que em cujo intervalo sobra muito pouco tempo para governar…
   Meteram ainda na sua grossa carapaça craniana – apesar de gostarem de apelidar os militares de “quadrados” – que as guerras são coisas do passado e que sendo Portugal agora uma portentosa democracia, nós seriamos amigo de todos e todos seriam nossos amigos.
   Ou seja, as ameaças teriam desaparecido.
   E se, numa hipótese remota, surgisse alguma ameaça, lá estaria a NATO para nos defender, do mesmo modo que a CEE velaria pela nossa riqueza e bem-estar. Os pacifismos, individualismos, consumismos, hedonismos e outros “ismos”, fizeram o resto.
   Por fim, se nós estamos em organismos internacionalistas e caminhamos para a diluição do estado-nação português nesses mesmos internacionalismos, para que servem as FAs nacionais?
   Tudo isto tem “baralhado”, compreensivelmente (?!) as sucessivas chefias militares, com a consequente incapacidade de montarem “estratégias” para fazer face a todo este descalabro.
   Face ao expendido, as chefias militares ensaiaram apenas, poucas modalidades de acção. A primeira das quais – e já abandonada há bastantes anos – era a teoria do facto consumado. Isto é, lançavam-se os programas de aquisição que se conseguissem e depois ia-se confrontar o poder político com a necessidade de mais dinheiro para os manter. Isto falhou redondamente porque o poder político sempre se esteve nas tintas para essas coisas, com a excepção de alguns itens de interesse ou visibilidade política.
   A outra ideia, sempre presente, é a de “encaixar danos”, o que tem revelado uma IM de uma plasticidade enorme.
   Pelo meio de tudo isto vai-se jogando nas correcções que o tempo possa vir a fazer, na demora ou mudança de critérios, que as sucessivas remodelações governamentais possam ir provocando e alguma “Fé” em melhores dias. Convenhamos que foi e é, pouco e curto.
   A quantidade já apreciável de documentação produzida de alerta e exposição de problemas fica, por norma, retida nas gavetas dos gabinetes e nenhuma repercussão pública existe (nem para as tropas) já que esta documentação é reservada. Além disso como os documentos mais importantes não levam a chancela dos quatros chefes, o peso das posições pode ser mais facilmente ignorada. É o dividir para reinar… As limitações dos militares no activo em falarem publicamente fazem o resto.
   Os políticos enredaram, também, as FAs numa teia legislativa que deixa pouca margem de manobra à hierarquia. De facto, para além das FAs terem perdido qualquer capacidade de influir na escolha das suas chefias, qualquer chefe militar pode ser “despedido” com uma simples assinatura, indo para casa com uma mão à frente e outra atrás. E nunca mais pode aspirar a ter qualquer outro cargo. Ora isto não se passa com mais nenhuma profissão no âmbito do Estado, conhecendo-se até o escândalo que representa a dança dos gestores públicos com muitas indemnizações à mistura. Daí andarmos a viver permanentemente no faz de conta do dia-a-dia, e no teatro de sombras institucional.
   Todavia qualquer “estratégia” para ter sucesso carece de entendimento, coordenação e unidade de acção, por parte do Conselho de Chefes. Mas como, infelizmente, é público e notório tal entendimento raramente existe (apesar de tudo podia não haver entendimento mas haver unidade de acção…), e tal cobre todo o espectro de acção, ou seja vai desde a escolha da cor dos atacadores das botas à compra dos submarinos.
   Note-se que estamos a falar de quatro cidadãos – não de 40 – de elevada competência e experiência, que leram pelos mesmos livros e foram formados em escolas idênticas. E como isto se passa assim desde há mais de 30 anos, temos que chegar à conclusão que estamos perante um problema genético. Só a inteligência pode combater a “genética”, mas esta tem derrotado aquela por KO.
   Finalmente um factor tem desestabilizado o sistema: o factor financeiro. Como as pessoas têm a memória curta, lembramos que o equilíbrio começou a ser posto em causa pelo fim da isenção do pagamento do imposto profissional – o que em termos militares não fazia qualquer sentido – sendo os militares ultrapassados pelas profissões de referência, considerados os pilares do Estado: juízes, catedráticos e embaixadores (já não falando em directores gerais e gestores públicos que passaram a ser feudos dos partidos).
   Por altura dos mandatos do Professor Cavaco e Silva como PM, retiraram-se as chefias militares da escala indiciária da sua instituição e fizeram-na corresponder aos cargos políticos.
   Ou seja separaram a cabeça do resto do corpo militar. Em simultâneo aumentaram substancialmente os generais e os brigadeiros, relativamente aos oficiais superiores e restantes, o que aumentou o fosse entre postos e funções.
   Finalmente há poucos anos, aumentou-se, com alguma exorbitância, o subsídio de representação de comandantes de unidade, generais e chefes dos Ramos, o que com a desculpa da diferenciação de responsabilidade – o que está certo – se visa, na prática, a subserviência no serviço.
   Por último – e com esta termino – as chefias militares têm acalentado a ilusão de que os sucessivos detentores do poder político estão do mesmo lado da barricada do que eles. O que, manifestamente, não é verdade. Ora quando se vai para a luta, tem que se ter a noção exacta da Ordem de Batalha, amiga e inimiga. E tal não tem acontecido, pois ninguém quer assumir as consequências, ultrapassado que foi há muito a fase da ingenuidade e da incredulidade.
   Toda esta situação já dura há demasiado tempo, mas não vai durar sempre. E, na falta da desejável harmonia, arrisca-se a partir para um lado ou para o outro. Não será bom para ninguém.


                        João José Brandão Ferreira
                           TCor/Pilav (Ref)

   
 

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dfuas

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Re: Artigos de Opinião T/Cor José João Brandão Ferreira
« Responder #1 em: Novembro 14, 2011, 04:19:55 pm »
Aprecio o contributo desse meu compatriota, é alguém que tem um espírito lúcido e não deixa de acertar nas verdades que muitos teimam em esquecer. Ouvi-lo ou lê-lo satisfaz porque dá esperança.
Quanto a alguns portugueses que já estão viciados por uma "União Europeia" aparentemente sem fronteiras e de uma Bruxelas que é amiga, só lhes digo que ninguém dá nada a ninguém, os países têm interesses, normalmente nao são amigos. Temos de contar acima de tudo conosco e não admitir qualquer ingerência de países terceiros. A Espanha, por exemplo nos últimos anos tem suavizado, aparentemente a sua ingerência em Portugal, mas não, não se iludam, estão aí os tentáculos do polvo de Espanha para fazerem o seu papel, ou seja, a Galícia, Castilla y Léon, Extremadura e Andalusia. Elas são Espanha, não se esqueçam disso, não se iludam, não se vendam. Espanha tem muitas máscaras, mas o seu utilizador é sempre o mesmo.
 

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Re: Artigos de Opinião T/Cor José João Brandão Ferreira
« Responder #2 em: Novembro 14, 2011, 09:37:55 pm »
Citação de: "dfuas"
Aprecio o contributo desse meu compatriota, é alguém que tem um espírito lúcido e não deixa de acertar nas verdades que muitos teimam em esquecer. Ouvi-lo ou lê-lo satisfaz porque dá esperança.
Quanto a alguns portugueses que já estão viciados por uma "União Europeia" aparentemente sem fronteiras e de uma Bruxelas que é amiga, só lhes digo que ninguém dá nada a ninguém, os países têm interesses, normalmente nao são amigos. Temos de contar acima de tudo conosco e não admitir qualquer ingerência de países terceiros. A Espanha, por exemplo nos últimos anos tem suavizado, aparentemente a sua ingerência em Portugal, mas não, não se iludam, estão aí os tentáculos do polvo de Espanha para fazerem o seu papel, ou seja, a Galícia, Castilla y Léon, Extremadura e Andalusia. Elas são Espanha, não se esqueçam disso, não se iludam, não se vendam. Espanha tem muitas máscaras, mas o seu utilizador é sempre o mesmo.

Sem dúvida," Conter em terra e bate-la no mar".