GNR com processo-crime por recusar lavar pratos
Recusou-se a lavar pratos e a limpar o chão da cozinha do Regimento de Infantaria da GNR. Um agente de 24 anos enfrenta, por isso, um processo-crime por ter desobedecido a um superior hierárquico. Noutra instituição só enfrentaria um processo disciplinar. Na GNR a justiça é militar
Um agente da GNR, de 24 anos, foi alvo de um processo-crime, instaurado pela instituição, por se ter recusado a lavar os pratos e a limpar o chão da cozinha no Regimento de Infantaria, em Lisboa. Ao afirmar que ingressou naquela força de segurança para realizar outro tipo de serviços, que não aquele, um oficial constituiu--o arguido, com o termo de identidade e residência (TIR), e enviou o auto de notícia para o Ministério Público que vai agora avançar com a investigação. O porta-voz do Comando-Geral da GNR disse ao DN ter tido conhecimento apenas de um processo disciplinar ontem aberto.
"Não entendemos nem aceitamos que sejam impostas faxinas a agentes da segurança pública e que, perante a preservação da sua dignidade, se pretenda punir desta forma, como se de criminosos se tratasse. Certamente que o cidadão não entenderá porque é que, face ao aumento substancial dos índices de criminalidade, existem polícias dentro de uma cozinha a lavar pratos."
Esta foi a reacção da Associação dos Profissionais da Guarda - APG/GNR perante aquele processo--crime. Segundo José Manageiro, presidente desta entidade, "outros profissionais, com o receio de represálias por parte dos superiores hierárquicos, têm aceitado e realizado este tipo de tarefas".
Neste caso, trata-se de um jovem de 24 anos, novo na profissão, mais corajoso, que terá manifestado a sua indisponibilidade para se submeter ao "vexame e à humilhação de fazer a faxina quando havia aderido à instituição com outras expectativas. Se quisesse lavar pratos teria ido trabalhar para um hotel".
Este tipo de atitude consubstanciou uma desobediência a um superior hierárquico. Numa outra instituição pública daria aso, eventualmente, a um processo disciplinar. Mas, a GNR tem natureza militar, estando sujeita ao código de justiça militar. Uma desobediência é considerada crime, mesmo em tempo de paz (ver caixa). Agora, cabe ao MP averiguar se, de facto, foi praticado um crime e, no caso afirmativo, deduzir acusação e enviar para julgamento.
Segundo José Manageiro, a "APG/GNR há já muito que tem vindo a exigir a revogação de normas e regulamentos inspirados nos moldes do Estado Novo, entre os quais se encontra o actual Regulamento Geral de Serviço".
Conforme explicou, "nos termos do Estatuto em vigor, o profissional da Guarda é agente da força pública e de autoridade e órgão de polícia criminal, fiscal e aduaneira. Em lugar algum, no rol das funções que lhe são acometidas, está prevista a realização de faxinas ou de outras tarefas igualmente indignas de agentes da segurança pública".
O agente arguido está integrado no Regimento de Cavalaria. Tal como ele, também outros são escalados para fazer faxina no Regimento de Infantaria. Já vários ministros da Administração Interna, nomeadamente o anterior, António Costa, têm vindo a defender que os polícias são para andar na rua. Mas, pelos vistos, tudo permanece na mesma.
O porta-voz do Comando-Geral da GNR, tenente-coronel Costa Lima, disse, ao DN, ter tido conhecimento da instauração de um processo disciplinar, sem, contudo, negar a existência do processo-crime. |
LICÍNIO LIMA