China intensifca clima de guerra com a Índia para disputar o Nepal
Os dois gigantes estão a disputar influência no sul da Ásia. No meio está o pequeno Nepal: um centro nevrálgico para a segurança regional e para o domínio comercial.
Durante anos, o Nepal nunca se preocupou muito em policiar a sua fronteira norte com a China. Os Himalaias pareciam uma barreira suficientemente imponente e desencorajante e a atenção económica estava orientada para sul, na direcção da Índia. Se o Nepal é um rato encurralado entre elefantes, como diz um ditado local, o elefante que mais o preocupava era a Índia.
Em Fevereiro, contudo, uma delegação governamental nepalesa visitou Pequim, numa deslocação que veio sublinhar, mais uma vez, de que forma o novo peso que a China tem no mundo está a alterar as velhas equações geopolíticas.
Enquanto o ministro do interior nepalês, Bhim Rawal, se reunia com os altos dirigentes da segurança chinesa, os meios de comunicação estatais chineses noticiaram que os dois países tinham concordado cooperar na segurança fronteiriça e que o Nepal tinha reiterado o seu compromisso de prevenir, do seu lado da fronteira, qualquer tipo de situações "anti-China."
Aguarda-se que os dois países finalizem um programa segundo o qual a China fornecerá dinheiro, treino e apoio logístico para ajudar o Nepal a expandir os postos de controlo da polícia em regiões isoladas da sua fronteira norte.
A razão do acordo é simples: o Tibete. Após a decisão do presidente Obama de encontrar-se com o Dalai Lama ter deixado a China furiosa, as reuniões de Rawal em Pequim tenderão a produzir um efeito prático maior na vida dos tibetanos. Sob a pressão da China, o Nepal está agora a tomar medidas para fechar as passagens dos Himalaias através das quais os tibetanos há muito fazem saídas secretas da China, frequentemente em peregrinações ao Dalai Lama, que se encontra exilado na Índia.
Referem os analistas que, se em tempos, a China olhou o Nepal apenas com um interesse esporádico, neste momento está a usar mais abertamente a sua influência relativamente ao seu pequeno vizinho himalaico. Isto porque a China se preocupa com a possibilidade de o Nepal se tornar o centro da agitação tibetana. E teme, por outro lado, que o Nepal possa tornar-se um novo palco sul-asiático para a crescente disputa de influências na região que a China tem mantido com a Índia.
"O Nepal tornou-se um espaço muito interessante onde os grandes jogadores estão a disputar a dois níveis," declarou Ashok Gurung, director do Índia China Institute da universidade nova-iorquina The New School. "Um deles é o das relações com o Nepal. E o outro é a relação entre a Índia e a China."
Em termos gerais, a Índia e a China partilham objectivos semelhantes no Nepal. Cada um dos países pretende que a situação política no Nepal estabilize e estão a observar de perto as negociações que os maoistas do país estão a entabular com outros partidos políticos relativamente a uma nova constituição que possa reformar o governo. Cada um dos países está igualmente preocupado com a questão da segurança, uma vez que a Índia está apreensiva com a agitação do lado nepalês da fronteira, bem como com a possibilidade de que terroristas treinados no Paquistão possam deslocar-se através do Nepal.
Mas a Índia também está atenta àquilo que muitos especialistas indianos consideram ser um novo activismo chinês no sul da Ásia, quer seja com a construção de portos no Sri Lanka e no Paquistão, quer seja com a assinatura de novos acordos com os países mais pequenos do sul asiático - como é o caso das Maldivas. Uma presença chinesa no Nepal poderia ser particularmente inquietante para a Índia, dado que a Índia e o Nepal partilham uma fronteira longa e deliberadamente porosa.
"A Índia sempre se preocupou com o tipo de acesso que a China poderá ter no Nepal," refere Sridhar Khatri, director-executivo do Centro de Estudos Políticos Sul-Asiáticos, em Katmandu. "A Índia sempre considerou o sul da Ásia como sendo o seu jardim das traseiras, como uma Doutrina Monroe."
Segundo a perspectiva da China, a importância geopolítica do Nepal aumentou na sequência dos protestos tibetanos, que eclodiram em Março de 2008, cinco meses após Pequim ter sido o país anfitrião dos Jogos Olímpicos. Esses protestos tiveram início no interior da China, em Lhasa, capital do Tibete, e noutras regiões tibetanas, mas também alastraram para lá da fronteira, para Katmandu, onde se estima que vivam cerca de 12 mil tibetanos.
Apesar de as autoridades chinesas terem conseguido impedir a cobertura jornalística internacional da repressão que tinha sido iniciada no Tibete, os protestos no Nepal atraíram a atenção do mundo inteiro assim que começaram a circular fotografias da polícia nepalesa a reprimir os manifestantes. Nuns quantos casos, as agências noticiosas identificaram, erradamente, as fotografias como tendo tido origem no interior do Tibete.
"Depois de Março, verificou-se uma mudança," diz Gurung. "Os chineses perceberam que o Nepal está a tornar-se um ponto importante onde poderão ver-se potencialmente embaraçados no que toca a questões relacionadas com o Tibete."
V.R. Raghavan, general do exército indiano, já reformado, disse que a China, durante anos, permitiu, tacitamente, que os tibetanos atravessassem para o Nepal, muitos dos quais iam fazer peregrinações ou estudar em universidades indianas. Mas, acrescentou, os protestos de Março fizeram com que a China constatasse que tinha uma "janela virada a sul" que era necessário fechar.
"Todos os movimentos de personagens importantes, de sacerdotes e de outros indivíduos do Tibete tiveram lugar através do Nepal," disse o general Raghavan, que agora é director do Delhi Policy Group, um instituto de investigação.
Sob o pretexto de impedir que agitadores pró-Tibete entrassem ou saíssem do país, as autoridades chinesas apertaram a segurança do seu lado da fronteira. Insistiram, também, para que o Nepal se tornasse mais vigilante.
No Outono passado, Rawal anunciou que, pela primeira vez, o Nepal iria colocar agentes da polícia armados em regiões isoladas, como Mustang e Manang, na fronteira com o Tibete.
Entretanto, defensores da causa tibetana dizem que a apertada segurança fronteiriça já fez abrandar o movimento de forma sensível. Segundo o gabinete do Dalai Lama, até 2008, entre 2500 a 3000 tibetanos transpunham, anualmente, a fronteira. Mas, no ano passado, o número desceu abruptamente para cerca de 600, uma mudança que os defensores da causa atribuem ao estreitamento dos laços entre a China e o Nepal.
"À medida que se tornam mais próximos," explica Tenzin Taklha, secretário do Dalai Lama, "mais difícil se torna a situação para os tibetanos."
Com efeito, muitos nepaleses acreditam que a aproximação à China é de todo o interesse para o país.
Durante mais de meio século, a Índia teve uma profunda influência nos assuntos nepaleses e continua a ser o maior parceiro comercial do Nepal e o seu principal patrocinador económico, apesar de alguns nepaleses se sentirem incomodados com o papel que a Índia desempenha nos seus assuntos. A moeda nepalesa é indexada à rupia Indiana, e os cidadãos dos dois países têm permissão para atravessar livremente a fronteira. Mais de um milhão de nepaleses trabalham na Índia, enviando remessas de dinheiro para o seu país.
Contudo, e segundo as estatísticas governamentais, o comércio com a China quadruplicou desde 2003 e os grandes líderes empresariais nepaleses pretendem aumentar os laços económicos.
Recentemente, e perante o constante aumento do número de turistas chineses, as linhas aéreas chinesas abriram rotas para o Nepal e as autoridades chinesas têm a intenção de estender os serviços ferroviários até à fronteira, para que o Nepal possa ficar ligado à mesma linha de grande altitude que liga Pequim ao Tibete.
Kush Kumar Joshi, presidente da Federação Nepalesa das Câmaras de Comércio e Indústria, disse que o grupo está a tentar estabelecer zonas económicas especiais para atrair manufacturas chinesas para o Nepal, bem como empresas indianas.
"Precisamos de manter os dois países como parceiros para o nosso desenvolvimento," declarou.
Sridhar Khatri, analista de Katmandu, disse que a Índia continuará a ser o vizinho predominante do Nepal, mas que o crescente alcance global da China torná-la-á inevitavelmente mais envolvida do que antes. Partir do princípio de que a China não usará mais do seu poder e da sua influência no sul da Ásia e no Nepal, declarou, "será ignorar a realidade."
I/New York Times