Batalha naval de Achém - India - Maio de 1569

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dremanu

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Batalha naval de Achém - India - Maio de 1569
« em: Fevereiro 23, 2004, 11:21:29 pm »
Mais uma incrível história das batalhas ganhas pelos nossos antepassados. Viva Portugal!

BATALHAS E COMBATES
da Marinha Portuguesa

Achém - Maio de 1569

Em princípios de Maio de 1569, largaram de Goa, em conserva (navegando em conjunto mas sem qualquer espécie de subordinação), um galeão e uma pequena nau. O galeão, capitaneado por João Gago de Andrade, tinha como missão levar gente e abastecimentos para as Molucas; a nau era particular, sendo seu proprietário e capitão Mem Lopes Carrasco. O seu destino era Sunda, onde, provavelmente, ia buscar pimenta, considerada de melhor qualidade que a do Malabar.

Enquanto navegou ao longo da costa indiana, onde existia o risco de ataques de corsários, Lopes Carrasco conservou-se perto do galeão, embora a sua nau fosse mais rápida, uma vez que ia praticamente vazia em contraste com aquele, que levava muita carga. Porém, logo que foi ultrapassado o cabo Comorim, fez força de vela e foi ganhando avanço ao galeão até o perder de vista. Deste modo chegou à costa noroeste da ilha de Samatra, onde ficava situado o reino do Achém, muito antes daquele.

O vento era fraco e a nau, apesar de levar postas monetas (tiras de pano cosidas nas esteiras das velas destinadas a aumentar a sua área), ia a andar muito pouco. Foi então que começaram a ser avistadas numerosas velas saindo do porto do Achém. Tratava-se de uma poderosa armada, composta por vinte galés, vinte juncos e cerca de duzentos navios mais pequenos, com que o rei daquela cidade se preparava para ir novamente pôr cerco a Malaca. Vendo aparecer inesperadamente uma nau portuguesa deu imediatamente ordem aos seus navios para a irem tomar.
Eis como Diogo do Couto descreve o combate que se seguiu: «Tanto que Mem Lopes viu a Armada, de que se não podia desviar (por falta de vento), preparou-se para se defender dela, porque bem sabia que lhe era assim necessário para remédio, e vida de todos, porque aqueles inimigos não havia poder-se pleitear com eles, porque não dão a vida a Português algum pelo mortalíssimo ódio que lhe têm: e assim mandou tirar as monetas, e encher tinas de água (para apagar os incêndios), e preparar sua artilharia, de que levava sete, ou oito peças, camelos, esperas, e falcões; e a gente que levava, que eram quarenta homens, repartiu pelos lugares mais arriscados, pondo na proa Martim Lopes Carrasco seu filho com dez homens; e Francisco da Costa ... pôs na popa com outros dez soldados; e a um Martim Daço primo de Mem Lopes encarregou a artilharia; e ele ficou no convés com os mais, e com eles o Padre Francisco Cabral da Companhia de Jesus ... e um Frade de São Francisco, que ambos com um Crucifixo nas mãos andavam animando a todos a se defenderem daquela Armada, que já tinha cercado a nau, e a começou a bater com grande terror, e braveza, e logo a começaram a destroçar, e desenxarcear, e abrir-lhe muitas arrombadas com os pelouros que varavam a nau; mas também os nossos fizeram valorosamente seu ofício, destroçando-lhes com sua artilharia muitas das suas embarcações, e matando-lhes muita gente; porque como o mar estava coberto de embarcações, não tinham as balas da nossa artilharia, por perdidas que fossem, onde dar, senão nelas.

Durou esta refrega todo o dia, porque já era véspera (tarde), quando a batalha se começou, que a armada do Achém se apartou, e surgiu (fundeou); e os nossos, de que havia já alguns feridos, se curaram, e mandaram remediar, e tapar as aberturas que as bombardas lhe fizeram, e preparando-se para outras que esperavam, porque a Armada do inimigo também surgiu afastada para lançar os mortos no mar, e curar os feridos que eram muitos.

Ao outro dia tanto que amanheceu, tornou a Armada a rodear a nau, e a batê-la, e destroçá-la com nova fúria; mas também os nossos lhe responderam, como se estivessem muito descansados, e inteiros, obrando todos altas cavalarias: os inimigos apertaram tanto, que chegaram três galés muito poderosas a abordar a nau, andando neste conflito os Padres ambos no meio de todos com Crucifixos levantados, animando os nossos a pelejarem pela Fé de Cristo, que se lhes apresentava diante por Capitão; e de tal modo acendeu esta exortação a fúria, e valor aos nossos, que deram com os inimigos ao mar, e com aquele ímpeto, e furor se lançou após eles em uma das galés o Martim Daço com uma espada, e rodela (escudo), fazendo grande estrago nos Mouros, sendo de cima ajudado com a espingardaria; e chamando Mem Lopes Carrasco por ele que se recolhesse, lhe respondeu, que o não havia de fazer até render aquela galé, porque a havia de tomar em lugar do batel da nau que os Mouros lhe tinham já tomado; e sendo a galé socorrida de outras, foi forçado ao Martim Daço recolher-se com algumas feridas bem grandes.

O Mem Lopes Capitão, e Senhorio da nau andou todo aquele tempo como um alarve (insaciável) encarniçado na briga, e tinto da pólvora, e de seu sangue, de feição que o não conheciam pelo rosto, senão pelas armas; e andando socorrendo pelas partes todas, em que os nossos pelejavam valorosamente, lhe deram uma bombardada por uma perna, e logo correu fama pela nau que ele era morto: chegou ao castelo de proa onde seu filho Martim Lopes Carrasco tinha feito maravilhas em sua defensão; e dizendo-lhe um soldado que seu pai era morto (respondeu): 'Se assim é, morreu um só homem, e aqui ficamos muitos, que defenderemos a nau.
O Mem Lopes, como a ferida não foi mortal, e não lhe impediu o andar, fez seu oficio com grande valor, andando sempre a par dele o Padre Francisco Cabral da Companhia muito inteiro, e com grande ânimo, e prudência animando, e consolando a todos, ... O Padre de São Francisco sempre andou também com o Crucifixo alentando os soldados, e chamando pelo Bem-Aventurado Santiago, animando os homens com palavras muito honradas; e por não cansar os leitores, e mais os deste tempo, a quem estas coisas juntamente envergonham, e enfastiam (tal como hoje!), basta dizermos que três dias contínuos foram os nossos batidos de toda aquela Armada, até os deixarem arrasados de todos os castelos, e mastros, e a maior parte da gente morta, e os mais feridos, e no fim dos ditos três dias os inimigos se afastaram, por aparecer o galeão de João Gago de Andrade; e foi o dano tanto que os nossos fizeram neles, que se tornaram para o Achém com mais de quarenta embarcações menos, e as mais tão destroçadas, que se não atreveram a prosseguir na começada viagem, ficando o Rei tão afrontado, e colérico, que ia bradando contra Mafamede, e contra os seus, dos quais mandou despedaçar muitos, por tomar neles a vingança que nos Portugueses não pôde.»

João Gago forneceu a Mem Lopes Carrasco o material necessário para armar guindolas (mastros improvisados) e logo seguiu à sua frente para Malaca, possivelmente agastado por aquele o ter abandonado durante a travessia do golfo de Bengala. Porém, chegado àquela cidade recebeu ordens do capitão da praça para voltar atrás a fim de escoltar a nau de Lopes Carrasco, o que ele fez, por certo de má vontade. Em Malaca, os vencedores da frota do Achém foram recebidos triunfalmente. No entanto, a nau ficara em tal estado que Lopes Carrasco se viu obrigado a desistir da viagem a Sunda, regressando à Índia quando foi tempo disso.

Mais tarde, quando a notícia do combate chegou a Lisboa, o rei D.Sebastião mandou a Mem Lopes Carrasco o alvará de fidalgo e o hábito de Cristo, acompanhados de uma boa tença.
Na verdade, o combate que aquele travou ao largo do Achém, em fins de Maio de 1569, é um dos mais espantosos combates navais de todos os tempos, em que uma única nau, guarnecia apenas com quarenta soldados, se bateu durante três dias consecutivos com mais de duzentos navios inimigos, dos quais afundou cerca de quarenta, obrigando os restantes a bater em retirada muito destroçados. Qualquer outro Povo que tivesse na História da sua Marinha um feito semelhante, não se cansaria de o celebrar. Mas os Portugueses, com a sua habitual falta de sensibilidade para as coisas do Mar e uma espécie de acanhamento saloio por terem sido, em tempos idos, uma grande potência naval, limitam-se, pura e simplesmente, ... a ignorá-lo!

                Saturnino Monteiro                
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa» (Vol.III)
"Esta é a ditosa pátria minha amada."
 

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komet

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« Responder #1 em: Fevereiro 23, 2004, 11:37:17 pm »
Fantástico, queremos mais!  :D
"History is always written by who wins the war..."
 

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emarques

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« Responder #2 em: Fevereiro 24, 2004, 12:13:35 am »
Dos textos que pude ler desse livro (na página da Associação Nacional de Cruzeiros), os navios portugueses no Índico estava sempre a meter-se em situações desesperadas...

Gosto do combate da armada de João da Nova em Cananor em 1501 (quatro naus portuguesas enfrentaram quarenta naus e cento e oitenta paraus e sambucos do Samorim de Calicut, derrotando-os e aprisionando vários).

Também do combate do Passo de Cambalão em 1504 em que a armada de Duarte Pacheco Pereira, duas caravelas e dois batéis artilhados, enfrentou uma nova armada do dito Samorim, de uns cem paraus, uns cem tones e grande número de catures (não sei que raio seriam estas embarcações, mas sempre aguentavam o uso de artilharia, que os paraus e os tones tinham-na). A dita armada do Samorim tentou forçar o Passo de Cambalão (um estreitamento de um braço de rio) por três vezes, perdendo muitas embarcações em cada ataque (também tinham 84 mil homens com alguma artilharia que tentaram incomodar os portugueses de terra).

Ou ainda a batalha em Ormuz, em que Afonso de Albuquerque entra no porto de Ormuz com 6 naus em necessidade de algumas reparações, e provoca os locais até eles o atacarem com 60 naus e cerca de 100 terradas (mais um embarcação mistério), e consegue acabar por destruir cerca de 80 naus (sim, também desembarcou e foi queimar e destruir naus nos estaleiros :)) e 30 terradas.
Ai que eco que há aqui!
Que eco é?
É o eco que há cá.
Há cá eco, é?!
Há cá eco, há.
 

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Spectral

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« Responder #3 em: Fevereiro 24, 2004, 10:27:20 pm »
esses 50-60 anos ( 1500-1560) têm páginas e páginas de impressionantes feitos militares portugueses... Realmente um época gloriosa.
I hope that you accept Nature as It is - absurd.

R.P. Feynman