Carta Aberta ao Eng. José Sócrates

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Carta Aberta ao Eng. José Sócrates
« em: Outubro 20, 2006, 02:50:10 pm »
mail recebido hj:

CARTA ABERTA AO ENGENHEIRO
JOSÉ SÓCRATES
Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras motivadas por um convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta. A forma escolhida para a presente é obviamente retórica e assenta NUM DIREITO QUE O SENHOR AINDA NÃO ELIMINOU: o de manifestar publicamente indignação perante a mentira e as opções injustas e erradas da governação.
Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários públicos seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do Estado e pelos malefícios da nossa economia. Sendo a administração pública a própria imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase masoquista o seu comportamento.
Desminta, se puder, o que passo a afirmar:
1.º Do Statics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os salários e benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma despesa média dos restantes países da Zona Euro.
2.º Outra publicação da Comissão Europeia, L´Emploi en Europe 2003, permite comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos empregados de cada país da Europa dos 12. E o que vemos? Que em média nessa Europa 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou seja, a mais baixa dos 12 países, com excepção da Espanha.
As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro, respectivamente 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso da administração pública e o défice, como estaria o défice destes dois países?
3º. Um dos slogans mais usados é do peso das despesas da saúde. A insuspeita OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458. Em Portugal esse gasto é . 758. Todos os restantes países, com excepção da Grécia, gastam mais que nós. A França 2730, a Austria 2139, a Irlanda 1688, a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.
Com o anterior não pretendo dizer que a administração pública é um poço de virtudes. Não é. Presta serviços que não justificam o dinheiro que consome. Particularmente na saúde, na educação e na justiça. É um santuário de burocracia, de ineficiência e de ineficácia. Mas infelizmente os mesmos paradigmas são transferíveis para o sector privado. Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismo público. A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, seja privado. A questão reside em fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas piores. De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:
1.º Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito barbaridades . Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em 34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por cento pagos pelo patrão ).
OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PAGAM OS SEUS 11 POR CENTO.
Mas O SEU PATRÃO ESTADO NÃO ENTREGA MENSALMENTE À CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, COMO LHE COMPETIA E EXIGE AOS DEMAIS EMPREGADORES, os seus 23,75 por cento. E é assim que as "transferências" orçamentais assumem perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar os dinheiros públicos.
Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram ao serviço em Setembro de 1993 já verão a sua reforma ser calculada segundo os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma década.
Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das iniquidades que subjazem á sua política o ministro Campos e Cunha, que não teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7.000 Euros de salário, os 8.000 de uma reforma conseguida aos 49 anos de idade e com 6 anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia parte.
2.º Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia. Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seus encantos, baixou-os em 4 pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2.
3º Por outro lado, fala em austeridade de cátedra, e é apologista juntamente com o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, da implosão de uma torre ( Prédio Coutinho ) onde vivem mais de 300 pessoas. Quanto vão custar essas indemnizações, mais a indemnização milionária que pede o arquitecto que a construiu, além do derrube em si?
4º Por que não defende V. Exa a mesma implosão de uma outra torre, na Covilhã ( ver ' Correio da Manhã ' de 17/10/2005 ) , em tempos defendida pela Câmara, e que agora já não vai abaixo? Será porque o autor do projecto é o Arquitecto Fernando Pinto de Sousa, por acaso pai do Senhor Engenheiro, Primeiro Ministro deste país?
Por que não optou por cobrar os 3,2 mil milhões de Euros que as empresas privadas devem à Segurança Social ?
Por que não pôs em prática um plano para fazer a execução das dívidas fiscais pendentes nos tribunais Tributários e que somam 20 mil milhões de Euros ?
Por que não actuou do lado dos benefícios fiscais que em 2004 significaram 1.000 milhões de Euros ?
Por que não modificou o quadro legal que permite aos bancos, que duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos ?
Por que não renovou a famigerada Reserva Fiscal de Investimento que permitiu à PT não pagar impostos pelos prejuízos que teve no Brasil, o que, por junto, representará cerca de 6.500 milhões de Euros de receita perdida ?
 
A Verdade e a Coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se diferenciar dos seus opositores.
QUANDO SUBIU OS IMPOSTOS, QUE PERANTE MILHÕES DE PORTUGUESES GARANTIU QUE NÃO SUBIRIA, FICÁMOS TODOS ESCLARECIDOS SOBRE A SUA VERDADE.
QUANDO ELEGEU OS DESEMPREGADOS , OS REFORMADOS E OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COMBATE AO DÉFICE, PERCEBEMOS DE QUE TEOR É A SUA CORAGEM.
 
Santana Castilho (Professor Ensino Superior)
"[Os portugueses são]um povo tão dócil e tão bem amestrado que até merecia estar no Jardim Zoológico"
-Dom Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas
 

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JoseMFernandes

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« Responder #1 em: Novembro 12, 2006, 04:49:15 pm »
No PUBLICO de 12/11/2006 um artigo de Antonio Barreto:

Citar
O sucessor de Sócrates


                                            RETRATO DA SEMANA ANTÓNIO BARRETO



Dentro de alguns anos, ninguém sabe ao certo quantos, este mesmo partido estará, num fim-de-semana como este, a eleger ou entronizar, com devoção, o sucessor de Sócrates, que será, sem dúvida alguma, um homem de esquerda. Estes mesmos militantes, quase todos os mesmos, estarão reunidos para aplaudir freneticamente aquele em quem depositarão todas as esperanças para voltar a trazer o partido para as suas linhas programáticas de partido de esquerda. Um congresso como este, talvez menos unido, quem sabe se com algumas polémicas à mistura, dirá adeus à herança de Sócrates e afirmará a linha política do partido, um projecto de esquerda. Raros reconhecerão a viragem, poucos aceitarão as guinadas de 180 graus, ninguém confessará a inversão de marcha. Todos afirmarão, pestanejando, que o partido se mantém fiel ao seu ideário. Como com Soares e Constâncio, com Sampaio e Guterres, com Ferro, Sócrates e Alegre. E quando um militante exaltado, talvez um autarca de meia-idade, garantir que o PS nunca deixou de ser de esquerda, o que ele quererá dizer é que Sócrates nunca existiu.
Para já, no entanto, a liturgia é outra. Como várias vezes aconteceu, com o PS e o PSD, estamos em pleno no congresso do governo. Qualquer semelhança com um congresso de partido é coincidência. Eleito à maneira "à coreana", Sócrates bem merece uma Epifania. É o que terá. Na sala, reina a paz. O partido não está feliz, mas gosta de ser governo. As alusões críticas, tímidas, à saúde de Correia de Campos e à educação de Maria de Lurdes Rodrigues, são uma precaução, a pensar em dias mais difíceis e em chicotadas psicológicas. Embora não haja entusiasmo exaltado, o sorriso beato e o orgulho oficioso são de rigor. Mas há sinais inconfundíveis. Nos dois primeiros dias de congresso, vários foram os militantes e dirigentes que sentiram necessidade de afirmar, em directo no púlpito ou diante das câmaras, que o congresso não era o do governo, mas sim o do partido. Isto só quer dizer uma coisa: é o congresso do governo. Todos sabem.
Este PS não é de esquerda. O governo também não. Nem Sócrates, aliás. É provável que seja essa a atitude mais sensata. Como é possível que o governo esteja a fazer, pelo menos em parte, o que tem de ser feito. O mais certo é que não haja uma política de esquerda capaz de salvar o que deve e pode ser salvo. As alternativas de esquerda à política deste governo poderiam ser fatais para a economia e o investimento. O problema é que, sem uma esquerda sólida e significativa, ou limitada ao PC e ao Bloco, o país fica pior. E o que cairá nas mãos do sucessor de Sócrates pode ser um partido sem rumo e sem doutrina. No silêncio dos corredores do congresso e nas frases sibilinas de alguns veteranos, percebe-se a preocupação dos que já só pensam na sucessão. Mas a verdade é que o futuro do partido é um problema menor, comparando-o com o futuro do país e da sociedade. Ora, o grande e monumental falhanço do PS, nos últimos anos, consiste na sua absoluta incapacidade para resolver o "problema impossível": conseguir, simultaneamente, fomentar o crescimento económico, melhorar os serviços públicos e diminuir a terrível desigualdade inscrita na sociedade.
Os socialistas desfazem tudo o que fazem. Sempre foi assim. Empregos públicos a mais. Privilégios para as corporações. Facilidades na saúde. Desperdício na educação. Obras públicas sem controlo. Laxismo nas autarquias. Desorganização da justiça. Auto-estradas sem portagem. Muito e de tudo. Abriu e fechou maternidades e escolas. Nacionalizou e reprivatizou empresas e sectores económicos. Hostilizou e seduziu os mesmos capitalistas. Perturbou e namorou a Igreja. A lista é longa. O que hoje é virtude, ontem foi pecado mortal. O que hoje é proibido, amanhã será obrigatório. O PS esteve em todas as revoluções e reformas, tal como em todas as contra-revoluções e contra-reformas. É o mais contorcionista de todos os partidos portugueses. Chegou quase sempre tarde à compreensão de algumas necessidades: resistiu à revisão constitucional, à privatização da economia, à liberalização do mercado, à regionalização e à criação do referendo, mas, quando chegou, viu-se logo como o campeão das novas causas. A história das propinas escolares e das taxas moderadoras da saúde é uma história triste de acrobacia, de adiamento e de desperdício. A história da reforma da Segurança Social é uma história exemplar de irresponsabilidade e demagogia. O que os socialistas adiam sai caro ao país.
Por estes dias, coincidindo com a realização do congresso, têm vindo a ser publicadas as leis orgânicas do governo. Dezenas de organismos desaparecem, enquanto outros são substituídos por novos; muitos são fundidos, outros reorganizados. Alguns mudam apenas de nome. Tudo parece ser feito em nome da poupança e da redução de custos. É possível, mas não é seguro. Certos, apenas dois factos. Primeiro, o efeito de centralização e concentração de poderes que estas mudanças produzem. Segundo, a necessidade de nomear e renomear centenas, talvez milhares de dirigentes para os novos organismos. Sem plano prévio e sem conceito de Administração Pública conhecido, estas nomeações estarão no centro das mudanças. Feitas, pois claro, ao abrigo da famigerada lei, aprovada por parte da oposição, que permite ao governo nomear toda esta gente com base na confiança política.
Perigosamente reduzido a um partido alicerçado na Administração Pública, com sólidas bases ancoradas nos sistemas educativo, de saúde e autárquico, o partido e o governo vêem-se agora obrigados a reduzir efectivos, despedir, congelar recrutamentos, diminuir vencimentos, baixar as pensões e cortar nos privilégios colaterais. Mais uma vez, desfaz o que fez. Se persistir, até ao fim do mandato, nas políticas que tem anunciado, terá de ir muito mais longe e prestará, talvez, insignes serviços às finanças públicas.
Mas deixará destroçada a sua clientela, os seus militantes, as suas bases e o seu eleitorado. Pelo contrário, se, como é hábito, não for tão longe quanto é necessário e enveredar pela demagogia prévia ao segundo mandato, tornará inúteis os sacrifícios actuais e voltará a deixar em crise o Estado social. Ou, mais simplesmente, o Estado.