Invasão de Goa: dúvida sobre episódio

  • 7 Respostas
  • 3109 Visualizações
*

Luso

  • Investigador
  • *****
  • 8530
  • Recebeu: 1623 vez(es)
  • Enviou: 684 vez(es)
  • +940/-7277
Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« em: Dezembro 19, 2009, 09:55:44 pm »
Conta-nos o ilustre cronista Papatango, na sua página "Área Militar" e a propósito da invasão de Goa, o seguinte episódio:

12:00 – Sem munições para continuar a combater, é abandonado o posto de Benselor, retirando em boa ordem para Cátria, esta retirada facilita a progressão das forças indianas.
O comandante  do agrupamento ordena que a artilharia que se encontra na margem sul do rio Sandalcalo (Damão Grande) ataque as posições indianas em Cuntá, para continuar a manter a pressão sobre o inimigo.
No entanto, a ordem não é cumprida. Aparentemente, na falta de outras instruções, o comandante da Bateria (Cap.Felgueiras de Sousa) terá decidido içar bandeiras brancas, ordenando a destruição do material.


Isto é extremamente intrigante. O que levará um oficial superior decidir - aparentemente - a rendição por falta de instruções? Não é esta falha crassa a ponto de roçar a traição?
É que o caso não é para mim inédito, neste cenário de operações, inclusive na Marinha. Ainda este ano, na revista "Pública" (ou terá sido na do "Espesso"?), era mencionado - se a memória não me trai - o encalhe de uma lancha e a rendição dada a falta instruções. Tudo regado com as lavagens de imagem habituais.

Caso alguém puder acrescentar algo que ajude a esclarecer a minha dúvida, agradeceria.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

*

papatango

  • Investigador
  • *****
  • 7485
  • Recebeu: 966 vez(es)
  • +4594/-871
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #1 em: Dezembro 21, 2009, 12:14:50 am »
Cronista ...  :mrgreen: ).

Pelo que compreendo, o agrupamento de Damão, ficaria sob o comando do comandante da bateria de artilharia.
Como as operações a sul do rio estavam mais ou menos «frias» o comandante do agrupamento (não o comandante da bateria) passou o rio da fortaleza grande (Damão Grande) e foi para Damão Pequeno.
As comunicações pura e simplesmente não existiam e o comandante da bateria de artilharia terá assumido que, na falta de contacto com o comandante do agrupamento, seria ele que teria autoridade para dar ordens.

Creio que para lá da falta de material de guerra em bom estado e de munição adequada, o principal problema das tropas nos vários territórios de Goa foi o problema das comunicações.

O comandante da bateria de artilharia terá dado ordem para se hastearem bandeiras brancas após o terceiro ataque contra o território, que tinha sido especialmente contra a fortaleza mais pequena na margem norte do rio. Não conseguindo contacto, ele poderá ter considerado que o comandante se encontrava incapaz de dar ordens.

De qualquer forma, toda a invasão foi uma trapalhada. A guerra é mesmo assim.
Os indianos também estavam convencidos de que não teriam problemas, mas foram parados durante horas por pequenos grupos. Os morteiros de uma única companhia de caçadores, mantiveram os indianos parados até que veio apoio aéreo. O fogo de artilharia da fortaleza de Damão Pequeno também parece ter tido alguma eficiência, pelo menos enquanto as peças dispararam.

Tanto quanto sei - e limito-me neste caso à descrição do livro  «A queda da India Portuguesa» o comandante da bateria de artilharia, teria autoridade para dar a ordem, se considerasse que não havia mais ninguém para a dar.

Cumprimentos
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

*

Luso

  • Investigador
  • *****
  • 8530
  • Recebeu: 1623 vez(es)
  • Enviou: 684 vez(es)
  • +940/-7277
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #2 em: Dezembro 21, 2009, 09:52:43 pm »
PT, refiro-me apenas à postura de alguns oficiais que, à alegada falta de ordens, opta-se pela rendição. Não sei o que é que se ensinava ou ensina aos oficiais mas não posso deixar de estranhar.
Há muitas coisas que ainda não compreendi, face a outros exemplos.
As altas chefias militares de Portugal, negligenciaram objectivamente a defesa que dos territórios que estavam cercados estava pela imensidão da União Indiana. A falta de verba não seria certamente desculpa para não comprar armamentos e munições de qualidade ainda relativamente eficientes (face aos congéneres indiano) excedentes da 2.ª Guerra, quer em armas ligeiras, quer em artilharia.
Daquilo que tenho lido, Salazar não se metia em questões tácticas ou até de aprovisionamento (como aquela dos “chouriços”) e não o estou a ver a controlar ao detalhe o envio deste ou daquele equipamento que poderia colocar em causa a postura não belicista face a Nehru.
Depois, não posso deixar de comparar este cenário com aquilo que se passou em Wake, onde os artilheiros, na falta de peças operacionais, se armaram de armas ligeiras para repelir o inimigo. Já para não falar dos trabalhadores civis. Desespero de uns? Desânimo e desinteresse e falta de alma de outros? Cultura? Falta dela? Ética, Honra e Coragem? Ou falta dela?
Não sei e é isso que quero compreender.
Não me quero arvorar em defensor de virtudes abstractas, difíceis de conceber para quem está a levar no pêlo. Aliás, são os próprios militares, sobretudo os profissionais, que fazem isso.
Há muita coisa que não faz sentido.
Para mim, no mínimo houve negligência da grossa.
No máximo, traição pura, daquelas a que já estamos habituados.

À laia de guisa, quanto a este Capitão Felgueiras de Sousa, o que é que lhe aconteceu depois da Grande Traição?
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

*

papatango

  • Investigador
  • *****
  • 7485
  • Recebeu: 966 vez(es)
  • +4594/-871
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #3 em: Dezembro 22, 2009, 01:12:45 am »
Relativamente ao destino dos intervenientes neste caso não tenho nenhum dado adicional.
As minhas conclusões resultam de saber que era o comandante da bateria o oficial mais graduado e acredito que mais antigo, e por isso competia-lhe decidir, no caso de não ter contacto com o comando, no caso de assumir que este não se encontrava em condições de comandar.

Citação de: "Luso"
Não posso deixar de comparar este cenário com aquilo que se passou em Wake, onde os artilheiros, na falta de peças operacionais, se armaram de armas ligeiras para repelir o inimigo. Já para não falar dos trabalhadores civis. Desespero de uns? Desânimo e desinteresse e falta de alma de outros? Cultura? Falta dela? Ética, Honra e Coragem? Ou falta dela?
Não sei e é isso que quero compreender.

Há várias coisas que são creio serem determinantes para esmagar o moral das forças, e explicar a impossibilidade de a força actuar de forma aceitável ou minimamente eficaz, de entre as quais destaco::

- Superioridade do inimigo em carros de combate: Leva à debandada das forças, quando sabem nada ter para lhe fazer frente.
- Superioridade aérea do inimigo, sem possibilidade de lhe responder: Não leva à retirada, mas leva a que a moral das forças seja tremendamente afectada, ainda mais quando não há nada para contrapor.
- Dúvidas sobre a eficiência do nosso próprio material: Leva a que a própria eficácia da resposta seja posta em causa, levando à conclusão de que a resistência é inútil.

Em Goa, estes três factores concorreram no mesmo teatro de operações.

Eu não pretendo desculpar ninguém, tento apenas perceber o que passaria pela cabeça daquelas pessoas, naquelas circunstâncias, sabendo que o inimigo contava com armas pesadas muito superiores, sabendo que a força aérea do inimigo tinha completo domínio aéreo e que nada a poderia deter e finalmente sabendo que grande parte dos disparos das suas próprias peças falhavam, por causa de a munição ter passado do prazo de validade.

Creio também que houve demasiados erros, alguns deles de palmatória. Eventualmente Vassalo e Silva não seria o homem mais adequado. Em Diu, por exemplo, os indianos achavam que nem sequer haveria resistência. Eles sabiam mais ou menos o tipo de resistência que teriam pela frente, e sabiam também que os meios disponíveis de pouco ou nada serviriam para impedir a India de tomar Goa.

Citação de: "Luso"
Daquilo que tenho lido, Salazar não se metia em questões tácticas ou até de aprovisionamento (como aquela dos “chouriços”) e não o estou a ver a controlar ao detalhe o envio deste ou daquele equipamento
Também concordo. Escrevem-se tantos absurdos sobre as capacidades do Salazar, que acredito que para ele ter feito tudo o que lhe é atribuido, seria necessário não um Salazar a trabalhar 24 horas por dia, mas sim uns cinco ou seis ao mesmo tempo.
Isto quer dizer apenas uma coisa: Durante o período do Estado Novo, como agora, toda a gente se desculpa com alguém, e muita gente desculpava-se e desculpou-se com o Salazar.
Citação de: "Luso"
Não me quero arvorar em defensor de virtudes abstractas, difíceis de conceber para quem está a levar no pêlo. Aliás, são os próprios militares, sobretudo os profissionais, que fazem isso.
Há muita coisa que não faz sentido.
Para mim, no mínimo houve negligência da grossa.
No máximo, traição pura, daquelas a que já estamos habituados

Poderíamos afirmar que terá havido traição, ou no mínimo desleixo, ou incúria. É provavelmente verdade. No entanto, na altura como hoje, existem uma quantidade de «atenuantes» que acabam por não nos permitir concluir quem são realmente os culpados.

Creio que o que aconteceu é o que acontece ainda hoje em imensos casos.
Má gestão generalizada, falta de brio, falta de uma tradição de excelência naquilo que se faz. Como todos os intervenientes cometem erros, das duas uma, ou todos são culpados gerando um granel desgraçado, ou então calam-se todos e olham parta o lado, para que ninguém se queixe, ninguém diga nada e ninguém tenha a sua reforma em perigo. :roll:

Pessoalmente, e sempre que possível tenciono adicionar mais alguns capítulos sobre o tema de Goa. Lembro que mesmo na altura, houve criticas dos oficiais que comandavam as unidades operacionais, nomeadamente sobre o plano de defesa, que era um absurdo. Baseava-se numa sucessão de operações de retirada, que tinham como único resultado aumentar a confusão que já de si é enorme numa operação militar.
As peças de 57mm (que eram do tempo da guerra na Líbia) ainda eram na altura peças com alguma capacidade. Havia peças anti-aéreas que eram tão antigas, que o pessoal que chegou para as guarnecer, não as utilizou porque não sabia utiliza-las.
A disposição da artilharia, aparentemente foi outro erro...
Enfim, lendo o que está disponível, terão sido cometidos demasiados disparates realmente ...   nx2l1

Cumprimentos
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

*

FoxTroop

  • Investigador
  • *****
  • 1845
  • Recebeu: 669 vez(es)
  • Enviou: 389 vez(es)
  • +336/-6307
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #4 em: Dezembro 22, 2009, 02:31:06 pm »
Essa é uma situação complexa que não tem uma resposta facil.

Perante a perda de contacto com o escalão superior, existem normalmente normas e planos pré-estabelecidos sobre o qual o comandante da unidade isolada toma as decisões. Podem ser bastante estritos, mas por norma, costumam dar uma boa margem de manobra ao comandante isolado.

Um comandante deve acima de tudo zelar pela missão atribuida zelando pelos seus homens e isto é muito importante. No comando de uma unidade o que menos se quer são acções que, por muito valorosas que possam parecer, coloquem em risco a missão e os homens.

Na questão que o caro Luso coloca a pergunta é: Seria que uma resistencia até ao ultimo homem traria algum valor ou poderia mudar o desfecho? Tal atitude contraria não será traição?
A resposta, para mim, é um retundo não. Como comandante apenas pediria um tal comportamento se soubesse que tal iria trazer mais valias para o posterior desfecho do conflito. Uma resistencia até ao ultimo homem, pedida gratuitamente pelo escalão politico, sem fornecer os meios adequados e sem alternativa que não seja o da "vão-se lixar mas vão morrer todos e tentar levar o mais possivel convosco, só porque sim" é algo que qualquer comandante deve rejeitar ou estão é um criminoso.

O que não invalida que certas ordens tenham sido dadas precipitadamente por deficiente comando e controlo mas daí chegar ao ponto de traição a unica que vejo é mesmo a do poder politico. Resistir até ao ultimo homem. Com que meios? Para que fim?
 

*

Luso

  • Investigador
  • *****
  • 8530
  • Recebeu: 1623 vez(es)
  • Enviou: 684 vez(es)
  • +940/-7277
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #5 em: Dezembro 22, 2009, 09:12:44 pm »
Resistir até ao ultimo homem. Com que meios?

Ora aí é que está parte importante da questão. Como foi possível ao dispositivo militar português, perante num cenário muito desfavorável desde 1947 (também o era no Sec XVI) se permitiu a ser equipado com armas e munições obsoletas e com sistema de comunicações de igual valor, já para não falar em doutrina e aprendizagem das lições de um conflito ocorrido há menos de 20 anos?
A economia não é resposta pois o mercado de excedentes era florescente e não seria necessário dispender fortunas para comprar umas coisas decentes (Nr4 e Brens e munição fresca seriam melhores que a tralha que por lá havia, falando de armas ligeiras) ou de bazucas americanas de calibre superior do tempo da Coreia.
Já para não falhar da artilharia. Ter um submarino destacado para Goa também ajudaria certamente alguma coisa.

No caso da artilharia, na minha ingenuídade, julgo que os artilheiros fizeram recruta e saberiam manipular com alguma facilidade a(s) arma(s) regulamentar(es) da altura. Aliás, também só mesmo um cepo é que não consegue manejar uma enfield ou qualquer uma das Mausers de dotação. Em caso de falta de munições de artilharia - e tenha a santa paciência - o soldado de artilharia passa a ser de infantaria, por muito que lhe custe. Sou irredutível neste aspecto, e ninguém em convencerá do contrário.
Se não tem meios mínimos, a culpa é das chefias. Dos burocratas fardados. Da chicalhada, corrupta de diversas formas e por diferentes motivos.

Para que fim?
Se os militares se perguntarem para que fim a tentativa de esforço suplementar com o risco de sacrifício pela defesa da sua terra e da memória dos seus antepassados - logo da sua pópria identidade - então temos o caso de má formação e /ou  falta de hombridade (para utilizar esse termo acastelhanado). Não me sinto de todo há vontade para criticar, não tendo vivido esses momentos, mas não consigo deixar de pensar que devem haver padrões mínimos que definem o que é correcto e errado, que separam o bom do mau. Eu procuro orientar a minha vida por esses padrões e espero que outros façam o mesmo. Na minha ingenuidade de "reservista territorial" parto do princípio que, se a sociedade da época não foi capaz de dotar o mancebo de um mínimo de referências (nos séculos passados demonstradamente conseguiu-se), a instituição militar deveria ser capaz disso.

Das entrevistas que tenho lido dos participantes portugueses ainda vivos, vejo quase sempre uma tentativa de justificar e intelectualizar o que para mim não tem justificação, pelo menos por agora.
E vejo que a responsabilidade decisiva parece cabe em grande parte(maior parte?) à fraca qualidade dos oficiais que este país parece produzir (leia-se carreiristas).

Julgo que a Invasão e perda da Índia Portuguesa esconde lições demasiado preciosas para não serem estudadas E aprendidas.

Papatango, em relação Capitão Felgueiras como compreenderá, há crimes que não prescrevem, ao contrário do que nos querem fazer crer os políticos da nossa praça e as p...er... causídicos que os defendem. No caso do Cap.Felgueiras de Sousa estou pouco ligando para a sua reforma. Sem querer o declarar à priori traidor, gostaria de saber efectivamente o que se passou.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

*

papatango

  • Investigador
  • *****
  • 7485
  • Recebeu: 966 vez(es)
  • +4594/-871
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #6 em: Dezembro 22, 2009, 11:22:32 pm »
Luso -> Durante os anos 50, Portugal tentou tornar operacional uma esquadra de caças a jacto e as dificuldades foram tremendas. A artilharia era artilharia de 87.6m, peças que não eram assim tão desactualizadas, aliás os indianos tinham o mesmo tipo de artilharia.

Quanto à munição e ao armamento ligeiro, bem assim como ao caso dos chouriços, não há nada a dizer, realmente ainda está por esclarecer...

Nada do que discutamos no entanto se pode analisar sem olhar para a realidade de 1961. Em Angola tinha havido um massacre, e o direito de um país como Portugal governar um território dependia da sua capacidade de garantir a segurança e o desenvolvimento desses mesmos territórios. Logo, em comparação com Goa, Angola aparecia como um problema mil vezes maior.

Aliás, o oficial responsável pela transferência de parte do dispositivo para África foi Costa Gomes, e a decisão foi vista como adequada. A India tinha-se preparado para invadir Goa, quando invadiu os territórios adjacentes a Damão (Dadrá e Nagar-Haveli) e foi a pressão internacional que impediu os indianos de prosseguir.

Quanto ao material disponivel de «saldo».

Na verdade, os saldos existiram entre 1945 e 1955 no máximo. Lembro que os americanos chegaram por exemplo a voltar a comprar aviões Texan a operadores privados, porque já tinham sido todos vendidos.
Portugal poderia ter comprado uns tanques Sherman, mas de que serviriam contra um exército que tinha carros de combate Centurion  e podia dar-se ao luxo de escolher entre utilizar Centurion, Sherman e AMX-13 recebidos havia pouco mais de dois anos ?
Os submarinos, teriam sido o mais importante navio naquele teatro de operações, mas a marinha indiana tinha acabado de comprar fragatas especializdas na luta antisubmarina, aTalwar e a Trishul.. Um eventual submarino que poderia ser enviado, precisava de uma base, que não existia em Goa, e não existia na costa africana, e mesmo que existisse, estava demasiado longe, porque só os Daphné que foram encomendados em 1964 tinham autonomia suficiente.

Os esforços que foram feitos de última hora resultaram em nada, como foi o caso das peças de 57mm que aparentemente tinham sido distribuidas recentemente e não tinham guarnições treinadas nem munições.

Além disso, o chamado «Plano Sentinela» não parece fazer muito sentido, o que aliás foi afirmado por alguns dos comandantes de esquadrão/companhia. A única hipótese de resistência que desse os oito dias de resistência que Salazar queria, implicava a criação de redutos fortemente preparados para resistir a ataques aéreos e aos ataques da artilharia indiana.
Precisava de artilharia anti-tanque minimamente eficaz, canhões sem recuo, bazookas. Precisava ainda de defesa antiaérea eficaz. Se uma força fica completamente desmoralizada quando é atacada pelos aviões, também se moraliza muito quando vê cair um avião inimigo.
Precisava de uma ou duas baterias de defesa costeira que pudessem responder ao fogo das fragatas indianas.

A questão da moralização das tropas e da vontade dos comandos é também da maior importância. Goa vivia uma modorrenta tarde de sol na estação seca depois da monção.

Além disso, nunca os portugueses na India enfrentaram uma entidade indiana unificada. Começámos a nossa presença numa índia dividida, resistimos ao poder do império Mughal (ou Mogúl segundo alguns), depois enfrentámos o império ou federação Maratha e vivemos tempos quer de aliança quer de guerra com o império de Vijayanagar, que foi um dos nossos aliados na fase inicial. Todos estes impérios estavam em guerra entre eles e isso jogou a nosso favor.

Debatemo-nos pela primeira vez contra um nacionalismo Hindú, em grande medida inventado, como o são muitos dos nacionalismos. As nossas tropas não estavam preparadas do ponto de vista psicológico, e nenhuma tropa resiste aos factores que referi no post anterior em situação de combate.

Ainda assim, há casos de eficiência. As tropas do 1º EREC em Goa, chegaram a ficar praticamente cercadas e recuaram, passando pelas linhas que já estavam em posse de forças inimigas, de forma profissional (a acreditar nos relatos).
Muitas das tropas retiraram em boa ordem, cumprindo ordens, e com apoio de artilharia (caso de Damão).
Em Goa, o plano de retirada funcionou e as tropas chegaram onde se previa, mas quando lá chegaram era suposto iniciarem a resistência. A retirada foi vista como isso mesmo, uma retirada e tropas a retirar nunca deram alento a ninguém.

Como em todos os conflitos, houve gente capaz e gente que não se mostrou à altura. Isso parece-me evidente.

O caso de Goa também representa para aqueles que lideraram o processo de descolonização, um problema. Pois não houve processo de descolonização, a invasão foi tão ilegal quanto a invasão de Timor pela Indonésia, e era preciso justificar essa (mais essa) desistência.
Quando somos dirigidos por gente que acha que se deve negociar com os terroristas, compreendemos melhor o que se passou.
O ministro dos negócios estrangeiros recebeu uma carta de um cidadão de Goa, que está transcrita no livro «A queda da Índia Portuguesa» cuja leitura recomendo.

Infelizmente, para mim, que votei três vezes no individuo que representava a política externa portuguesa naquela altura (das quatro que ele apareceu no boletim de voto), só posso dizer que me enganei.
Hoje, estou infelizmente convencido para lá de qualquer dúvida razoável, que dei o meu voto a um patife !

Mas a História não se escreve na sequência dos acontecimentos. Só agora ela começa a ser escrita.

Compete aos que vêm depois decidir quem ficará na História como Herói, e quem ficará na História como traidor, ou pior como um reles canalha...


Só o tempo o dirá
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

*

Luso

  • Investigador
  • *****
  • 8530
  • Recebeu: 1623 vez(es)
  • Enviou: 684 vez(es)
  • +940/-7277
Re: Invasão de Goa: dúvida sobre episódio
« Responder #7 em: Janeiro 10, 2010, 03:04:40 pm »
Mais uma curiosidade históriaca...

http://combustoes.blogspot.com/2010/01/ ... -pela.html

Coisas da Ásia: Bose e os "lutadores pela liberdade" goesa

"Dear Passengers, please fasten your seatbelts, we are about to land at Netaji Subhash Chandra Bose International Airport". Esta informação é anunciada a todos os passageiros do voo Bangkok-Kolkata (Calcutá) e, traduzida para português daria um surpreendente "senhores passageiros, apertem os cintos de segurança, pois dentro de minutos aterraremos no aeroporto internacional Führer Subhash Chandra Bose".

Subbas Chandra Bose foi o mais amado dos líderes independentistas indianos. Ao contrário de Gandhi, muito querido pelos ocidentais, que o inscrevem na sagrada família dos santos laicos, juntamente com Erasmo, Luther King e Mandela, mas figura controversa entre os indianos, Bose é, por antonomásia, "o chefe". Líder do Partido do Congresso, não pregou a não-violência, mas o derrube do Raj britânico pelas armas e um dos seus aforismos mais glosados era "dêem-me sangue e dar-vos-ei a Liberdade". Fugiu da Índia no início da guerra e chegou a Berlim após ter sido hóspede de Estaline. No longo périplo pelas capitais da aliança continental anti-ocidental (Moscovo, Berlim, Roma), Bose foi aclamado como paladino da luta dos indianos pela independência e recebeu honras de chefe de Estado. Quando Singapura se rendeu aos japoneses, Bose recebeu pleno apoio de Tóquio para lançar o INA - Exército Nacional Indiano - que combateu na Birmânia e participou na última ofensiva nipónica de 1944. Morreu 1945, em circunstâncias misteriosas quando o seu avião se despenhou algures no trajecto entre Singapura e Tóquio, dias após o anúncio da capitulação japonesa. Em sua memória foram editadas emissões numismáticas e filatélicas, antologias de escritos e discursos e recentemente um filme que concitou grande interesse entre o público indiano: Bose, the fotgotten hero.

Um dos seus irmãos, Sarat Chandra Bose, sobreviveu à guerra e foi líder do Partido Republicano Socialista - uma versão aggiornata do proscrito partido fascista de Subbas - tendo sobraçado pasta ministerial no primeiro governo de Nehru. Adepto de soluções expeditas para a anexação de Pondicherry, Goa, Damão e Diu, foi protector dos chamados "lutadores pela liberdade" que precipitaram a invasão dos territórios do Estado Português da Índia em 1961. Entre os seus amigos contava-se Tristão de Bragança e Cunha, engenheiro formado em França, de eclética formação ideológica fascista-leninista e que desde finais dos anos 30 era o representante de Bose em Goa.
Eis um secretíssimo e políticamente incorrecto pormenor da história dos últimos anos da Índia Portuguesa: a invasão foi inspirada pelo princípio fascista boseano da "guerra justa" para a construção de uma "nação indiana" - leia-se hindú - onde todas as minorias (muçulmana, católica, sikh) seriam toleradas, mas consideradas estranhas à tradição indiana.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...