300 militares aprendem a combater "um adversário que não tem medo"
Rita Carvalho
Gonçalo Santos
Formação
Expectativas
O barulho é ensurdecedor. E o vento gerado pelas pás do helicóptero torna a situação mais desconfortável. Vinte metros separam do chão o militar que, preso a um cabo, se prepara para descer em rappell. O momento é de nervosismo. Mas o exercício serve para isso mesmo, aprender a gerir a tensão. Daqui a uns meses a realidade será bem mais intimidatória. No solo haverá chamas. E sobre esta força de elite recairá a expectativa de um País que espera um ano menos devastador em matéria de fogos florestais.
Após a descida, a equipa de oito elementos recolhe as ferramentas e reúne-se em formatura. O chefe do grupo dirige para o céu o gesto que confere o OK à operação e prepara o passo seguinte. No GPS regista as coordenadas e traça o percurso. O grupo começa a andar em passo acelerado pelo mato e o helicóptero desaparece no horizonte.
O exercício de helicordagem encerra mais um dia de treinos na Escola Nacional de Bombeiros, na Lousã. O sol brilha com intensidade e as temperaturas estão amenas, mas a chuva dos dias anteriores inviabilizou o momento mais aguardado por formadores e formandos: o contacto directo com o fogo e a simulação de toda a operação.
Mesmo sem este dia de fogo, os 46 sargentos estão prestes a terminar a formação de três semanas. Em Março, juntar-se-ão aos outros 250 elementos da GNR que compõem os GIPS, grupos de intervenção, protecção e socorro. Mais dois meses de treino em Portalegre e esta força especial estará operacional, garante o capitão Tavares, um dos responsáveis do curso.
Cada equipa actuará com o apoio de um helicóptero, por isso os militares aprendem a manejar o balde de transporte de água. O briefing cabe ao piloto; os militares, dispostos em círculo, ouvem atentamente as explicações e colocam questões antes de iniciar o treino. Cada equipa ensaia a aproximação ao helicóptero, a colocação do balde e das ferramentas no cesto. A operação é aparentemente simples, mas um passo em falso pode pôr em causa a segurança da equipa. Em terra, o tenente Maia Morgado corrige falhas e esclarece dúvidas.
Depois de as seis equipas terem sido transportadas no aparelho, despejadas na encosta da serra da Lousã e depois resgatadas, acabam os exercícios da manhã. Para os instrutores, "todos se estão a portar bem, basta apenas limar arestas".
Nesta fase final do curso, aplicam-se os conhecimentos adquiridos nas semanas anteriores: tácticas de combate ao fogo, procedimentos a ter em conta, utilização do material e regras de segurança. Nas simulações os formandos constatam a teoria ensaiada no laboratório, como os efeitos do vento e do declive na progressão das chamas.
Curiosamente, a água não é o principal elemento de combate nesta primeira intervenção ao fogo, um "adversário que não tem medo", como diz Jorge Marques, militar habituado a outro tipo de adversários enquanto elemento de um posto da Guarda. As ferramentas para conter as chamas ainda em fase nascente - nos primeiros 15 minutos - são pás, batentes, uma espécie de ancinhos e apenas 20 litros de água numa mochila.
O sucesso da contenção do fogo depende da rapidez e da dinâmica da equipa, onde cada um tem uma função específica. Ao fim de 25, 30 minutos a equipa abandona o local. Se não for possível extinguir o foco de incêndio, o comando das operações fica nas mãos dos bombeiros.
"Uma missão nova, nobre e que vai contribuir para ajudar a resolver um problema do País." Josefa Cabral, 30 anos, resume com esta expressão a motivação que a fez integrar os GIPS. Depois da Força Aérea, onde foi bombeira de aeronaves, e de, já GNR, ter trabalhado na investigação criminal, busca nesta missão o entusiasmo que qualquer coisa nova desperta. "O friozinho na barriga é inevitável quando se está prestes a descer do helicóptero." E o risco existe, assegura, mas é contornado pelas regras de segurança.
A opinião é partilhada por Filipe Cruz, 29 anos e um currículo de missões internacionais invejável: Balcãs, Timor e Iraque. "O risco é relativo, temos é de saber adequar-nos a ele." Aqui é o fogo, num cenário de guerra podem ser os atentados.
A camaradagem é o segredo do êxito da missão, garante. "Se não temos confiança no outro que está ao nosso lado, a equipa não funciona", acrescenta João Matos, que há uns meses patrulhava a serra da Arrábida de moto, e agora está prestes a lançar-se no desconhecido.
"É uma forma de ser profissional", remata Filipe Cruz, para quem a situação é simples: "Foi dada à Guarda esta missão. Vamos fazer o nosso melhor e não vamos falhar de certeza." A confiança e o moral estão no topo, embora para trás fiquem familiares, amigos e férias de Verão. A interacção com os bombeiros não os preocupa, porque garantem que ambos querem ajudar a "salvar o País", mas algumas vozes também agoiram conflitos.
http://dn.sapo.pt/2006/02/26/sociedade/ ... er_um.html