Resistir à Pilhagem

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dremanu

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Resistir à Pilhagem
« em: Março 04, 2004, 05:51:42 pm »
No "Expresso" de 14 de Junho, de 2003, foi publicado um editorial com o título "Resistir à Pilhagem", no qual se pode nomeadamente ler o seguinte:

"A morte da pesca num país de mar como Portugal, seja por obra de políticas nacionais suicidas ou por imposições de Bruxelas - em obediência aos interesses dos mais fortes e, neste caso particular, aos de Espanha - é mais do que um problema económico: é um acto contranatura e correspondente a uma descaracterização forçada da própria identidade nacional.

Se há uma batalha política que vale a pena travar é, pois, a de resistir por todos os meios a esta ameaça de pilhagem infrene do mar português."

Face a este editorial enviei ao "Expresso" uma Carta ao Director que, dada a relutância anteriormente manifestada por esse jornal de dar espaço a quem critique a União Europeia, não deverá conhecer a luz do dia. Por isso aqui vai ela:

"O “Expresso” de 14 de Junho traz um interessante editorial não assinado, com o título “Resistir à Pilhagem”. Interessante sobretudo por ser um reconhecimento, raro entre nós, de que há “algo de podre no Reino da Eurolândia”...

Incidiu o comentário sobre os mais recentes acontecimentos ligados às políticas comuns agrícola e de pescas, em que Portugal está a ser injustamente penalisado. Só posso concordar com a crítica feita, mas estranho que o articulista não tenha aparentemente percebido que aquilo que critica não é um acidente, mas sim a própria essência da União Europeia. Nós gostamos de pensar que a União Europeia é um espaço de liberdade, um desígnio nacional e europeu, uma manifestação de reconhecimento de interesses comuns e a construção de um grande espaço de solidariedade. Provavelmente seria isso que a Europa devia ser, mas, na realidade, pouco ou nada tem desse ideal.

A União Europeia é um aglomerado de estados com profundas diferenças históricas que vêem na União Europeia apenas um meio para promover o seu interesse próprio. Nessa Europa todos querem tirar mais do que põem, o que é uma impossibilidade matemática. Profundamente enraizada num modelo liberal, a Europa é um campo de batalha – não sangrento mas nem por isso menos violento – em que só os mais fortes ganham. Por isso a Espanha actua contra nós com a insensibilidade própria dessa selva, e a Comissão europeia – e os Conselhos de Ministros – se colocam do lado do mais influente. Na Europa esmagam-se os pequenos em benefício dos grandes na mesma lógica com que os países desenvolvidos saqueiam os países subdesenvolvidos. Tudo em nome da liberdade.

Compreende-se que protestemos contra este estado de coisas. Mas como esta é a essência da União Europeia, só resolvemos definitivamente o problema se dela sairmos. Se percebermos que o importante na Europa é o comércio livre, mas não o sacrifício das soberanias (apenas das mais pequenas, claro está...), percebemos que temos uma alternativa à União Europeia, que é o Espaço Económico Europeu, segundo o acordo subscrito no Porto em 1992. Nesse Espaço salvaguardamos o nosso interesse económico sem termos de sacrificar os nossos interesses vitais. Nesse Espaço ninguém atenta contra a nossa ZEE nem nos proibe de produzir os produtos agrícolas para os quais temos vocação natural. Nele perderíamos os fundos de coesão, mas quem é que acredita que eles se vão manter?

É altura de deixarmos de ser os tontos da Europa, os únicos que acreditam numa falsa solidariedade, e que sistematicamente sacrificamos os nossos legítimos interesses em nome de uma fantasia em que mais ninguém acredita.

Texto de:
Nuno Cardoso da Silva
(Professor Universitário)
"Esta é a ditosa pátria minha amada."