Presidente do Instituto Sá Carneiro exige demissão de Moedas após elogios ao FMICarlos Santos Neves, RTP 10 Jan, 2013, 08:04 / atualizado em 10 Jan, 2013, 08:52
O abandono da orgânica do Governo é, para o dirigente do PSD Carlos Carreiras, a única “atitude” a tomar pelo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, depois de Carlos Moedas ter feito a apologia do relatório em que o Fundo Monetário Internacional propõe cortes transversais na despesa do Estado. O presidente social-democrata da Câmara Municipal de Cascais recorreu nas últimas horas às redes sociais para sugerir a Moedas o caminho da demissão e sublinhar que “não há dinheiro, mas também não há paciência”. Uma posição entretanto reforçada pelo ex-autarca António Capucho.
Depois de ter avaliado como “muito bem feito” e “muito trabalhado” o relatório sobre os cortes de quatro mil milhões de euros na despesa pública comissionado ao Fundo Monetário Internacional, Carlos Moedas deve deixar o Governo e mesmo a vida política. É o que defende o autarca de Cascais Carlos Carreiras, que preside também ao Instituto Sá Carneiro, por convite do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.
“Um membro de um qualquer Governo que tem a ‘inteligência’ de produzir uma afirmação desta natureza, perante um relatório com este teor, só pode ter uma atitude – abandonar as funções governativas, deixar a política e assumir que aspira a ser consultor técnico”, escreveu ontem na sua página do Facebook o presidente social-democrata da Câmara de Cascais.
Para ilustrar o texto, Carlos Carreiras fez uma hiperligação para um artigo da edição online do semanário Sol que reeditava uma notícia da agência Lusa com o título “Relatório é muito bem feito e envolveu consultas ao Governo”.
Numa outra entrada, o presidente do Instituto Sá Carneiro deixa uma pergunta:
“É legítimo pensarmos que se o FMI afirma que as medidas agora propostas são as “mudanças inteligentes’ todas as outras que sugeriram até agora foram as ‘estúpidas’? Não Há dinheiro, mas também não há paciência”.“Intervenção do secretário de Estado é indecorosa”
A Antena 1 procurou obter mais esclarecimentos por parte de Carlos Carreiras, mas o autarca não quis acrescentar nada ao texto publicado na Internet. Já António Capucho, um histórico social-democrata há muito incompatibilizado com a direção de Pedro Passos Coelho, subscreveu as críticas a Carlos Moedas, notando que a erosão de apoios ao Governo está a agudizar-se dentro do próprio partido do primeiro-ministro.
“A intervenção, de facto, do secretário de Estado adjunto é indecorosa, como é indecorosa a encomenda do Governo ao FMI de um relatório, em lugar de ser ele a, digamos, liderar o processo de discussão e de debate sobre a reestruturação do Estado”, começou por avaliar o antigo conselheiro de Estado.
“Aquilo que me parece é que até um indefetível deste Governo, o senhor presidente da Câmara de Cascais, doutor Carlos Carreiras, que chegou a falar deste Governo como o verdadeiro governo de salvação nacional, que foi sempre alguém colado ao senhor primeiro-ministro, enquanto presidente do PSD e primeiro-ministro, vem fazer essas declarações públicas. Revela o estado a que este Governo chegou”, afirmou Capucho à rádio pública.
Na origem destas críticas está o tom da conferência de imprensa protagonizada na tarde de quarta-feira pelo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Na sequência da publicação do relatório do Fundo Monetário Internacional no portal do Governo, Carlos Moedas desdobrou-se em elogios ao trabalho dos técnicos da instituição, que fora já desvendado nas páginas do Jornal de Negócios, e apelou à participação de forças sociais e políticas na reforma do Estado.
“A importância deste relatório é que realmente é um relatório quantificado, é um relatório muito bem feito, muito bem trabalhado, e que eu espero que seja lido por todos, pelos partidos políticos, pela sociedade civil em geral, porque ele é muito importante”, sustentou Moedas. Para acrescentar: “Obviamente, poderá ter erros factuais ou não, esperemos que não, mas ele é um trabalho muito completo, um trabalho que demorou muito tempo, que foi feito através de consultas ao Governo português, que é um olhar exterior, mas um olhar informado”.
Uma conferência de imprensa “patética”
A intervenção de Carlos Moedas deixou patente, por outro lado, uma aparente dissensão no seio do próprio Executivo a propósito do conteúdo do trabalho do FMI. Na antecâmara da conferência de imprensa do secretário de Estado, o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, afirmava que o relatório apresentava “sugestões” e não “decisões”. E que “algumas dessas sugestões partem de pressupostos que estão errados”.
“Estão a falar de um documento que não é um documento final nem é um documento oficial do FMI, por isso mesmo não foi sujeito a uma avaliação por parte do Governo Português”, disse o governante e dirigente do CDS-PP, questionado pelos jornalistas à margem de uma deslocação a Seia.
O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro alegaria, mais tarde, que o ministro ter-se-ia referido “a alguma versão preliminar ou a algum ponto que não faz parte da versão final que é agora pública”. Carlos Moedas argumentaria também que o trabalho discutido ao longo da manhã de quarta-feira não correspondia à “versão final do relatório que foi entregue” ao Governo.
Entre a Oposição, não tardaram as críticas quer ao documento do FMI, quer às palavras de Moedas. Se o PS, através do secretário-geral António José Seguro e em seguida do líder parlamentar Carlos Zorrinho, declarou total indisponibilidade para dar luz verde aos cortes, o PCP disse esperar uma versão do documento em Português e o Bloco de Esquerda denunciou “um brutal ataque” ao Estado social e à Constituição da República.
Classificando de “patética” a conferência de imprensa do secretário de Estado, Carlos Zorrinho reforçou a posição assumida por Seguro, para quem o Governo de Passos Coelho “não tem mandato” para proceder a reformas com o escopo prescrito pelo FMI. E ironizou: “Começámos por ter conhecimento destes cortes por um comentador, depois tomámos conhecimento deste estudo do FMI por um jornal, a seguir tivemos vários membros do Governo a pronunciarem-se sobre este estudo de forma contraditória e agora o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro vem dizer que, embora este não seja um relatório do Governo, é um estudo muito bom”.
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