Pedro I, peço-lhe que me explique uma coisa, uma vez que me parece que trabalha na área.
Caro Miguelbud como já disse uma vez venho mais a este fórum para “explicar” do que “ensinar” pelo fico sempre contente por poder elucidar alguém neste fórum em áreas que me são familiares. Relativamente ao trabalhar na área apenas acrescento que sou formado em Gestão de Transportes Ramo – Marítimo-Portuário, estando fundamentalmente ligado ao comércio de contentores marítimos (à caixa metalica em si) sendo que por inerência também faço certificação de contentores, agenciamento de cargas, consultadoria em transportes, etc. Não faz de mim um especialista mas é só para não pensarem que sou um farmacêutico a falar de agricultura com termos técnicos.
O actual desinvestimento do TGV vai tornar os actuais investimentos do porto de Sines um elefante branco ou nao?
Como é habitual na comunicação social em Portugal dá-se uma notícia e depois faz-se muito barulho.
Qualquer ligação entre o TGV, Sines e o transporte de mercadorias é pura ficção. (ponto!) O TGV é apenas e só para transporte passageiros, é extremamente rápido, extremamente “leve” e extremamente caro.
Pensemos o seguinte eu quero hoje (23/03/12) marcar uma viagem a Madrid em Junho com ida a 29 e vinda a 30, vou considerar que a duração do voo ou do TGV é a mesma entre sair de casa e chegar ao hotel e vice-versa:
Pela Easyjet: 66.98€
Pelo TGV: 200€ quando o governo admitiu que o TGV estava enterrado (por enquanto pelo menos), primeiro como pessoa ligada aos transportes e depois porque o TGV certamente seria deficitário e daqui a anos teríamos mais uma empresa pública, privada ou ambas com um buraco gigante que o Estado mal ou bem iria tapar.
Agora relativamente as mercadorias podemos considerar que a ideia de que na mesma linha possam circular TGV e mercadorias alternadamente é utópica, uma composição de mercadorias contentores leva 48 contentores de 20’, cada contentor 20’ pode carregar incluindo a tara cerca de 30tons, dando de barato e fazendo as contas a 25tons:
48 x 25 = 1200tons
Segundo a wikipedia o peso de uma composição TGV andara entre as 380 e 752tons
Uma linha que é feita para suportar 700tons não pode ser a mesma linha 1200tons, da mesma forma que por 1200tons de comboio a andar a 300km/h deveria ser qualquer coisa de genial.
Isto para dizer que há uma serie de aspectos técnicos que impedem ou dificultam para lá do aceitável operacionalmente utilizar a mesma linha para o TGV e para as mercadorias.
O problema do transporte de mercadorias em Portugal, e na Europa, têm um nome que é Prioridade.
Na lista de prioridades dos comboios no meu tempo de escola era qualquer coisa do género:
Rápidos de Passageiros (Alpha)
Rápidos de Passageiros (Intercidades)
Internacionais (Sud Express)
Militares (Regional de sexta-feira que quando era miúdo era o meu comboio preferido porque era rara a vez em que não havia pancadaria entre unidades e ouviam-se historias de partir o coco a rir.)
Regionais/InterRegionais
Suburbanos
Mercadorias
Manutenção
Daí que seja para quem de comboio usual ver-se comboios de mercadorias parados um pouco por todo lado. Segundo umas contas que fizemos nos tempos de faculdade a velocidade média de um comboio de mercadorias numa viagem era de 40Km/h quando em circulação a media eram os 100km/h única e exclusivamente porque passava mais tempo parado a espera de ramal do que a “andar”.
Se querem aumentar a competitividade do país em geral e do transporte ferroviário em particular esqueçam o TGV e construam linhas dedicadas para mercadorias em bitola europeia que liguem os portos aos eixos de mercadorias europeus, sai mais barato e o retorno é muito maior.
A última coisa que o porto de Sines precisava era de TGV’s a tirar prioridade aos comboios de mercadorias que saem e entram em Sines pelo que e finalmente respondendo a tua pergunta o desinvestimento no TGV é no minimo menos mau para Sines.
O facto de termos uma ferrovia convencional em bitola europeia é o suficiente para podermos concorrer com Valência e Algeciras?
Caro Miguebud isto é toda uma outra questão.Primeiro aparte: Portugal e Espanha têm a mesma bitola (bitola Ibérica) pelo que a bitola em termos de “competição” não altera nada. (Têm no entanto sistemas de condução e controlo diferentes mas para isso basta mudar de locomotiva.)
Segundo aparte: Sempre que ouvires alguém a dizer que os portos portugueses devem competir com os espanhóis ou Sines deve competir com Lisboa ou qualquer conversa que misture portos e competição pensa “Estes gajos não percebem um boi desta m…..” principalmente se forem políticos do Governo, da Oposição, da Esquerda ou a tipa que está a frente do porto de Sines. O transporte de mercadorias e uma questão de fluxos de carga de onde há oferta para onde há procura e os fluxos correm sempre por onde é mais fácil. O que se confunde muitas vezes é “facilidades” com “custos” com “concorrência”.
Por exemplo a MSC (companhia de navegação) que tem a exclusividade de operação em Sines trazendo Navios enormes onde a oferta de carga é concentrada (China) descarrega tudo em Sines e espalha a carga em Navios pequenos (também conhecidos por feeders) para onde a procura é dispersa (Lisboa, Porto, etc.) ou então volta a concentrar para destinos terceiros.
Ainda assim todas as semanas há um Navio da MSC que vem da América do Sul directo a Lisboa porque…………….. compensa! A tanta procura em Lisboa por carga da América do Sul que compensa ter um Navio médio (4000/5000Teus) a vir a Lisboa todas as semanas pelo mesmo raciocínio podemos inferir que não compensa trazer um Navio enorme (12000/15000teus) directo da China para Lisboa, tudo tem a ver com economias de escala.
É normal igualmente haver alguma confusão com os tipos de portos. Nem todos os portos são iguais, Lisboa é hoje em dia essencialmente um porto de importação, Leixões podemos considerar um porto misto, Sines é e sempre foi desenhado para ser um porto maioritariamente de transhipment ou baldeação ou hub, porque no fundo as cargas que se movimentam no porto de Sines não vão nem vem de Sines. “ai e tal e as cargas que saem do porto de comboio para Lisboa e Espanha? “ ora bem são baldeação à mesma só por dizer que a baldeação é feita para outro modo de transporte.
Assim estar a por Sines, Algeciras e Valência todos no mesmo saco é complicado, se bem que Valência também faça muito transhipment (vai-se a ver e é da MSC também :lol: ) ou seja quando o Cervantes tirar o rabo do pórtico porque o turno acabou já lá está o Pablo para começar a trabalhar.
Em Portugal como deve compreender meia hora antes de o Manuel acabar o seu turno tira o rabo do porticoa e vai para o vestiário entretanto o Joaquim chega espera pelo Manuel para discutir o fora de jogo do Hulk, pelo que o Joaquim só se senta na cadeira passado meia hora do turno começar, nisto passou-se uma hora em que o pórtico teve parado.
Estou a exagerar mas isto acontece, com mais ou menos exagero da minha parte, todos os dias.E o que são 4 movimentos por hora? Como escrevi numa resposta na página 4 desta thread um bom porto faz entre 50 a 120 movimentos por hora por cais de atracação, ora cada cais de atracação para fazer 50 movimentos tem pelo menos 3 pórticos a fazer 16 (e uns trocos) movimentos por hora. Vamos agora supor que temos um Navio que vai operar e descarregar 1000teus e carregar outros 1000teus:
Logo 2000 movimentos a dividir por 3 pórticos a 16 movimentos por hora temos aproximadamente 41horas, se o porto trabalhar 24 sobre 24 e considerarmos que os turnos de estiva são 6 horas
certas vamos precisar de 7 turnos de estiva.
Mas e se cada pórtico fizer + 4 movimentos:
Temos 2000 movimentos a dividir por 3 pórticos a 16 movimentos por hora temos aproximadamente 33horas,
são menos 8 horas, se o porto trabalhar 24 sobre 24 e considerarmos que os turnos de estiva são 6 horas
certas vamos precisar de 5,5 turnos de estiva.
A questão é:
Imaginam quanto é que não custam 8 horas de um Navio parado em porto e ainda mais quanto é que não custa um turno e meio de estiva?
São contas que eu nem me atrevo a fazer…… mas juntem estes custos a um comboio que só “anda” a 40km/h e venham-me falar de tornar os portos Portugueses competivos. Quantos governantes e administradores dos portos vocês já ouviram falar em TGV’s, OTA’s, Janelas Únicas Portuárias, Vias rápidas de acesso aos portos, Bitolas, Aeroportos de Beja?
Quantos é que já ouviram falar em reformular o trabalho portuário?
?
Caro Miguelbud acho que se calhar compliquei em vez de descomplicar mas isto do transporte não é nada linear.