Ora, as tropas espanholas eram isso mesmo: destacamentos das forças militares da Coroa de Espanha (leia-se profissionais e não mercenários) em Portugal. Esta foi, aliás, uma das principais violações dos Acordos de Tomar assinados em 1581 na investidura de Filipe II enquanto D. Filipe I de Portugal, ou seja, a ausência de tropas estrangeiras da força dominante. Obviamente, sem essas tropas, nunca teria sido possível à Coroa de Espanha dominar Portugal.
Meu caro João Vaz, permita-me que em primeiro lugar coloque as coisas no seu contexto:
Em 1589 não havia nenhuma Coroa de Espanha.
Não havendo Coroa de Espanha, logo não poderia haver tropas da Coroa de Espanha.
Em segundo lugar, no século XVI, o soldado profissional é por natureza e definição um MERCENÁRIO.
As tropas mercenárias, são constituídas por soldados de Elite, que têm a guerra como profissão.
É a primeira coisa que deve entender quando estuda a guerra no século XVI. O Mercenário, é o soldado de Elite, porque evidentemente ninguém paga a um mercenário se ele não for um bom soldado e não tiver experiência.
Portanto, não entendo a sua expressão «leia-se profisionais e não mercenários».
No século XVI não há tropa profissional que não seja mercenária. Mercenário, é o nome que se atribui ao militar que vende os seus serviços como militar a um senhor. No século XVI e até ao século XIX não há o conceito de Nação e de serviço à Nação. Há apenas o conceito de serviço ao Senhor. Seja Rei, Duque, Conde ou Bispo.
Desde o período de Carlos V, que a maior parte das tropas de elite da Coroa dos Habsburgos são militares mercenários católicos de origem germânica.
Fora os militares de origem germânica, havia também bastantes italianos dos estados do Sul de Itália além de holandeses católicos (ou flamengos para ser mais correcto).
Na Península ibérica, a principal força militar da Coroa de Castela e Leão (A principal potência militar de entre os países da península ibérica) era constituída por Galegos.
A Galiza era uma região rica em termos de agricultura e por isso tinha uma grande densidade populacional. Mas como havia muita gente, os segundos, terceiros e restantes filhos não herdavam e isso levava-os a imigrar, sendo o serviço militar uma das soluções.
Dos reinos da Coroa de Aragão não havia grande numero de militares para forças terrestres. Tanto a Catalunha como o reino de Valência eram Talassocracias, muito mais interessadas em aumentar e manter o seu poder naval. Normalmente mandavam o rei em Madrid dar uma volta quando este pedia dinheiro para tropas.
É por isso que a Coroa de Castela é praticamente a única que contribui sempre para o esforço militar. É assim desde Carlos V, que fala dos «meus pobres e fiéis súbditos castelhanos», os únicos que ainda pagam as despesas dos seus exércitos.
É também isso que explica as revoltas separatistas da Andaluzia em meados do século XVII, protestando contra a injustiça a que os castelhanos estavam submetidos, por pagarem muito mais que os outros reinos da Coroa dos Habsburgos.
A força de ocupação espanhola era formada nem mais nem menos do que por alguns dos famosos Tercios, ou Terços em português, e dividiam-se em companhias, das quais existem dezenas de "livros de mostra" no Arquivo da Torre do Tombo contabilizando mês a mês os efectivos e os pagamentos, a nível individual e pormenores quanto às movimentações das companhias e dos Tercios
Como você mesmo disse, uma das exigências nas Cortes de Tomar era que o Reino continuasse a ter as suas próprias defesas e forças. Em parte isso aconteceu e é por isso que havia muito poucas tropas directamente dependentes da Coroa em Portugal.
Aliás, não acha estranho que tendo em 1589 a Coroa dos Habsburgos problemas tão graves (a coroa estava praticamente falida por causa das despesas com a Armada), conseguisse ainda assim dinheiro para sustentar os Terços em Portugal ?
E se essas forças eram realmente poderosas, e os documentos a que alude não constituíam apenas (confirmando a ilustre tradição portuguesa de roubar utilizando a burocracia) um artifício para justificar o envio de ouro desde Madrid para Lisboa para os braços da nobreza corrupta, então porque D. Teodósio, Duque de Bragança, armou primeiro um exército de 6.000 homens e depois um segundo exercito de 13.000 às suas próprias custas (pago pela Casa de Bragança) para defender o Reino ?
(in Oliveira Martins, Guimarães Editores p.308).
As forças comandadas pelo Duque de Alba, enviadas contra Portugal em 1580, eram sem dúvida forças poderosas, constituídas pelos melhore mercenários alemães e italianos, MAS NENHUM EXÉRCITO mantém uma força de elite numa região ocupada, ainda mais quando conseguiu através da corrupção, comprar a nobreza mais influente.
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Tanto os oficiais, como os soldados da maioria dos Tercios eram espanhóis. Existiram, como sempre sucedeu ao longo de Quinhentos, companhias e até Terços inteiros de tropas alemãs e italianas, com algumas companhias soltas de flamengos, irlandeses e escoceses (estes sim, não regulares mas a sua força era mínima).
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Será como diz, mas veja o que nos diz Domingos Ortiz na sua obra «três milénios de História de Espanha»:
«En los momentos culminantes España llegó a tener en Flandes cerca de ochenta mil hombres, pero apenas la tercera parte eran españoles;
el resto, italianos, alemanes y flamencos, y a finales del siglo también ingleses e irlandeses.
Era la mejor fuerza armada que había en el mundo, pero profesional, costosa; si faltaban las pagas se relajaba la disciplina, se producían motines y a veces se produjo el lamentable espectáculo de los saqueos de ciudades; el más famoso, el de Amberes en 1576,consecuencia directa de la bancarrota estatal del año precedente, que había bloqueado el envío de numerário.Quer dizer-nos o que aconteceu em termos de pagamentos às tropas reais exactamente no ano de 1589, aquando do ataque dos ingleses e relacionar o ocorrido com o paragrafo em que o historiador espanhol afirma que quando não recebiam pagamento as tropas eram indisciplinadas e chegavam a saquear as cidades ? ? ? ?
Quer relacionar o facto com a urgente tomada de posição de Dom Teodósio, organizando à pressa um exército constituido exclusivamente por portugueses para atacar os ingleses ?
Se alguns dos famosos Tercios de elite estavam em Portugal, numa altura em que a coroa cortava nos salários porque estava quase falida, não acha estranho que o homem mais rico da península ibérica tivesse que pagar um exército do seu próprio bolso ?
Lembre-se que falamos de 1589, um ano a seguir à derrota da armada invencível e não de 1580. As tropas de elite de 1580/1581 foram-se todas embora após a saída do rei em 1583 (se não me equivoco).
A ideia de que os portugueses não participaram no conflito é apenas resultado da tradição histórica da Espanha castelhana de menosprezar qualquer participação militar portuguesa em todo e qualquer acontecimento. Essa tradicional arrogância que às vezes chega a roçar o patético por parte dos espanhóis, também tem que ser considerada por nós quando analisamos este tipo de temas.
A coroa castelhana (sobre a qual recaia o peso das despesas militares de toda a coroa, já desde o tempo de Carlos V - como o próprio Carlos V afirmava ) estava falida e era incapaz de pagar aos mercenários para defender qualquer área de Portugal. Por isso, só quem poderia ajudar a manter o Satus Quo eram as elites portugueses, com a Casa de Bragança à cabeça.
Esta afirmação não encontra qualquer fundamento nas análises históricas nem nos extensos fundos de arquivos investigados. Além de ser confuso (não houve "mercenários", mas sim forças regulares da Coroa de Espanha em Portugal),
Quanto aos mercenários, creio que deverá analisar um pouco a História Militar. Ou então devemos tentar definir o que é para si um mercenário.
Peço que não leve a mal a minha impertinência, mas mais uma vez, a maior parte dos livros que li sobre a Espanha e a História de Espanha, todos apontam no sentido de a Coroa de Castela e Leão, ter sido o principal sustentáculo económico das aventuras militares de Carlos V e de Filipe II.
Isto prende-se com o facto de o rei em Madrid não ter por exemplo acesso aos direitos aduaneiros cobrados nos seus restantes domínios.
O tradicional erro que nós portugueses cometemos, é não tentar entender a Espanha do século XVI. Em Aragão, por exemplo, Filipe II pouco podia cobrar de impostos. Em Portugal nem se fala.
Em 1588, a armada foi mandada sair, porque só o seu aparelhamento, praticamente todo feito às custas da Coroa de Castela estava a consumir cerca de 80% dos impostos cobrado aos castelhanos (A coroa de Castela e Leão arrecadava uma média de 900.000 ducados por mês em impostos e desse dinheiro, 700.000 ducados eram enviados para Portugal todos os meses para sustentar a armada ).
A armada saiu com enormes faltas de material, porque pura e simplesmente a coroa estava praticamente falida e não tinha mais dinheiro. (A fonte não é de origem espanhola, é apenas o livro de Augusto Salgado e João Pedro Vaz sobre a armada Invencivel da "Tribuna da História", 2004, que até tem o patrocinio do Instituto da Defesa Nacional). A Fazenda Real, declarou bancarrota em 1557 em 1575 e em 1596, mas os problemas financeiros e as dificuldades de pagamento eram endémicas.
No ano seguinte à derrota da armada a situação financeira era muito complicada e naturalmente o dinheiro para as tropas nas regiões menos importantes e consideradas mais seguras era tudo menos prioritário.
Só isto explica a necessidade de recorrer às tropas locais de D. Teodósio, o Duque de Bragança.
Não eram evidentemente tropas de elite, mas foram o suficiente para mostrar aos ingleses, que quem conseguia reunir forças eram os partidários do rei espanhol.
A situação continuou a degradar-se continuamente, com a cobrança de mais e mais impostos que seriam pagos pela Coroa de Castela, ainda na última década do século XVI.
No século XVII, para tentar aliviar a pressão sobre a depauperada coroa castelhana, tentou-se a famosa lei da "união de armas" e a partir daí, foi o colapso.
Nós não fomos ocupados pela Espanha durante 60 anos. As nossas elites optaram por «chular» os castelhanos até ao tutano. Quando Castela estava seca e já não dava nada e ainda por cima começaram a pedir às nossas elites que pagassem impostos, então apareceram os nobres nacionalistas e proclamaram a independência.
Também não creio que encontre nenhuma evidência documental disto.
Mas eu acredito que nós também vivemos de mitos e a realidade não é facilmente aceitável pelo nosso ego. Habituamo-nos a dizer que fomos invadidos pelos espanhóis, e parte do nosso sentimento nacionalista a partir da quarta dinastia baseou-se nisso.
Se contestamos isso, ficamos sem nada. O país continua a ter razão para existir, o problema é que fica complicado explicar as razões ao maralhal.
Afinal, somos um povo que se habituou a viver de expedientes, a roubar os outros (periodo romano) a roubar os mouros (reconquista) a invadir as terras dos outros (invasão de Ceuta), a roubar as riquesas dos outros (império da India), a viver dos impostos que os outros pagavam (dinastia Filipina) a explorar o trabalho dos outros (Império do Brasil) e a viver de dinheiro emprestado (União Europeia).
Trágico ...