Os heróis esquecidos da nossa história

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General José Celestino da Silva
« Responder #75 em: Abril 10, 2010, 07:36:26 pm »



O General José Celestino da Silva era natural de Vilar de Nantes,Concelho de Chaves,onde nasceu em 6 de Janeiro de 1849.Oficial de Cavalaria 6 até ao posto de Capitão,casou com Amélia Coelho Montalvão,filha de distinta família flaviense.Tendo dado nas vistas pelo seu aprumo,foi colocado em Lisboa à frente da Guarda Municipal.Aí o vai buscar D. Luís I pouco tempo depois para comandar o Esquadrão de Lanceiros 2,unidade em que servirá como subalterno o Príncipe Real D.Carlos de Bragança que,uma vez rei,entendeu tirar partido das muitas qualidades que viu no seu comandante,nomeando-o Governador de Timor.
Major de Cavalaria em 1894,encontra esta Colónia com a soberania e autoridade portuguesas pouco mais que quiméricas.
De terrenos acidentadíssimos,humidade extrema,vegetação luxuriante e povos constantemente em rebeldia,teve por diante uma tarefa homérica durando as campanhas de pacificação 12 anos, dos 14 que ali governou.De princípio não comanda mais do que 29 europeus, 350 moradores em Díli e 12 mil “carregadores”. Começa por pedir a autonomia administrativa de Timor – até então dependente de Macau – e tropas. Mandam-lhe landins de Moçambique e o decreto autonómico chega em 1896.Muito embora não estivesse parado, só com a chegada dos landins pôde efectuar a lenta ocupação dos reinos rebeldes com muita cautela e perseverança. Mesmo assim, não evita revezes como o massacre da coluna do Capitão Câmara, apanhada numa penetração menos cuidada na densa floresta. Igualmente perde no assalto a uma tranqueira (obra de defesa indígena) o Alferes Francisco Duarte que tinha por alcunha “Major Arbiru”, “homem invencível”. Estes dois oficiais há muito que possuíam as mais altas condecorações, entre elas a Torre-e-Espada.Durante os 12 anos de penetração, toma medidas administrativas, sociais, de cultura, saneamento e fomento agrícolas, tais como:

-Construção de 22 postos militares de defesa, soberania e penetração;
-Ligação dos postos (que não distavam mais de 40 kms) por estrada de penetração e escoamento de produtos;
-Criação de uma escola de ensino oficial em Díli e outra agrícola em Remexio;
-Distribuição dos alunos saídos da Escola Agrícola pelo interior do território com vista à divulgação das técnicas agrícolas;
-Introdução da seringueira e do tabaco de qualidade bem como desenvolvimento das culturas do arroz, milho e café;
-Introdução de árvores de fruto tais como pessegueiros, ameixieiras, figueiras e nespereiras criando postos de venda em feiras e mercados;
-Criação de um horto para o fornecimento de sementes e plantas aos postos militares e distribuição gratuita às populações;
-Proibição de corte do sândalo em toda a costa norte como forma de protecção da espécie, medida que vigorou até 1956;
-Fundação da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho;
-Condução das populações para a aprendizagem das técnicas agrícolas e de ofícios;
-Administração da Justiça em conformidade com os usos e costumes nativos;
-Drenagem e aterro de pântanos em Díli, abertura de ruas e avenidas, fundação do Museu, construção do Hospital e de casas para funcionários;
-Captação, transporte e fornecimento de água a Díli, construção do cais acostável no porto da capital;
-Ligação telefónica com cerca de 500 kms entre os vários postos militares;
-Estabelecimento de ligações marítimas regulares com Macau e Austrália.
 
As suas relações pessoais com os chefes locais levam-no a conseguir organizar uma reunião mensal para os ouvir, dialogar e almoçarem juntos. Durante os seus dois últimos anos de governo, estes encontros desenvolveram-se em completa paz.A oposição política metropolitana chamava-lhe “o Rei de Timor” ao que D. Carlos, com muita estima, contrapunha com o epíteto jocoso de “o meu colega de Timor”. Chegou entretanto o ano de 1908 e com o regicídio vê-se exonerado do cargo. Sem dinheiro, deixa Timor com a ajuda financeira de um malaio amigo que lhe paga a viagem de regresso a Portugal via Austrália. Não é louvado pelo trabalho levado a cabo e é nomeado Comandante do Regimento de Cavalaria de Almeida como o posto de Coronel.Com a implantação da República é promovido a General e passa à situação de reserva. Morre a 10 de Fevereiro de 1911.
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Lusitano89

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #76 em: Abril 11, 2010, 01:25:15 pm »
Bento de Góis
O Marco Polo Português




Foi o primeiro europeu a percorrer o caminho terrestre da Índia para a China, através da Ásia Central. A sua viagem, uma das maiores explorações da história da humanidade, demonstrou que o reino de Cataio e o da China eram afinal o mesmo, o que alterou significativamente a concepção do mundo à época, uma vez que as relações comerciais entre a Ásia e a Europa eram muito intensas durante esse período.

Bento de Góis foi baptizado em Vila Franca do Campo nos Açores a 9 de Agosto de 1562, com o nome de Luís Gonçalves. Tornou-se soldado por volta dos vinte anos de idade, tendo sido destacado, em 1583, para a Índia.

De acordo com a lenda, nesse período levava uma vida boémia até que após ter tido uma visão, numa igreja da aldeia de Colachel (província de Travancor) decidiu ingressar na Companhia de Jesus, o que fez, em Fevereiro de 1584, no Colégio dos Jesuítas em Goa. Dois anos mais tarde, abandonou temporariamente o Colégio e viajou pela Pérsia, Arábia, Baluchistão, Sri Lanka, e muitos outros reinos da Ásia. Em 1588 regressou a Goa, ao Colégio dos Jesuítas, e mudou o seu nome para Bento de Goes.

Em 1594 integrou a 3º expedição dos Jesuítas, guiada desta vez pelo padre Jerónimo Xavier (sobrinho-neto de São Francisco Xavier), à corte do Grão-Mogol Akbar, o Grande, em Lahore, passando a granjear deste uma marcada amizade. Tanto que induziu Akbar, o Grande, a estabelecer tréguas com os portugueses. Para tal, Akbar incumbiu Bento de organizar uma faustosa embaixada (1600-1601) aos portugueses de Goa.

Em Setembro de 1602 Bento partiu de Goa com um grupo restrito, em busca do lendário Grão-Cataio, reino onde se afirmava existirem comunidades cristãs nestorianas. A viagem era muito extensa (mais de 6 mil quilómetros) e de longa duração (mais de três anos), e onde grandes obstáculos se deparam ao longo do percurso, sobretudo em virtude dos muitos conflitos na região, da profusão de reinos e estados, e da existência de grandes montanhas e desertos. Para além disso, a maior parte do seu percurso foi realizado em territórios de domínio muçulmano que nutriam especial animosidade pelos cristãos.

Em inícios de 1606 Bento de Góis chegou a Sochaw (Suzhou, agora denominada Jiuquan), junto da Muralha da China,uma cidade próxima de Dunhuang na provincia de Gansu. Góis provou assim que o reino de Cataio e o reino da China eram afinal o mesmo, tal como a cidade de Khambalaik, de Marco Polo, era efectivamente a cidade de Pequim. Doente (possivelmente por ter sido atacado/assaltado e ferido) e com poucos meios de subsistência comunicou-o em carta ao padre Matteo Ricci, residente em Pequim, que lhe enviou o padre João Fernandes, um jesuíta de origem chinesa, para o conduzir até Pequim. Contudo, quando este alcançou Bento de Góis este já estava à beira da morte, o que ocorreu em 11 de Abril de 1607.

Bento de Góis, que possuía um marcado conhecimento da cultura e costumes de múltiplos reinos da Ásia, e falava diversos idiomas como o Persa e o Turco, registou a sua viagem num diário. Contudo, pelo facto de no mesmo documento também registar as dívidas que terceiros lhe deviam o seu diário foi rasgado em inúmeros pedaços pouco antes da sua morte. O padre João Fernandes e o arménio Isaac, que acompanhou o missionário na longa viagem desde Goa, reuniram fragmentos do que sobrou desse diário e outros documentos, que entregaram posteriormente ao padre Matteo Ricci. Este padre, um grande erudito, através desses escassos documentos, do relato do arménio Isaac que o acompanhou sempre ao longo da Grande Odisseia, e de algumas cartas que Bento de Góis lhe tinha enviado anteriormente, escreveu, entre 1608 e 1610, uma narrativa dessa viagem. Esta relativa escassez de registos teve influência na projecção que a sua viagem assumiu doravante.

Bento de Góis tornou-se o primeiro português a atravessar a Ásia Central, transpondo grandes cadeias montanhosas como os Pamires e o Karakoram, ou o grande deserto de Gobi, numa odisseia considerada por muitos historiadores não inferior à empreendida por Marco Polo séculos antes. Polo atravessou um território mais pacífico, menos retalhado em reinos e estados, e com menor domínio muçulmano, do que Bento de Góis encontrou à data. Aliás, Bento de Góis foi a primeira pessoa após Marco Polo a empreender esta extensa viagem pela Ásia Central, o que realizou cerca de três séculos depois de Polo. Bento de Góis tem sido em Portugal, entre os exploradores portugueses da época dos Descobrimentos, dos mais subvalorizados. Tal pode ser atestado pelo facto de, no 4º centenário da sua morte não se verificarem quaisquer comemorações em Portugal continental, apenas se verificando tais celebrações na sua terra natal, Vila Franca do Campo, apesar de se tratar do maior explorador terrestre português.

A Câmara Municipal de Vila Franca do Campo homenageou-o em 1907, atribuindo o seu nome ao maior largo da vila, onde também se encontra uma estátua sua em bronze, da autoria de Numídico Bessone, inaugurada em 1962.

Wikipédia
 

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cromwell

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #77 em: Abril 11, 2010, 07:33:29 pm »


Citar

D. Luís de Ataíde, 3º Conde de Atouguia
Vice-rei da Índia.

N. em 1517, fal. em Goa a 10 de Março de 1581. Era filho segundo de D. Afonso de Ataíde e de D. Maria de Magalhães, e bisneto do 2.º conde de Atouguia, D. Martinho de Ataíde.

Tendo feito as suas primeiras armas em África, com os mais célebres capitães do seu tempo, passou à Índia, acompanhando ao mar Roxo, D. Estêvão da Gama, filho do grande descobridor daqueles estados, a teve a honra de ser por ele armado cavaleiro na igreja de Santa Catarina de Monte Sinai, juntamente com D. Álvaro de Castro. Foi depois enviado à corte de Carlos V, e com este soberano tomou parte na expedição à Alemanha contra os luteranos, distinguindo-se em varias ocasiões, e muito particularmente no combate de Almis, onde salvou o estandarte imperial, que o alferes-mor D. Luís Quesada ia abandonar, não podendo suportar o peso da couraça que vestia, e vendo-se apertado pelos inimigos no maior ardor da peleja.  
Recolhendo a Portugal, onde o havia precedido a fama da sua bravura e intrepidez, conservou-se estranho às lutas políticas, que depois da morte de D. João III se travaram a propósito da regência, e quando D. Sebastião tomou conta do governo, nomeou-o vice-rei da Índia a 2 de Março de 1568; partiu então para Goa no dia 7 de Abril seguinte, onde chegou a 10 de Setembro, tomando logo posse do governo. D. Luís tratou então de estabelecer uma disciplina severa, que foi a base essencial das vitórias que depois alcançou e vendo que em possessões tão dilatadas era indispensável uma boa marinha, fez os maiores sacrifícios para organizar umas poucas de esquadras que protegessem o nosso comércio e livrassem os mares dos corsários neles consentidos pela indolência do governo do seu antecessor D. Antão de Noronha. Em poucos meses conseguiu D. Luís de Ataíde equipar uma esquadra composta duma galé e seis navios doutra lotação comandada por Afonso Pereira de Lacerda, que fez sossegar Baticala, que estava revolucionada; para a defesa da costa do Malabar mandou Martim Afonso de Miranda com uma esquadra de vinte navios; para as proximidades de Goa, Aires Teles de Menezes com alguns navios afim de reprimir os excessos dalguns malabares; D. Jorge de Meneses Baroche, com duas galés e um catur, para dar caça ao terrível corsário Kanachali; D. Diogo de Meneses para fazer guerra aos exércitos do Samorim. Os negócios da Índia mudavam visivel­mente. D. Luís Ataíde, comunicando aos seus subordinados as brilhantes qualidades milita­res que o adornavam, fez ressuscitar naquelas remotas paragens as virtudes guerreiras dos portugueses doutros tempos, e durante o seu gover­no é difícil encontrar algum desses actos de co­bardia, que principiaram de quando em quando a deslustrar a glória das nossas armas numa época de decadência; pelo contrário, as crónicas mencionam, durante o go­verno do ilustre vice-rei D. Luís de Ataíde, feitos de valor extraordinário praticados por muitos heróis portugueses. De pois de haver assegurado a defesa do que possuíamos, tratou de am­pliar as nossas conquis­tas, e em 1569 conquistou as fortes praças de Onor e de Bracelor, cujos portos eram um abrigo seguro para os corsários que in­festavam do continuo aqueles mares. Os poten­tados indianos, reconhecendo que a principal causa das nossas vitórias era a desunião que entre eles se notava, resolveram coligar-se para expul­sarem por uma vez da Índia os portugueses. Se não fosse o vice-rei D. Luís de Ataíde, teríamos decerto sofrido grandes desastres, mas o notável general fez face a todos os perigos, e os in­dianos, que já entre si haviam dividido os territórios, cuja conquista tinham por certa, viram-se obrigados a desistir do seu intento. Ao Hidalcão, que marchava contra Goa, devia ficar pertencen­do esta cidade, Onor e Bracelor; Nizam Melek, que avançava sobre Chaul, devia receber Da­mão, Baçaim e Chaul; ao Samorim caberia em particular Chale, Cananor, Cochim e Mangalor; Diu ficaria para o sultão de Cambaia, apesar de não entrar nesta liga, por andar empenhado na guerra contra as mongóis, e aos outros soberanos, em cujas terras estavam encravadas as nossas fortalezas, deixavam os príncipes, que for­mavam coligação, o cuidado de expulsarem deles os portugueses, e de os tomarem para si. D. Luís de Ataíde ficou em Goa, mas não se dei­xando nunca bloquear completamente pelo Hidalcão, e amiudando as sortidas achou meio, ape­sar de ter diante de si um exército numerosíssi­mo, de enviar socorros a Chaul. Foi em 29 de Junho de 1571 que esta praça sofreu um ataque geral com as tropas vindas de Goa, e Nizam Melek, entendendo que o Hidalcão havia levantado o cerco, desanimou e pediu a paz, que o vice-rei concedeu, assinando-se o tratado a 24 de Julho. O Hidalcão, não se achando com forças para re­sistir, levantou efectivamente o cerco, D. Luís, porém, para o castigar, demorou os preliminares da paz, e tendo concluído os três anos do seu governo, se retirou para o reino, embarcando a 6 de Janeiro de 1572, deixando ao seu sucessor o cuidado de a concluir.

D. Luís de Ataíde não atendera só à guerra; a justiça, a administração pública, a questão da moeda, em tudo pensou, tudo conduziu ao verdadeiro caminho, deixando a Índia em prosperidade, segura e respeitada. Chegou ao Tejo a 3 de Julho do referido ano de 1572, fazendo a sua entrada solene em Lisboa, sendo conduzido debaixo do palio desde a Sé até à igreja de S. Domingos, dando-lhe o rei a direita. Nesta igreja cantou-se um Te Deum, em acção de graças pelas suas vitórias. D. Sebastião consultava-o frequentemente sobre os negócios do Estado, a que ele, tendo-se conservado sempre estranho e sobranceiro às intrigas da, corte, dava desassombradamente o seu voto. Acerca da jornada de África, manifestou-se contra ela, e sendo afinal convidado pelo rei para comandar o exército, escusou-se delicadamente. Foi então, de novo, nomeado vice-rei da Índia, para onde partiu a 16 de Outubro de 1577, levando ás suas ordens somente três naus. Chegou a Goa a 31 de Agosto de 1578, depois de ter invernado em Moçambique. Tomando posse do governo, que prontamente lhe foi entregue por D. Diogo de Meneses tratou de sossegar a Índia, que balouçava um pouco, conservando ainda o prestígio das armas. O Hidalcão, tendo recomeçado a guerra, restabeleceu a paz que havia quebrado. O conde de Atouguia tudo consolidou, e providos todos os pontos onde se fazia mister força, continuava o seu governo, quando em Maio de 1579 chegaram a Goa notícias da perda da batalha de Alcácer Quibir, da morte do rei D. Sebastião, e da aclamação do cardeal D. Henrique. O vice-rei sentiu bastante aquele desastre. Deste segundo vice-reinado datam as suas sensatas providências para superar os prejuízos provenientes da alçada eclesiástica, que excitava a emigração dos gentios, enfraquecendo a população, e os excessos e as iniquidades dalguns frades e da Inquisição. Foi também neste tempo, já no ano de 1580, que a ilha de Ceilão ficou pertencendo a Portugal; sendo doada pelo seu rei, D. João Prea Punhar.

Enquanto na Índia se davam estes acontecimentos, morria o cardeal D. Henrique, e Filipe II de Espanha invadia o território português com os seus exércitos. Consta que o conde de Atouguia, sabendo tão desgraçadas notícias, pensara em reunir a flor das forcas de que podia dispor, desembarcar em França ou na Inglaterra, seguindo depois a Portugal para auxiliar D. António, prior do Crato, nas suas pretensões ao trono. Se efectivamente D. Luís formou esse plano, não pôde levá-lo a efeito, porque a morte veio surpreende-lo. Filipe apressara-se a atrair ao seu partido o notável vice-rei, elevando-o a marquês de Santarém, titulo que ele não teve ocasião de aceitar, nem de recusar, por já ter falecido. Diz-se que, ao sentir-se morrer, exclamara: Ora que morra eu e seja tudo contra Portugal! O seu cadáver foi depositado na capela-mor da igreja dos Reis Magos, de Goa.
"A Patria não caiu, a Pátria não cairá!"- Cromwell, membro do ForumDefesa
 

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Nuno PE

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Capitão Óscar Monteiro Torres
« Responder #78 em: Maio 13, 2010, 04:39:01 am »


Óscar Monteiro Torres nasceu na cidade de Luanda,em Angola,em 26 de Março de 1889.Entra,com 11 anos,para o Colégio Militar em Lisboa,e depois frequentou a Escola do Exército até 1909,onde termina o curso de Cavalaria.Em 1910,presta serviço militar em Angola. Republicano convicto,defendeu a intervenção de Portugal na Primeira Guerra Mundial .Esta posição política obriga-o a viajar para Inglaterra,de onde será chamado pelo então coronel Norton de Matos,em 1915.Integrando o destacamento aéreo,Torres é um dos organizadores da Escola de Aviação de Vila Nova da Rainha.Em Fevereiro de 1916,acompanhado por António Maya e Alberto Lello Portela,recebeu formação de voo em Hendon,na Grã-Bretanha.Passou depois à Escola Northold do Royal Flying Corps,onde prestou provas como piloto militar.Realizou 25 horas de voo e obteve a classificação final de 20 valores. Depois de tirar o brevet em Inglaterra,este oficial de Cavalaria foi um dos aviadores do Corpo Expedicionário Português enviados para França durante a Primeira Guerra Mundial.Integrado na Esquadrilha SPA 65,ou Esquadrilha das Cegonhas,equipada com aviões SPAD VII e,com base em Soissons,o capitão Óscar Monteiro Torres acabou por ser abatido a 19 de Novembro de 1917 depois de ter travado um combate aéreo em circunstâncias de extrema desigualdade de forças:o piloto português ainda conseguiu abater dois Halberstadt alemães mas a seguir já nada pôde fazer contra a esquadrilha de Fokker,que o atingiu. Acabou por falecer no dia seguinte,a 20 de Novembro de 1917,no Hospital de Militar de Laon,no norte de França.Inicialmente sepultado pelos alemães,com honras militares,no cemitério de Laon,teve depois funeral nacional a 22 de Junho de 1930. Até hoje,foi o primeiro,e único, aviador português a morrer em combate. Os seus restos repousam no Cemitério do Alto de São João,em Lisboa.Foi condecorado,a título póstumo,com a Legião de Honra e Cruz de Guerra francesas,e Medalha da Cruz de Guerra e Torre e Espada de Portugal.
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PEREIRA

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #79 em: Maio 14, 2010, 04:30:34 pm »
Devemos honrar e respeitar a morte e o sangue dos nossos antepassados que morreram pela nossa pátria mãe e que ambicionaram a expansão do nosso país e que por ele lutaram.
 

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PEREIRA

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #80 em: Maio 14, 2010, 05:28:07 pm »
Dom Fuas Roupinho foi um nobre português do século XII, mais conhecido pelo seu papel de milagrado por Nossa Senhora da Nazaré na Lenda da Nazaré.

É, Dom Fuas Roupinho, que na terra
E no mar resplandece juntamente,
Com o fogo que acendeu junto da serra
De Abila, nas galés da Maura gente.
Olha como, em tão justa e santa guerra,
De acabar pelejando está contente:
Das mãos dos Mouros entra a feliz alma,
Triunfando, nos céus, com justa palma.
 
— Os Lusíadas, estrofe 17 do Canto VIII  
Vês este que, saindo da cilada,
Dá sobre o Rei que cerca a vila forte?
Já o Rei tem preso e a vila descercada:
Ilustre feito, digno de Mavorte!
Vê-lo cá vai pintado nesta armada,
No mar também aos Mouros dando a morto,
Tomando-lhe as galés, levando a glória
Da primeira marítima vitória.
 
— Os Lusíadas, estrofe 16 do Canto VIII  
O nome deste cavaleiro, possivelmente um Templário, está ligado ao processo de Reconquista cristã da Península Ibérica, sob o comando do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Em reconhecimento pelos serviços prestados, o soberano nomeou-o alcaide-mor de Porto de Mós.

O seu nome também se destaca por ser o primeiro comandante naval português conhecido, e como tal, ser o responsável pela primeira vitória da Marinha Portuguesa, ao largo do cabo Espichel, contra uma esquadra muçulmana.

Camões refere D. Fuas Roupinho nas estrofes 16 e 17 do Canto VIII d'Os Lusíadas.
 

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PEREIRA

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #81 em: Maio 14, 2010, 05:29:22 pm »
Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

Fernando Pessoa
 

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Nuno PE

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Cônsul Aristedes de Sousa Mendes
« Responder #82 em: Maio 23, 2010, 02:16:54 pm »


Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasce,na Casa do Aido,em Cabanas de Viriato,Concelho do Carregal do Sal,aos primeiros minutos do dia 19 de Julho de 1885;alguns minutos antes tinha visto a luz do dia o seu irmão gémeo,César,filhos do juiz Dr.José de Sousa Mendes,descendente de lavradores abastados da vizinha aldeia de Beijós, originários da Muxagata,e de D.Maria Angelina Paes do Amaral de Ribeiro Abranches,da nobre Familia dos viscondes de Midões,senhores do velho morgadio do Aido,cujas relações familiares estreitas permitiram que ai nascessem.Aristides,César e,mais tarde,o terceiro irmão,José Paulo,nascido em 1895,cresceram na casa familiar em Aveiro e frequentaram a escola em Mangualde.Os irmãos gémeos fazem os estudos secundários em Viseu,partindo depois para Coimbra,onde se formam em Direito no ano de 1907.Mas não seguirão as pisadas do pai: farão a especialidade em Diplomacia,precisamente no ano de 1910,marcado pelo golpe militar de 5 de Outubro,que impôs a República.Entretanto,Aristides casara em 1909 com a sua prima direita,Angelina de Sousa Mendes,três anos mais nova que ele,filha de seu tio paterno António de Sousa Mendes e de sua tia materna Clotilde do Amaral e Abranches.Nesse mesmo ano,nasce em Coimbra,Aristides César,o primeiro filho do casal.Muitos outros se seguirão, nascidos nos lugares onde o pai foi sendo colocado.A 12 de Abril de 1910,ainda vigorava o regime monárquico,Aristides é nomeado cônsul de segunda classe na Guiana Britânica,para onde parte levando já a sua esposa e o primeiro filho.Vê-se obrigado a regressar a Lisboa após um ano,devido às crises de paludismo.Depois de uma breve missão à Galiza,parte,a 10 de Novembro de 1911,para ocupar o posto de cônsul-geral,em Zanzibar.O segundo filho,Manuel,nasce em Portugal em 1912.Em Zanzibar vão nascer José,em 1912,Clotilde em 1913 e Isabel em 1915.De Março de 1914 a Junho de 1915,Aristides está em Lisboa e a familia em Cabanas.Volta a Zanzibar. A forma como dirige o consulado neste protectorado britânico leva-o a ser condecorado pelo sultão com a medalha de segunda classe da Estrela Brilhante,a mais alta condecoração que podia ser concedida a um estrangeiro.O próprio sultão será padrinho do seu filho Geraldo,sinal da estima que os unia.Em Maio de 1918 volta a ter de mudar de casa,partindo com a familia para Curitiba e Porto Alegre,no sul do Brasil,onde é promovido a cônsul de primeira classe,e onde permanecerão durante pouco mais de um ano.O tempo necessário para o nascimento de sua filha Joana,ainda em 1918.A missão poderia ter sido mais prolongada,não fora o facto de Aristides de Sousa Mendes ter sido suspenso de funções,com redução considerável do vencimento,em Agosto de 1919,por ser considerado hostil ao regime republicano.Depois de julgado,e absolvido por falta de provas,declara publicamente o seu catolicismo integro e os seus principios monárquicos e conservadores.Para que não restassem dúvidas,acrescenta ao seu nome os apelidos aristocráticos maternos: do Amaral e Abranches.Por tudo isto,na cimalha da casa que então erguia em Cabanas de Viriato (o Passal),lá mandou que esculpissem o brasão de sua mãe: um escudo esquartelado com as armas dos Abranches,Figueiredos,Abreu e Castelo Branco.No inicio de 1920 nasce,em Coimbra,Pedro Nuno.Nesse mesmo ano,Sousa Mendes é reintegrado e nomeado para S.Francisco,onde nasce Carlos.Nesta cidade californiana,o cônsul enfrentará alguns problemas com algumas associações patronais de portugueses por tentar defender os compatriotas mais pobres contra as condições de trabalho.Sebastião nasce em 1921,o ano em que Oliveira Salazar se lançou pela primeira vez na luta politica.Em 1924,Sousa Mendes é transferido para o consulado do Maranhão,seguindo depois para Porto Alegre,onde nasce Teresinha,em 1925. Regressa a Lisboa em 1926 para prestar serviço na Direcção Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Édepois enviado para o consulado de Vigo,a cidade espanhola mais próxima de Cabanas,onde nasce mais um filho: Luis Filipe.1929 é a data em que atinge o auge da sua carreira,quando parte para Antuérpia como cônsul-geral,cargo invejável,porquanto rentoso e honorifico.Em Julho de 1932,Salazar atinge o lugar de Presidente do Conselho de Ministros e confia a pasta dos Negócios Estrangeiros a César de Sousa Mendes,que ocupa durante pouco mais de um ano.Os irmãos Sousa Mendes haviam sido colegas em Coimbra de Oliveira Salazar e ambos lhe reconheciam a cultura e as capacidades de trabalho,de resto inegáveis pelos actuais "labutadores e incansáveis governantes".Aristides,Angelina,os seus doze filhos,e o pessoal doméstico que normalmente os acompanhavam mudam-se depois para Lovaina,cidade flamenga onde irão nascer mais dois filhos: João Paulo,em 1932,e Raquel em 1933, que viria a falecer dezoito meses mais tarde,vitima de doença desconhecida. Na Bélgica permanecerão até 1938,não sem Sousa Mendes ter constantes atritos com colegas seus e graves problemas financeiros,devidos não só à sua prole,mas também aos seus gastos megalómanos.Apenas como exemplo diremos que manda esculpir uma imagem do Cristo-Rei com vários metros de altura,que trás para Portugal para pôr na sua sumptuosa quinta de Cabanas.Mas esta não foi a primeira ocasião,nem virá a ser a última,em que Aristides tem de enfrentar problemas de dinheiro.Não raras vezes,César,que já tinha desempenhado funções em diversos paises,tinha casa em Mangualde,e vivia uma existência confortável,terá de vir em auxilio do irmão.A 1 de Agosto de 1938,Aristides pede a Salazar que o transfira de posto,cansado que estava da pressão dos seus colegas que cobiçavam o seu cargo.É transferido para Bordéus,para onde está marcado o seu encontro com a História.
A 29 de Setembro de 1938,acompanhados por parte dos filhos,chegam oficialmente a Bordéus.A familia instala-se nas catorze divisões,das quais duas foram reservadas para os serviços consulares,do número 14 do quai Louis XVIII.Aristides não tardou a dar provas da sua generosidade.Vários corredores portugueses, que tinham participado numa prova de ciclismo,não dispunham de meios para regressar a Portugal.O cônsul, com dinheiro do próprio bolso,alojou-os num hotel e pagou-lhes a viagem de regresso em comboio.Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial e o exército alemão a avançar pela França dentro no Verão de 1940,Bordéus,cidade fronteiriça entre França e Espanha,torna-se refúgio de muita alma fugida do norte da Europa e o consulado português é visto como a "tábua de salvação" por milhares de pessoas que lá se amontoam na esperança de obterem um visto de entrada ou salvo-conduto para puderem atravessar Espanha e entrar em Portugal com destino ao continente americano.Contrariando a circular nº14,de 13 de Novembro de 1939,que proibia a concessão de vistos a certas categorias de refugiados,especialmente judeus,Aristides, depois de passar vários dias de cama com febre e espasmos nervosos,face à desgraça humana que desfilava pelas ruas de Bordéus,toma a decisão,movido pela sua consciência,de passar vistos a todos quantos necessitem.Num impeto,a noticia corre célere entre os refugiados: o cônsul português dava vistos e o casarão nas margens do rio Garona é "invadido" por judeus,polacos e outros indesejados aos olhos dos nazis.Impossivel se torna controlar aquela multidão em desespero,e em plena conjugação de esforços com a mulher,os filhos e José Seabra,secretário consular,os passaportes são recolhidos em sacos e três dias a fio o diplomata não se deita para assinar interminavelmente o documento que permitia a vida e a salvação.Dias mais tarde,desloca-se ao consulado de Baiona, que se encontra sob jurisdição do de Bordéus,onde empreende uma nova "operação de salvamento",chegando ao ponto de mandar colocar uma mesa do consulado na rua,para facilitar a passagem de vistos.Salazar,ao tomar conhecimento da insubordinação de Sousa Mendes,dá instruções para que este regresse de imediato a Lisboa,escoltado por dois diplomatas,sob prisão. Com este gesto,Aristides salvou a vida a mais de trinta mil refugiados-um terço deles judeus-mas também lhe valeu em Outubro de 1940 ser condenado a "Um ano de suspensão sem remuneração e reforma compulsiva finde este prazo".Jamais em vida será reabilitado ou receberá qualquer indemnização,apesar das suas diligências e dos pedidos de seu irmão César,então com uma já longa e brilhante carreira diplomática,passando a (sobre)viver com uma reforma equivalente a metade do salário.Impedido de exercer advocacia e de sair do pais,vê-se na necessidade de enviar todos os seu filhos para o estrangeiro.Quatro anos após o processo disciplinar instaurado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros,ou melhor,após o castigo de Salazar,o ex-cônsul sofreu-talvez devido a toda a tensão psicológica-uma primeira hemorragia cerebral que lhe paralisou a parte direita do corpo.Mas não se pense que Salazar foi o único responsável pela cada vez mais dificil situação do cônsul: a 16 de Agosto de 1948,Angelina morre em Lisboa,vitima de uma congestão cerebral.Vendo-se viúvo,acaba por contrair segundas núpcias em 1949 com Andrae Cibial,de quem tivera uma filha,Maria Rosa,nascida em Lisboa,em 1939,e que fora concebida em Bordéus,fruto de uma relação extraconjugal.A francesa fá-lo sair de Lisboa para residirem no "Passal",a casa da aldeia que ele fechara,sempre na esperança de voltar a abri-la com a glória de outrora,e inicia um processo de vendas capciosas,de isolamento maléfico de seu marido e de maus tratos.A vida torna-se mais dificil a cada dia que passa e no final de 1952,Aristides é vitima de novo derrame cerebral e tem de ser submetido a uma intervenção cirúrgica.Numa manhã gélida encontram-no em frente a uma salamandra da casa,ao lado de uma cadeira desfeita,tentando acender o fogo com a tradução de um livro inglês que ele vertera para o português.É transportado para Lisboa onde morre,a 3 de Abril de 1954,longe dos filhos,pobre e amargurado.Como mortalha, vestiram-lhe um hábito de monge da Ordem Terceira de S. Francisco.O feretro foi depois transportado,de comboio,para Cabanas. O monumento funerário que abriga o seu corpo e o da sua primeira mulher está hoje perfeitamente deitado ao abandono.A 21 de Fevereiro de 1961,foi plantada uma árvore na Álea dos Justos,em Jerusalém,para honrar a memória de Aristides de Sousa Mendes.Apenas o empenho dos seus e as pressões internacionais fizeram com que a primeira cerimónia oficial de reabilitação de Aristides de Sousa Mendes pelas autoridades do seu pais viesse a ter lugar,a 24 de Maio de 1987,na embaixada de Portugal em Washington.Nesse dia,Mário Soares,então Presidente da República,condecorou Aristides de Sousa Mendes,a titulo póstumo,com a Ordem da Liberdade. A 13 de Março de 1988 a Assembleia da República votou,por unanimidade,a reabilitação do cônsul.Pessoa com tal Humanismo,protagonista da "maior acção de salvação levada a cabo por uma só pessoa durante o Holocausto" não deveria precisar de condecorações regateadas,nem louvores pressionados.
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João Vaz

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #83 em: Setembro 27, 2010, 12:52:40 pm »
Fernando, ou Ferrand, da Flandres (1188-1233)



Brasão de Portugal sob D. Sancho I, brasão do seu filho Fernando, conde da Flandres
 
27 de Julho de 1214.
Uma das batalhas decisivas da Idade Média nos campos de Bouvines (norte de França) significou o fim dos domínios ingleses no Continente nos dois séculos seguintes, estabelecendo a França como principal potência na Europa por mais de 100 anos. No meio da mêlée, um português...que os portugueses não recordam. Fernando, ou Ferrand, de Portugal, conde da Flandres. Trata-se de um infante de Portugal, filho de D. Sancho I, casado em 1211 com Jeanne de Constantinople, condessa da Flandres e do Hainault (filha e herdeira de Balduíno IX da Flandres), com o beneplácito do rei de França, Filipe II Augusto de França. Vassalo do Rei de França, mas aliado do Imperador alemão Otto IV na aliança que pretendia derrubar o rei francês, o conde Fernando combateu numa das batalhas principais da Idade Média.
 



Selos com efígie do infante Fernando de Portugal, conde da Flandres

Entre 1202 e 1206, Filipe II Augusto de França, monarca responsável pela grande unificação do Reino francês, reconquistou territórios consideráveis à Coroa de Inglaterra no continente (Normandia, Bretanha, Anjou, Maine, Tourraine, entre outros). Afim de reconquistar esses importantes territórios franceses, o Rei de Inglaterra João sem Terra (sucessor de Ricardo Coração de Leão) organizou em 1214 uma poderosa aliança Anglo-Flamenga-Alemã com um conjunto de grandes nobres, entre os quais Otto da Alemanha e Fernando de Portugal, conde da Flandres, de modo a reaver os territórios recém-recuperados pela Coroa de França. Para tal, o rei inglês planeou uma ambiciosa campanha em duas frentes sobre a França.

Em Janeiro, os condes Fernando da Flandres e Renaud de Boulogne montam cerco à cidade marítima de Calais mas são forçados a retirar pelo infante Luís, filho de Filipe II, que castiga em represália as vilas flamengas de Cassel, Bailleul e Steenvoorde. Fernando e Renaud contra-atacam com um assalto a Saint-Omer e no condado de Guines.
O conde português Fernando prossegue o avanço na região de Artois, mas não consegue tomar Lens. Decide então cercar Bruxelas e obtém assim o apoio do duque Henrique I de Brabant, ex-partidário e genro de Filipe II, prosseguindo a marcha contra França integrado nas hostes de Otto IV da Alemanha.

Enquanto isso, João Sem Terra desembarcou em Fevereiro na Rochelle, principal porto da costa Sudoeste, com as tropas inglesas e, juntamente com os barões franceses aliados procurou enfrentar as hostes comandadas pelo filho do rei de França Filipe, o futuro Luís VIII. Porém, a aproximação iminente do infante de França provoca o abandono dos barões franceses. Privado assim da maior parte da sua força militar, o Rei de Inglaterra reembarca à pressa, deixando o contingente inglês à sua sorte em Roche-aux-Moines (próximo de Angers). Postos igualmente em fuga, foram facilmente dominados pelas hostes francesas na batalha de 2 de Julho de 1214.

A dupla ofensiva foi assim confrontada com sucesso pelos defensores franceses no Sul, enquanto o próprio rei Filipe II, acompanhado pelos Duques da Borgonha e de Champagne, conduziu o grosso das tropas ao Norte de Paris ao encontro de Otto IV prestes a invadir o reino.


Iluminura de Filipe II Augusto, Rei de França

No dia 12 de Julho de 1214, os aliados reunidos sob a liderança de Otto IV conferenciam na cidade de Nivelle. Entre outros grandes senhores feudais, encontram-se o duque Thibault I de Lorraine, o duque Alberto de Saxe, Filipe de Courtenay, marquês de Namur, Hugues de Boves, entre outros, estabelecendo um acordo de partilha prévio dos domínios de Filipe Augusto.
 
As forças reunidas dos aliados dirigem-se em seguida para Valenciennes. À sua chegada contam-se cerca de 60.000 homens: 10 000 cavaleiros e cerca de 50.000 infantes.
O exército do Rei de França é ligeiramente menos numeroso, sendo estimado entre 20 a 30.000 homens.


Paris, Mestre iluminador da Cité des Dames (c. 1400-1410) (Biblioteca Nacional de França)


Iluminura das Grandes Chroniques de France France, Paris, séc. XIV (Biblioteca Nacional de França)

Assumindo posições de combate nos campos vizinhos de Bouvines, ambos os campos dividem-se em 3 corpos principais: tropas francesas com Filipe Augusto liderando o corpo central francês, enquanto Otto IV ocupa posição idêntica nas hostes da aliança imperial, colocando-se a ala direita sob o comando do português Fernando, conde da Flandres.

É justamente a ala esquerda sob o conde Fernando de Portugal que sofre o ímpeto das cargas inciais da cavalaria francesa, cedendo perante a força superior. As linhas de infantaria flamenga são destroçadas e o conde é feito prisioneiro. Porém, durante breves momentos, a posição do rei de França é ameaçada por alguns flamengos dispersos por entre o turbilhão da ofensiva.  








Após uma tarde de combate intenso, a cavalaria francesa derrota em toda a linha os aliados. Fernando da Flandres, Salisbury de Inglaterra e outros nobres são prisioneiros de grande valia. A vitória francesa é total. A vitória de Filipe II Augusto consagrou definitivamente o Reino de França como o mais poderoso estado europeu no Ocidente medieval, enfraquecendo o Império Romano-Germânico, consolidando o poder político do rei de França e as suas conquistas, provocando a queda de Otto IV no Império Romano-Germânico e, em Inglaterra, o culminar da revolta dos barões resultando na imposição da Magna Carta em 1215 a João sem Terra. Após Bouvines, João Sem Terra regressou a Inglaterra, onde morreu em 1216.


Filipe Augusto de França transportando os prisioneiros Fernando de Portugal e Renaud de Boulogne e a chegada a Paris
Grandes Chroniques de France, Paris, séc, XIV (Biblioteca Nacional de França)


Iluminuras da chegada do conde cativo a Paris Grandes Chroniques de France, séc. XIV (Biblioteca Municipal de Castres)

"Ferrand" da Flandres (como ficou conhecido em territórios francófonos), é transportado a Paris e apresentado como troféu aos habitantes. A capital francesa celebra o retumbante êxito francês durante uma semana. A prisão de Fernando de Portugal no castelo do Louvre estendeu-se por 12 anos, durante os quais o trono de França foi assumido por Luís VIII. Só após a morte deste, a sua viúva Branca de Castela e seu filho e sucessor Luís IX autoriza em Janeiro de 1227 a libertação do conde português, após pagamento de metade do resgate inicial.


Fosso e arranque das muralhas do antigo castelo do Louvre (contíguas às fundações do actual palácio-museu), onde o conde Fernando permeneceu prisioneiro 12 anos após a batalha

Fernando de Portugal morre a 27 de Julho de 1233 sem descendência. A sua filha única, Maria, prometida a Robert de Artois, irmão do rei de França Luís IX, morre em 1236 com apenas 8 ou 9 anos.

Hoje em dia, a memória da batalha de Bouvines está discretamente inscrita num obelisco na vila do mesmo nome. A lenda local sugere que terá sido no lugar da actual igreja, onde originalmente se encontrava uma capela, que Filipe II de França colocou a sua coroa no altar enquanto dirigia o discurso às suas tropas antes da batalha.
 


Campo de batalha de Bouvines na actualidade

Estuda-se actualmente a classificação do local da batalha como património nacional, por ocasião da celebração oficial do oitavo centenário.

O conde foi sepultado na Abadia de Notre-Dame de Marquette da Ordem de Cister, perto de Lille, fundada por sua mulher Jeanne de Constantinople e onde a mesma se lhe juntou após a sua morte. Infelizmente, foi destruído na época da Revolução Francesa.

Apenas as fundações subsistem...


Porém, a evocação longínqua da grande batalha, e em particular do conde "rebelde" Fernando, sobrevive nos "cabeçudos" de Wattrelos exibidos no Carnaval local.


Para saber mais:

DUBY, Georges, Le Dimanche de Bouvines, Paris: Gallimard, 1973

Histoire Militaire de la France (tome 1, "des origines à 1715"), Paris: Presses Universitaires de France, 1992

LAVISSE, Ernest, La Bataille de Bouvines, reed., Éditions Numerus, 2006
"E se os antigos portugueses, e ainda os modernos, não foram tão pouco afeiçoados à escritura como são, não se perderiam tantas antiguidades entre nós (...), nem houvera tão profundo esquecimento de muitas coisas".
Pero de Magalhães de Gândavo, História da Província Santa Cruz, 1576
 
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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #84 em: Dezembro 11, 2012, 12:16:03 pm »


FAZ 37 anos que morreu Heroicamente o Ten. Cor. Magiolo Gouveia ! Um herói Português e Timorense ... fuzilado pela FRETILIN de Xanana Gusmão ! Eis em baixo a carta que o Bispo de Dili enviou à sua viúva que vivia em Évora,que relata as últimas horas da sua vida ! UM TESTEMUNHO OBRIGATÓRIO de ler ! Eram desta Tempera os Portugueses de antanho ...


Exma. Senhora D. Maria Natália Gouveia

Há muito que me pesam no coração a dolorosa ansiedade e a cruel angústia de V. Ex.cia e de todos quantos têm estado sem notícias deles. Por S.Excia Rev.ma o Pro-Núncio Apostólico em Jacarta sei, agora, que V.Ex.cia vive mergulhada em grande aflição e tristeza por absoluta falta de notícias e que pediu à Santa Sé informações sobre a situação de seu estremoso marido. É mais uma falta da minha parte. Mas, como compreenderá, nem sempre é possível escrever em pleno fragor da guerra. A vida começa, agora tanto quanto é possível, a normalizar-se na cidade de Dili e nalgumas Vilas da Província e, por isso, apresso-me a escrever-lhe esta carta, através da mesma Nunciatura em Jakarta que, espero, a fará chegar às mãos de V.Ex.cia.

Durante o período de guerra, como V.Ex.cia sabe, tenho acompanhado, mais ou menos de perto, directa ou indirectamente, a sorte dos nossos queridos prisioneiros e, por isso, também, a de S.Ex.mo Marido e meu caríssimo amigo tenente-coronel Maggiolo de Gouveia. Particularmente assisti-lhe com assiduidade quando ele baixou no Hospital, sem gravidade, mas onde se manteve até ao dia 7 de Dezembro de 75. Nessa data, a FRETILIN levou para Aileu todos os doentes-presos, como aliás todos os seus prisioneiros, detidos em Dili, que andaria à volta de uns 800. Foi, então, que perdemos o contacto com os presos. Todos nós sentíamos a sensação de nos encontrarmos num túnel de curva fechada e vivíamos horas densas de angústia, situações de terror e como que de contínuo suspensos sobre o abismo da morte. Deus, e só Deus, era a nossa esperança: ao coração d`ELE fazíamos e continuamos a fazer insistente violência.

Só agora, e já lá vão sete meses de guerra - começa a raiar esquivamente a aurora de possíveis dias de paz: começa a haver tranquilidade e confiança e a vida está a voltar à normalidade. E, também, só agora, estão chegando notícias daqui e dali, do interior da Província, do que por lá se passou. Estão aparecendo em Dili alguns prisioneiros levados pela Fretilin, mas são muito poucos, os suficientes, porém, para por eles se saber os que não voltarão porque foram mortos pelas hordas comunistas. E entre estes que não voltarão, porque seguiram rumo à Casa do Pai do Céu, está o nosso querido tenente-coronel Maggiolo de Gouveia: fez ele parte dos mais de mil prisioneiros executados pela Fretilin no altar do ódio a Deus, à Família e à Pátria. É deveras doloroso esta minha missão de lhe vir anunciar que Seu estremoso marido não pertence já ao número dos vivos «neste vale de lágrimas», deu a sua vida pela fé e pela Pátria, morreu como um autêntico cristão, como um Homem inteiriço, como um militar de têmpera desses militares de antanho que são orgulho e exemplo da vossa gloriosa história. É natural, minha senhora, que o seu coração de esposa sangre de dor e que a sua alma mergulhe na tristeza mais atroz; mas quando um homem morre como o seu marido morreu, herói da fé e da Pátria, é mais motivo para dar graças a Deus e honrar-se em tal morte do que para lamentações e lutos. A certeza que lhe advém da fé, de que um dia encontrá-lo-à na Casa do Pai e o exemplo que ele deu, de testemunho da sua fé e das virtudes humanas, cristãs e militares, afirmadas sempre e, sobretudo, à hora da sua morte e com o sangue, serão o melhor e mais suave linitivo para a sua dor e deverão ser para V.Ex.cia e para seus filhos motivo de santo orgulho, de nobre estímulo na vida e, até, de cantar ao Senhor o «Magnificat».
A execução devia ter sido entre 9 a 15 de Dezembro de 75. Neste momento, ainda não me é possível averiguar a data exacta. Sei apenas algumas circunstâncias que tentarei passar ao papel, somente, para lhas comunicar.

Como atrás disse, todos os presos haviam sido levados de Dili para Aileu, em condições as mais desumanas. Em dia que ainda não consegui precisar, mandaram reunir todos os presos, como era rotina, e foi feita a chamada de cerca de 50 a 60 homens, incluindo o nome de Maggiolo de Gouveia, que sucessivamente iam alinhando no terraço. A este grupo, escoltado pela milícia armada, como era hábito, foi dada ordem de marcha em direcção à estrada de Aileu-Mausisse. Chegados aqui, e percorridos uns metros de estrada, soou a voz de «alto» e o grupo parou e viu-se próximo de uma grande vala, previamente aberta ao lado da estrada. É-lhes, então dito que todos vão, ali ser fuzilados. Há um momento de consternação e de estremecimento colectivo. As milícias põem a arma à cara: e é então, que o tenente-coronel Maggiolo levanta a voz e diz: Senhores, deixem-nos rezar. E todo o grupo, de joelhos em terra, reza o terço a N.Senhora, dirigido pelo tenente-coronel Maggiolo. Terminado este e estando todos de joelhos, encoraja e anima os seus companheiros «condenados à morte» e termina dizendo: Irmãos, breve vamos comparecer na presença do nosso Deus e Pai: façamos o nosso acto de contrição, o nosso acto de anor. E, em silêncio entrecortado de lágrimas, os corações daqueles homens sobem a Deus para pedir... lembrar... e dizer... aquilo de que, naquela hora derradeira, Deus é o Único testemunha. Depois, o tenente-coronel põe-se de pé, sendo seguido neste gesto pelos seus companheiros, e dirige-se aos soldados-algozes nestes termos: irmãos, nós estamos já preparados para comparecer no Tribunal de Deus, lá vos esperamos também a vós. O meu único crime foi o de não renegar a minha fé e o de amar Timor. Morro por Timor. Morro pela minha Pátria e pela minha fé católica. Podeis disparar. Evidentemente, os soldados timorenses ficam como que petrificados, não se movem, nem se atrevem a pôr a arma à cara. É um estrangeiro que rompe o silêncio destes primeiros instantes e quebra a indecisão daqueles soldados nativos: põe a arma à cara e dispara contra o tenente-coronel Maggiolo. E, logo a seguir, todos os soldados fazem o mesmo, abatendo com rajadas sucessivas todos os presos. (Esta narrativa - quero que o saiba, minha senhora, - ouvi-a da boca de um dos presos de Alieu, o Administrador do Concelho de Mabusse, Lúcio da Encarnação, que a ouviu por sua vez dos próprios soldados-algozes e que, ao fim, foi salvo pelas milícias de Ainaro).Assim morrem os heróis. Assim morreu o tenente-coronel Alberto Maggiolo de Gouveia. E, quem assim morre, é orgulho para os pais, para a esposa, para os filhos e para a Pátria. Morreu como herói da fé e da Pátria: e, desta forma, não é a morte que coroa a vida, é a glória eterna em Deus que sublima tal morte. E mais vale morrer com glória do que viver com desonra - eram desta têmpera os portugueses de antanho - foi a ideia-força na vida deste Homem, deste Cristão e deste oficial do Exército Português, de Maggiolo de Gouveia. Se, como piedosamente cremos, ele continua a viver no Céu, junto de Deus, também viverá no coração dos timorenses enquanto a memória dos homens não se desvanecer.
Desculpe, minha senhora, fui muito extenso e não disse tudo nem..., é quem tudo conhece. Mas pensei que seria esta a melhor forma de ir mitigar a sua grande dor, de pedir-lhe que tenha coragem na vida para vencer até ao fim, onde o encontrará, e de exortá-la à confiança em Deus que é o melhor dos pais e que, assim, a começa a preparar para «esse encontro» na meta final da vida.

Aqui vão, Senhora D. Maria Natália, para V.Ex.cia, para Seus filhos e para toda a demais família, as minhas profundas condolências e a expressão da minha comunhão de orações de sufrágio, com os meus sentimentos de religiosa estima e muita consideração.


De Vossa Excelência servo inútil em Cristo

José Joaquim Ribeiro - Bispo de Dili
https://www.youtube.com/user/HSMW/videos

"Tudo pela Nação, nada contra a Nação."
 

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Portavioes

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Capitão Antônio da Cunha Aragão
« Responder #85 em: Dezembro 14, 2013, 05:56:35 pm »
Bom dia a todos

Por mero acaso estava a ler os acontecimentos sobre O NRP Afonso de Albuquerque que foi um navio da Marinha Portuguesa, destruído, em combate, durante a Invasão de Goa em 18 de Dezembro 1961.

Estamos quase a perfazer 52 anos sobre este acontecimento histórico e gostaria de saber se alguém tem informação sobre o que aconteceu ao Capitão-de-mar-e-Guerra António da Cunha Aragão que ficou gravemente ferido durante o combate.
Aqui fica o pouco que consegui encontrar sobre este herói esquecido:

http://ultramar.terraweb.biz/EstadoIndi ... Aragao.jpg

Cumprimentos pré natalícios a todos
Portavioes
 

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Lusitano89

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #86 em: Janeiro 15, 2014, 12:26:00 am »
De certeza que não é desconhecido para os caros foristas, mas aqui vai este grande artigo do jornal SOL   :wink:



Alpoim Calvão: Centurião, aventureiro, tenor lírico


O rosto ameaçador na capa de O Jornal prometia um par de galhetas ao socialista Sottomayor Cardia. Foi em fotografia que, em 1975, vi pela primeira vez Guilherme Almor de Alpoim Calvão. Muitos anos depois, vi-o ao vivo no Hotel Atlântico, no Monte Estoril. Apesar de já ter 60 anos, produzia um tremendo impacto. Parecia um velho leão poderoso, ainda impossível de derrubar. De chapéu e sobretudo pretos, alto, maciço, lembrava a estátua de Maigret, em Liège. Aliás, em jovem, possante e estatuesco que era, podia ter servido de modelo para a glorificação do corpo masculino. Ao lado dele, Sean Connery pareceria frágil, quebradiço. A propósito, o comando João Almeida Bruno, que atingiu o absoluto topo do mundo castrense, com a Torre e Espada com palma, como guerreiro, e o generalato de quatro estrelas, como militar, considerou Alpoim Calvão “o 007 português”. Vejo-o antes como um misto de James Bond, oficial de Marinha e agente secreto, e de Indiana Jones, o académico aventureiro que caça tesouros. Só que estes dois são ficções e Alpoim Calvão é real. Tão real que, nos anos 70, numa discussão de trânsito, em Lisboa, em vez de dar um ‘calorzinho’ ao furibundo interlocutor, tirou-o do carro com as graníticas mãos, elevou-lhe os pés do chão e sentou-o no tejadilho. Para o homem comum, que nunca deu um murro e só apanhou com tiros vindos da televisão, Calvão é uma figura impossível, não pode existir. E com razão. De facto, ele é bigger than life.


O centurião, o DFE 8 e as Operações Nebulosas


Fuzileiro especial, submarinista e mergulhador de combate, além de piloto de avionetas, Calvão, na água, sente-se “um peixinho”, e é precisamente na Guiné, uma terra de águas, que faz a guerra. Combate cinco anos num clima miasmático com o calor do inferno. "Grande" é o seu nome de guerra. Bate-se na selva asfixiante, nos esteiros, no tarrafe, no lodo das bolanhas. As suas mais famosas operações são a Tridente, na Guiné Portuguesa, e a Mar Verde, na Guiné-Conakry. Na primeira, como primeiro-tenente, ajuda a empurrar o PAIGC para fora das ilhas de Como, Caiar e Catunco. São 70 dias, preenchidos a tiros, que servem de aquecimento para o seu mítico Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 (DFE 8). Por sua vez, a Mar Verde, que concebe e comanda, é a última grande operação anfíbia portuguesa, 555 anos depois da que abre o Império em Ceuta, em 1415.

Nos seus anos de Guiné, Calvão revela-se um chefe guerreiro perfeito. Tem peito e tem cabeça. E tem sorte. Distingue-se nos assaltos, golpes de mão e patrulhas nos rios. É um dos senhores da floresta e o rei dos rios. Também se destaca como cérebro operacional. Estuda a Guiné e estuda a guerra, não só para a fazer bem, mas para a aprofundar, para criar guerra, o que o leva, por exemplo, a uma reengenharia das Informações. Calvão encara as operações como uma forma de matemática, planeia-as com precisão fria e não recua nas escolhas drásticas. Vê a guerra, não ao modo de Nietzsche, que a quer sem pensos nem ambulâncias, mas como um "moralista" estóico, como Tucídides. As suas duas comissões dão-lhe cinco anos de ideal em acção e de adrenalina. São anos em cheio. Assim, depois da estreia na Tridente e do DFE 8, onde manda para a sucata um monte de guerrilheiros, recebe a chefia do COP 3, a que dá uma maior letalidade, e acaba como chefe das Operações Especiais. Aqui, numa das Operações Nebulosas, com sangrenta abordagem corpo a corpo, há tal bronca que "o acto de pirataria" chega à ONU.

Calvão é um líder nato. A força de carácter, o carisma, a inteligência culta, o físico e a sua coragem de português antigo tudo vencem, dominam, contagiam. Nos combates, essas tempestades de bocados de aço, "Grande" mantém-se de pé, sereno, atrás de um qualquer tronco, para ver melhor o que se passa. Tenta encontrar uma ordem favorável aos seus na mortal confusão de tiros e berros. A sua serenidade também se manifesta antes da acção, na iminência dela, quando quase sempre há ainda mais tensão do que na acção em si. Por exemplo, antes de desembarques de alto risco aproveita para ler o tio Patinhas. Fatalmente, os subordinados endeusam-no e os pares entremeiam a muita admiração com alguma inveja. Quanto às chefias, respeita Reboredo Seara – tio do ex-presidente da Câmara de Sintra – e respeita mais ainda Spínola.

O elevado ritmo de operações, com a respectiva conta a crescer no carniceiro, como dizem os militares yanquees, exige folgas para "refrescamento". Entre duas operações, nas horas moles da guerra, Calvão bebe uma cerveja no Zé da Amura, dá uma vista de olhos ao ChatNoire e sorri no Altocrim, o entrepernas de Bissau, onde os soldados, depois da triste rotina das sarapitolas no mato, têm as sonhadas alegrias. Mas sobretudo descontrai da mais antiga e trágica actividade humana – homens que se matam, legalmente, em quantidade – dando uso ao “instrumento subjectivo que está dentro de nós e que liberta a alma”. Na Associação Comercial de Bissau, canta Puccini e Verdi, o seu Verdi que “vem da Terra, entra pelos calcanhares e toma conta de nós”. Depois da selva, a civilização. A besta e o homem. A mais fascinante unidade de contrários. Um bom retrato de Calvão, e do eterno masculino.

Feitas as comissões, regressa à metrópole. Fica no Comando Naval e no comando da Polícia Marítima. Já não está na Frente, onde fez História e se tornou mito, mas continua nela. Não há contradição, uma vez que está na Frente da Retaguarda. É o período da Dragão Marinho, quando monta uma rede de informadores em África e na Europa, e do caso Bretagne, em que esvazia caixas com material para o MPLA, de um navio dinamarquês, e torna a enchê-las com areia e os afamados tridentes masculinos das Caldas. É também o tempo da operação Esperanza II, na qual o navio de um armador de Marselha, atulhado de armamento destinado à FRELIMO, acaba os seus dias no fundo do alto mar. Além do DFE 8, das Operações Nebulosas ou da Mar Verde, estes feitos fortalecem o seu estatuto já ímpar nas Forças Armadas Portuguesas. De mito passa a lenda. Não só na tropa mas também no tribunal público dos portugueses e de africanos lusófonos mais velhos e de outros ainda, nomeadamente sul-africanos. Um exemplo destes últimos tive-o num bar de Nelspruit, no Transvaal, em 1986, quando se travava pelo Cuito Cuanavale, em Angola, a maior batalha da história da África Negra. Um dos dois boers, entusiasmado, diz-me:

– Calvau is a warrior’s warrior – o outro loiro abana sins com a cabeça.

Confirmei ali, perto da fronteira moçambicana, o apelo irresistível que o grande homem de armas exerce sobre outros homens. Calvão é um ícone da cultura viril da violência, elogiado com abandono, sem travões retóricos, por quem o conhece. “Uma figura de outra galáxia!”, diz o vice-almirante José Carvalheira. “Um Titã!”, “O maior português vivo!”, exclamam outros. A sua vida, um evangelho de masculinidade ao serviço da grande ideia de Portugal, é icónica mesmo para os mais orgulhosos machos alfa, para os que não precisam de heróis ou para os que perderam a capacidade de admirar outros e até para os seus inimigos.

É da ordem da sabedoria encontrar no efémero o eterno. Pertencendo à mais alta aristocracia da coragem, além de ter sangue e porte fidalgos, Calvão dá corpo ao símbolo arquetípico do guerreiro. Ele é a imagem do centurião que atravessa os milénios, com armas diferentes mas sempre o mesmo homem de guerra que defende o que sabe ser a única certeza: as raízes, os seus. Centurião e homem de honra porque, como diz Hemingway, “every great killer must have a sense of honor”, seja ele soldado ou matador de toiros; e também homem de dever, esse exigente imperativo categórico Kantiano. Aliás, a sua biografia, bem escrita por Rui Hortelão a partir de informação recolhida por Luís Sanches de Baena e Abel Melo e Sousa, tem por título precisamente Alpoim Calvão – Honra e Dever. Porém, mesmo nos nobres de espírito ou “no coração bom, existem abismos”, lembra Santo Agostinho.

O aventureiro e o altar de viagem de Vasco da Gama


Fechada a Guerra de África 1961-1974, e tirando a independência do Brasil, assiste-se ao maior abalo geográfico da nossa História. O Portugal gigantesco e pobre, feito de Pátria e Império, mirra, passa a pequeno rectângulo. O fuzileiro do Fim abomina o 25 de Abril. Faz da data um fetiche negativo. É contra o “25barraA”, não pela democracia que traz, mas pela solução que se quer dar à Questão Colonial. Neste tempo de revolução cruzada com descolonização, que obriga ao refazer da identidade nacional, Calvão tem “uns probleminhas” e mete licença ilimitada na Marinha. “Saneei-me a mim próprio”, dirá desse período de saneamentos selvagens.

Sem guerra, onde se vive muito mal mas muito mais se vive, Calvão não cai na fatalidade de ficar a ver a vida a passar. O homem de acção não pára – a adrenalina vicia, mais ainda se ao serviço de altos valores. Durante o temporal social e político do gonçalvismo, movimenta-se pelo Norte do país e por Espanha como chefe operacional do MDLP (o movimento de acção anti-comunista liderado por Spínola). As mentes mais imaginativas vêem nele um novo Paiva Couceiro. Com Calvão, prenunciando o 25 de Novembro da dupla Neves/Eanes, deixa-se de andar às curvas e passa-se a andar a direito contra a tentativa totalitária. Luta agora à bomba contra o que defendera na adolescência: o "socialismo científico", a ideologia que, além de uma construção explicativa do mundo, oferece a 2superioridade moral" como bónus. E a morte em massa nunca antes vista na Terra.

Mas Calvão não combate o comunismo só pelo Norte de Portugal, também o faz no Norte de Angola. Em 1975, a convite da CIA, de Holden Roberto e do comando Gilberto Santos e Castro, vai à bela, alegre e brutal terra da palanca negra. Pedem-lhe uma solução para dar cabo do MPLA que, entrincheirado em Luanda, é apoiado por russos e cubanos. É um excelente problema para Calvão. Estuda-o com o usual rigor. Depois, com o seu sentido da jugular, dá a solução:

– Corta-se a água a Luanda. De seguida, espalha-se o mujimbo de que pusemos minas à entrada do porto. A comida deixa de vir de barco e os draga-minas russos levam meses a chegar. Com sede e sem comida, ficam a apanhar bonés.

Para surpresa de todos, Holden Roberto, atrás dos óculos à tonton macoute, recusa o plano:

– Não! É cruel. Muito cruel.

O encartado sanguinário da FNLA surpreende Calvão e mais ainda Santos e Castro. A explicação para a inesperada doçura de Roberto radicava noutras missas, em missas cantadas no Kremlin e na Casa Branca.

Entretanto, já sem guerra, Calvão anda pelo vasto mundo, dando novo impulso à linhagem dos grandes aventureiros portugueses. Vai até ao Brasil, país que não só descobrimos como, com o apoio forçado de africanos, criámos. É um país à sua dimensão, ido que foi o Império, do qual já está meio refeito. Aí faz dinheiro no medonho mundo do garimpo, onde dorme com um olho aberto e uma pistola na mão. Tem como sócio Fernando Prado, oficial da Marinha Brasileira. Também com Prado, na senda dos trabalhos de Hércules dos sertanejos (e bandeirantes) portugueses que fizeram o Brasil, ergue uma imensa fazenda no infinito sertão. Na fazenda Caiçara, onde abre uma Avenida Portugal com 25 quilómetros, cria gado, produz soja e café. Para aumentar a fazenda de 100 para 140 mil hectares, negoceia com o magnata luso-galego Manuel Bullosa. O negócio começa bem mas quase acaba mal. Bullosa tenta uma finta financeira e, com os bolsos já preparados para recebê-la, é Calvão quem acaba por fintá-lo.

Mete-se também em negócios de armamento. Começa nos Explosivos da Trafaria e continua na Companhia de Pólvora e Munições de Barcarena, de que virá a ser dono parcial. Negoceia armas pelo mundo. Na Somália, num perde-paga com o Ministro da Defesa, ganha dez camelos e um bico d’obra: o que fazer com tantas bossas?! Mas do que mais gosta é de mexer-se, em modo de aventura, em “flibusteirices”, pelo planeta. O lado Indiana Jones consegue-lhe o altar da segunda viagem de Vasco da Gama à Índia, que oferece ao Museu da Marinha (cuja direcção ainda não teve tempo para juntar o nome do dador à peça exposta). No longínquo Oriente, negoceia objectos de alto valor. Um deles, que fica no Palácio Centeno, do antigo presidente do seu Sporting João Rocha, é um par de cães de Fo em cerâmica chinesa, feito no reinado Wanli da dinastia Ming. Por sua vez, na Ilha de Moçambique, recupera o fantástico faqueiro de mais de duzentas peças do rei Luís Filipe de França usado pelo governador da Ilha onde Camões “invernou”.

Outros negócios, entre tantos, concretiza-os na Guiné-Bissau. Em Bolama, é dono de uma fábrica de descasque de caju. Tem como braço direito José Saiegh, luso-guineense e antigo comando que esteve na Mar Verde. Emprega 300 pessoas. A nota invulgar, mas não para Calvão, que leva tudo a sério, é que, para escoar o caju com turcos, se preparou estudando o Corão. Por seu lado, em Bissau, onde tem uma vivenda virada para a mata, um dos seus campos de glória, faz negócios de arte africana. Tal como Chaves – onde nasceu no premonitório número 8, para mais da Rua do Sol – ou como Moçambique – onde desde criança o fascina ver o sol nascer do mar –, a Guiné é das zonas do planeta onde melhor se sente e melhor julga perceber os indecifráveis desígnios da existência e do universo. Neste jovem país amado, além da fábrica que faz dele o maior empregador privado, fundou a Liga dos Combatentes das Forças Armadas Especiais Portuguesas na Guiné-Bissau.

Extraordinária ironia. Antes da independência, Calvão era o inimigo público n.º 1 do PAIGC; agora, com a fábrica e a Liga, é o maior amigo dos guineenses. Por sua vez, os antigos guerrilheiros, incluindo o falecido Nino Vieira, “formidável combatente”, sentem uma curiosidade de admiradores pelo “homem que invadiu Conakry”. Se o questionam pela aparente contradição, dá uma resposta bem mais valiosa do que a pergunta. Com singelo humor, diz:

– Eu não mudei. Continuo a seguir a ideia-chave do anterior regime, a ideia de "Por uma Guiné melhor"!


O tenor lírico e o ‘Canto a la Espada Toledana’


Na primavera de 2001, levei Calvão ao Palácio Ceia, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, onde tinha o meu gabinete de professor universitário. Fixou-se nos azulejos do Palácio. Depois, falou-me deles com acribia de académico mas sem ostentação erudita. Além do gosto pela azulejaria, é um apaixonado pela pintura, sendo em Miguel Ângelo e Nuno Gonçalves que os seus olhos caem e lá ficam. O tecto da Capela Sistina, um “fortíssimo sinal que pesou” na sua “opção por Deus”, e o grandiosamente misterioso tríptico com a representação “pré-gâmica dos Lusíadas”, são os seus favoritos absolutos. Por seu turno, no que toca a porcelana da China, é um especialista, o que leva investigadores em História de Arte a consultá-lo. O seu gosto pelas coisas belas e do espírito ultrapassa a mera fruição – com a ópera torna-se mesmo um artista que canta árias de "Furtiva Lagrima", de Manon, ou do "Canto a la Espada Toledana". Antes de 1961, chega a cantar no São Carlos. Embora a voz não lhe chegue para ser spinto, consegue por essa altura o “dó, dito de peito, e mesmo o dó sustenido” e namora a ideia de se profissionalizar como tenor lírico. Mas explode o seminal ano de 61, o que leva ao rubro a sua "ânsia de combater". Primeiro, a guerra; depois, a arte. A ordem natural das coisas.

O seu domínio da palavra não se cinge à que canta, também abrange a declamação e a simples fala. Além de ser uma óbvia figura camoniana, domina o sotaque do Poeta, podendo dizer, como Manuel Alegre, "Camões decassilaba-se em mim". Também desenrola versos de Pessoa, Torga, Bandeira e Vinícius. Fora de portas lusófonas, aprecia Edmond Rostand, Leopardi, algum Shakespeare e o Victor Hugo de "Mon Père ce héros au sourire si doux, avait un cheval qu’il aimait entre tous!/.../Donne lui tout de même à boire!". Quanto ao falar, é exímio tanto em situação formal como na palheta. Fala com limpidez de raciocínio, sedução e com o talento de transmitir sabedoria sem dar lições. Um rastreio à sua fala – e escrita, a Contos de Guerra, por exemplo –, faz ressaltar dois traços estilísticos. Um é o humor servido por diminutivos, como dizer que tem “as carótidas entupidinhas” ou que a bela Gabriela de Amado, Sónia Braga, com quem se cruzou em Ouro Preto, é afinal “um coirinho”. O outro traço de estilo é o lustro que dá a vocabulário fora de moda como “na singradura da vida” ou “Ah, a fragilidade grácil dos comandos!”, retumbante e elegantíssima mentira que, numa habitual picardia, nos atirou a José Saiegh e a mim.

Além da coriácea formação militar, da delicada costela artística, do jeito para os negócios e do gosto pelas "flibusteirices", outra faceta deste homem que, como ninguém, vive a vida em plenitude, é a de pater familias. Apoiado por Maria Alda, a esposa de sempre, é um verdadeiro pai, e de dimensão bíblica, quando, por exemplo, faz ponto de honra em transportar ao colo um filho vítima de axonia. Calvão é fora de qualquer dúvida um homem superior, por vezes quase irreal na sua superioridade e nos seus mistérios. Superior mas não perfeito, se a vingança for defeito. Dificilmente perdoa e, quando se vinga, revela sem constrangimentos o seu lado sombrio, solta o seu cão negro. Como quando vai ao Bairro Alto à procura de um patife branco que tinha humilhado um deficiente preto e, num acto de alta pedagogia antiga, acaba por dar-lhe a conhecer alguns dos cumes da dor. Há também quem diga que, tecnicamente, não era bom no futebol. Não tinha o chamado toque de bola, o que compensava com a imortal técnica mista do encontrão e rasteira.

A Providência deu a Calvão qualidades que, em conjunto, formam uma singularidade grandiosa. Nesta grandeza, dois aspectos dão que pensar: os olhos e o nome. Diz-se que aqueles que têm a íris de várias cores, têm também talentos vários.

É o que sucede com ele. Tem esse tipo de íris e, como um homem da Renascença, é excelente em diferentes actividades. No que tange ao nome, diziam os romanos que nome é destino, nomen est omen. Um nome como Guilherme Almor de Alpoim Calvão, tão propenso a fetichismos onomásticos, só poderia antecipar um destino de total excepção. Aliás, ao contrário da maioria dos homens, que cumprem apenas um destino, Calvão percorreu vários. A sua vida é uma heteronímia, real, concreta, não a da brincadeira séria de Pessoa. Contudo, mesmo aqui não deixa de ser camoniano porque, como muito bem viu David Mourão-Ferreira, há vários Camões séculos antes de ter havido os vários Pessoas.

Calvão pode ser medido com Bigeard e não perde, porque é mais vasto, tem mais substância de lenda do que o pára-quedista francês. Se se recuar no tempo, é comparável aos grandes capitães do Império, aos grandes navegadores. E, se, para Manuel Alegre, em Jornada de África, Spínola é "o novo condestável", Calvão bem pode ser, no Fechamento, a reencarnação – sabe-se lá! – de um dos grandes da Expansão. Talvez de Albuquerque, que, a par do pai, foi o seu herói na adolescência. Seja como for, se estivermos com Hegel, Calvão é um herói autêntico porque é aquele que se opõe ao homem actual, que o ultrapassa, que é portador de um momento do espírito, o que, no seu caso, é o da grandeza de Quinhentos no século XX. A substância desse tempo camoniano dos heróis mantém-se no fuzileiro do Fim do Império. Contudo, porque "o mundo é feito de mudança", essa substância tomou "nova qualidade", não a do tempo cinzento de anti-heróis de Pessoa, mas a do solar tempo lusófono do messiânico Padre António Vieira.

O Cocoana Guilherme, o Tejo e o Mar


Sábado, Novembro, 2013. Durante o almoço mensal do Bando dos Cinco, num restaurante do Cais do Sodré, donde tantos marinheiros, soldados e aventureiros partiram para a Expansão, Calvão é o centro. Emagrecido pela doença (“Agora sou umas peles penduradas num cabide”, diz em auto-irrisão) e com o corpo a atraiçoá-lo, mantém, no entanto, a mente privilegiada. Nos aperitivos, a conversa salta dos achaques da idade para a teologia, com Calvão a deter-se em Hans Küng, e para uma gravura de Rubens que o velho fuzileiro lendário tenciona ir buscar a Marselha. Com a chegada do prato de substância, assessorado por Vale Pradinhos, surgem os pratos fortes da conversa: a crise, os países lusófonos, o patriotismo. Portugal é o arreigamento, o "mais antigo e constante Amor, que nunca vacilou", de Calvão. Portugal é a palavra da sua vida. Emparelha-a com Império. E, já há décadas, com Lusofonia. Sem qualquer relação neurótica com as ex-colónias. A sua condição saudosa de português não é nem passadista nem arca com complexos de culpa.

Terminado o longo almoço, as despedidas. João Almeida Bruno, José Carvalheira, o professor de medicina Ângelo Lucas e eu próprio damos o nosso abraço ao Guilherme. Agora o Cocoana, o Velho para os moçambicanos, de sobretudo preto e elegante bengala, caminha, atraindo o olhar dos que passam, fazendo-os esquecer o Duque da Terceira feito estátua. O homem que, com Chenier de Giordano, pode afirmar "Con la mia voce, ho cantato la Patria"; o homem que, se não ganhou – nem perdeu – a Guerra da Guiné, ganhou a guerra dos mitos e das lendas; o homem que, se falhou nalguma coisa, foi no século; esse homem, um Grande de Portugal que quer as cinzas enterradas na água, lá onde o “suave e brando Tejo” morre, segue o seu caminho de cara ao sol que agoniza no Mar Português.

http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Inter ... t_id=96904
 

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Cabeça de Martelo

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #87 em: Janeiro 29, 2014, 01:51:19 pm »
JACINTO CORREIA FUZILADO EM MAFRA HÁ 206 ANOS

 :arrow: http://www.ericeiraonline.pt/index.php/ ... a-206-anos
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

 

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jonas922

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Re: Os heróis esquecidos da nossa história
« Responder #88 em: Fevereiro 02, 2014, 06:23:30 pm »
e na primeira guera mundial n há mais nenhum?
e pilotos?
na guerra civil espanhola  há algum heroi ou herois?
e na ww2 há algum heroi ou herois?
 

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Cabeça de Martelo

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7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.