No Jornal de Negócios de hoje:Cada dia que passa traz-nos uma nova decepção: ontem foi a confirmação de que os juros não descem, apesar do que fazem os bancos centrais. O que dirão daqui a vinte anos os livros de História desta crise financeira global? Uma nota de pé de página sobre um movimento de salvação nacionalizada da banca depois de uma era de abundância falsificada? Ou um capítulo inteiro sobre a autodestruição de um sistema que da liberdade fez libertinagem?
Não foi propriamente uma surpresa que as taxas Euribor não descessem depois do corte de taxas directoras concertado por seis bancos centrais. Nem para os economistas, nem para os mercados, nem para os leitores deste jornal. Mas isso não impede que a actual distância entre a taxa com que o Banco Central Europeu empresta dinheiro aos bancos e os juros que os bancos pagam e recebem quando emprestam dinheiro entre si seja uma assustadora bússola desorientada da situação que vivemos.
Para quem paga empréstimos, a não descida da prestação é frustrante e é injusta. Para quem quer fazer política monetária é dramática.
Nunca as taxas Euribor estiveram tão altas. Mas esse não é o perigo. É-o a distância que separa as duas taxas, a do BCE e a do mercado. Em Janeiro, aquela estava nos 4%, esta nos 4,6%. Hoje, uma está nos 3,75%, a outra nos 5,4%. A diferença quase triplicou. Nos Estados Unidos, pior: a distância foi multiplicada por 13 vezes em dez meses, hoje o Fed cobra 1,5% enquanto as taxas de mercado estão nos 4,75%.
A razão pela qual uma taxa deixou de acompanhar a outra já foi explicada: o crédito está congelado, os bancos não emprestam dinheiro uns aos outros e os que emprestam cobram um prémio de risco elevado, e que é muito maior nos Estados Unidos do que na Europa. Ou seja, não há oferta, logo não há mercado.
Significa que os bancos centrais estão manietados, os instrumentos de que dispõem não põem o mercado a funcionar. Pior ainda no Fed, que por mais riscos que corra baixando os juros (incorrendo inclusive naquilo que na teoria de Keynes se chama Armadilha da Liquidez) não consegue reduzir o custo do financiamento da economia. O mecanismo de transmissão está avariado.
Os banqueiros centrais vão tirando balas da cartucheira mas os tiros não matam nada. A crise só se resolve à bomba. Daí o recurso a medidas excepcionais, como a que a Fed decidiu esta semana, de comprar papel comercial. Na prática, está a emprestar dinheiro directamente às empresas, o que é inédito e mesmo de legalidade duvidosa.
Ora também o Banco Central Europeu admite recorrer a medidas desesperadas como a que faz hoje manchete deste jornal: fazer com que, por decreto ou por acordo, os créditos passem a ser indexados não à Euribor de 5,4%, mas à taxa directora de 3,75%. Mesmo sendo uma medida temporária, seria a suspensão do mercado, o que por estes dias já não surpreende ninguém: afinal, se o mercado não funciona na fixação da taxa Euribor, por que se há-de fazer de conta que funciona e continuar a cobrar esses juros às famílias e às empresas endividadas?
É por isso que é o próprio BCE que diz que o facto das famílias não estarem a pagar menos nos seus empréstimos é injusto: os bancos hoje estão a financiar-se essencialmente no BCE mas continuam a cobrar prestações mensais a taxas de mercado.
É impressionante como o mundo mudou em meia-dúzia de semanas. Talvez seja isso que os livros de História registem: que foi preciso uma loucura para acabar com outra loucura.
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