Exercício Contra-Revolucionário - revolta de 1919

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Rui Monteiro

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Exercício Contra-Revolucionário - revolta de 1919
« em: Setembro 05, 2008, 08:02:10 pm »
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O MOVIMENTO (republicano) DE SANTARÉM (1919), O QUARTEL DE ALCOBAÇA, A MONARQUIA (trauliteira) DO NORTE, RAMALHO ORTIGÃO E A TORRE E ESPADA (no Brasão da Cidade)
 
Fleming de Oliveira
 
O período de tempo que decorreu entre a morte de Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1918, ao entrar para a Estação do Rossio, no auge do seu mito, e o golpe do Estado Novo em 1926, caracterizou-se no nosso País por uma excessiva instabilidade política, com desordens e luta pelo poder e por grandes dificuldades económicas.
 
Em 1919, os mais conhecidos e importantes dirigentes republicanos tinham sido varridos na voragem política, encontravam-se retirados como Afonso Costa ou haviam mesmo morrido como Manuel de Arriaga ou Teófilo de Braga. Nesse ano, o Partido Unionista desintegrou-se e Brito Camacho afastou-se da política lisboeta, não mais entrando no Parlamento, indo ocupar o lugar de Alto-Comissário e Governador-Geral de Moçambique. António José de Almeida, com 57 anos de idade, apesar da sua abalada saúde e decepção perante o evoluir dos recentes acontecimentos, sentia uma grande dívida para com a República. Eleito pelo Congresso de 1919, em 5 de Outubro, passou a ser o sexto Presidente da República e o único da 1ª República que cumpriu integralmente o seu mandato.
 
A República Nova, de Sidónio Pais, assustou seriamente os republicanos convictos e deu algumas esperanças aos monárquicos. Com a morte daquele, embora com desinteligências entre si, os monárquicos conspiraram redobradamente para uma restauração do regime derrubado em 5 de Outubro, e os oficiais do Exército por um governo de ditadura militar. Sucedeu-lhe o Almirante Canto e Castro, monárquico passivo, tendo como Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa, oficial do Exército, cuja primeira tarefa era tratar, se possível, de uma acção militar decisiva.
 
Já antes do assassínio de Sidónio Pais, se planeava e organizava um governo forte, preferentemente uma ditadura militar. A Junta Militar do Norte, visava um governo autoritário e anti-republicano, no qual os interesses dos oficiais do Exército estivessem em prioridade com a ordem pública e revelou-se, de certo modo, precursora do movimento que conduziu à Ditadura Militar, de 28 de Maio de 1926. Estava em desacordo com a Junta Militar do Sul que contava com mais elementos tidos por republicanos ou, pelo menos, mais próximos dos ideais sidonistas.
 
Entre 23 de Dezembro de 1918 e 29 de Janeiro de 1919 houve, no País, vários pronunciamentos militares importantes.
 
Dentre eles, destacamos o ocorrido em Santarém, pela intervenção que nele teve a Bateria do Regimento de Artilharia 1, de Alcobaça, e que deu azo à atribuição da condecoração da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito à Vila de Alcobaça, pelo Presidente da República Dr. António José de Almeida.
 
O pronunciamento de Santarém consistiu, essencialmente, numa acção republicana levada a cabo por republicanos receosos das ameaças à República, exigindo o regresso à Constituição de 1911, já que após a morte de Sidónio Pais tudo parecia conduzir à restauração monárquica.
 
A conspiração nasceu depois de o Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa ter recusado a entrada no governo a alguns jovens elementos do Partido Democrático, que se opunham às ameaças, cada vez maiores, das Juntas Militares. No movimento de Santarém estiveram apesar disso, ou por via disso, oficiais republicanos de direita e esquerda. Politicamente agrupavam-se em tendências várias, como a própria proclamação revolucionária acentuava. No grupo dirigente, entre outros, juntavam-se o democrático Álvaro de Castro, os evolucionistas Couceiro da Costa e António Granjo, os republicanos independentes Jaime Morais e Cunha Leal e ainda o socialista Augusto Silva Dias.
 
Entre todos havia o pensamento comum salvar a República posta em perigo pela capitulação ante as Juntas militares.
 
Santarém, Tomar, Caldas da Rainha e Alcobaça, esta através do Regimento de Artilharia 1, apoiaram o movimento iniciado de facto a 8 de Janeiro, com um violento ataque levado a cabo no Congresso contra o governo de Tamagnini Barbosa, por Cunha Leal.
 
Quando o governo remodelado por Tamagnini Barbosa fez a sua apresentação parlamentar, lendo este a declaração ministerial, foi acolhido com grande frieza pela maioria. Pretendia, segundo anunciou, consolidar a República com a prática política iniciada por Sidónio Pais. Com grande vivacidade, como lhe era habitual, Cunha Leal acusou o Presidente do Ministério de ter “tristemente” pactuado com as Juntas Militares e de pôr assim em perigo a existência das instituições republicanas. Terminou a sua intervenção com um vigoroso Viva a República!, no que foi acompanhado pelas galerias apinhadas de gente. No dia seguinte, no Senado, Machado dos Santos, também ele um dos mitos da República, atacou agressivamente Tamagnini Barbosa, originando um conflito que quase levou a uma crise ministerial. Estas recriminações e ataques, no Congresso da República, eram a tradução verbal de uma crispação que o terreno dos sucessos revolucionários potenciava, eclodindo com violência, quase simultaneamente ao começo da noite de 10 de Janeiro, em vários pontos do País.
 
A revolta, propriamente dita, teve início em Lisboa, quando civis armados tentaram sem sucesso, logo da parte da manhã desse dia, apoderar-se do Regimento de Infantaria 33, instalado no Castelo de S. Jorge.
 
Ao mesmo tempo, outros grupos atacaram o Arsenal da Marinha, também sem o conseguiram, perante a pronta resposta das baterias fiéis ao governo. Ao princípio da noite revoltou-se a guarnição militar de Santarém, sob o comando do Coronel Jaime de Figueiredo, do Regimento de Artilharia 3, coadjuvado em seguida por Álvaro de Castro, Cunha Leal, António Granjo, Couceiro da Costa e a que se juntaram forças de infantaria e cavalaria. A Câmara Municipal foi tomada pelos revoltosos e criada uma Junta Militar.
 
A resistência de Santarém, era importante para o governo e à sua sobrevivência, pelo que para organizar a sua defesa foi a cidade transformada num autêntico recinto muralhado.
 
A PARTICIPAÇÃO DA TROPA DE ALCOBAÇA
 
A 11 de Janeiro, civis armados, auxiliados por oficiais, tomaram o Quartel de Artilharia 1, instalado na Ala do Mosteiro de Alcobaça que hoje está ocupada pelo Lar Residencial de Alcobaça, prenderam alguns oficiais e seguiram mais tarde para Santarém. Nessa noite no Hotel Central, sobre o actual Café Trindade, no local aonde funcionou durante anos o PSD, um oficial de Artilharia 1, afecto ao governo, apercebeu-se de um desusado movimento de civis, nas proximidades do quartel. Então ainda gritou à sentinela, postada na Porta de Armas: Alerta sentinela que os civis querem assaltar o quartel. Segundo Artur Faria Borda, que nos contou este e outros episódios, dois civis de imediato entraram no Hotel Central e prenderam o referido oficial.
 
A 13 de Janeiro, ao fim da manhã, a tropa de Infantaria 7 de Leiria, comandada pelo Alferes Lavoura, fiel ao governo, entrou em Alcobaça, para repôr a ordem, tendo sido recebida com bastante hostilidade e alguns tiros de civis isolados, que se postavam ao longo do caminho e no alto da Senhora da Paz, acabando por tomar posse da Vila e feito cerca de 70 prisões.
 
Raimundo Natividade Ferreira, de 33 anos, proprietário, residente nos Moleanos, que seguia por acaso atrás da força militar que vinha de Leiria para Alcobaça e que ao chegar ao sítio da Roda foi atacada por um grupo de civis que fizeram fogo, veio a ser atingido por uma bala na região lombar. Tendo sido transportado de urgência e de automóvel para o Hospital de S. José, em Lisboa, aí foi tratado e recolheu a um quarto particular.
 
Por parte da força de Leiria e de alguns elementos do Quartel de Alcobaça afectos ao governo, houve abusos, violações de domicílio, buscas arbitrárias e prisões, o que originou um ambiente de terror, culminando com atentados a tiro e a morte de Silvino dos Santos Carvalho, conceituado comerciante, monárquico, que não acatou pronta e devidamente com outros que o acompanhavam o recolher obrigatório, em vigor na Vila de Alcobaça, após as 20 horas. Carvalho foi baleado mortalmente quando, com mais três alcobacenses, passava em frente à actual Farmácia Campeão.
 
Também para o Hospital de S. José, em Lisboa, tendo dado entrada na enfermaria de Santo António, foram levados o funileiro João Domingos, residente na Rua D. Pedro IV e o jornaleiro José Gomes, da Rua do Castelo, que foram atingidos a tiro quando passavam à porta do Quartel.
 
Entre o 48 presos que a 15 de Janeiro foram em magote num camião para Leiria, há a referir o Juiz de Direito da Comarca de Alcobaça Dr. Alfredo Augusto da Fonseca Aragão, Joaquim Belo Marques da Silveira, Carlos Pereira Campeão, Tomás Gonçalves Marques, Sebastião dos Santos Vazão e Manuel Ferreira da Bernarda.
 
Em Santarém, para onde tinha ido a Bateria de Artilharia de Alcobaça, as forças governamentais bombardearam no dia 14 de Janeiro os revoltosos que, em diversas escaramuças e graças ao seu empenhamento e bravura, tiveram 12 mortos e muitos feridos.
 
Os habitantes de Santarém, desprevenidos e pouco motivados para uma luta deste tipo, afinal uma guerra civil, trataram de se pôr à margem dos combates e do conflito, o qual veio na prática a terminar no dia 15 de Janeiro com a rendição dos revoltosos.
 
Nessa data, a cidade estava completamente cercada por forças afectas ao governo de Lisboa. Paradoxalmente, e para apoiar este, haviam também chegado forças da Junta Militar do Norte, reputadas de pró-monárquicas, desejosas de tentarem a sorte e o sucesso da sua causa, aproveitando o movimento em curso.
 
Santarém não podia resistir a tanta pressão, pelo que os chefes revoltosos renderam-se formalmente a 17 de Janeiro.
 
No dia seguinte, o Coronel Silva Ramos, que comandara as tropas da Junta Militar do Norte, a que presidia, e que apoiara as governamentais, ainda tentou tirar partido da maré para um acordo com vista à restauração da monarquia.
 
Os acontecimentos de Santarém foram seguidos apaixonada e atentamente pelo País e governo que, a propósito, ia emitindo notas oficiosas distribuídas à imprensa.
 
Vejamos algumas com interesse para Alcobaça.
 
14 de Janeiro de 1919-
 
NOTA OFICIOSA
 
As alterações da ordem que se produziram em Coimbra, Alcobaça, Caldas da Rainha, foram prontamente sufocadas pelas forças fiéis ao Governo. O movimento insurreccional produzido no Distrito de Santarém, está localizado na cidade e esta cercada pelas colunas que o governo mandou marchar de Lisboa, Évora, Coimbra, Porto e que vão operar em conjunto. No resto do País o sossego é completo, sendo destituídos de fundamento todos os boatos que no sentido de encorajar os revoltosos têm sido espalhados pelos seus cúmplices.
 
15 de Janeiro de 1919-
 
NOTA OFICIOSA
 
Leiria: Em Alcobaça e Valado está restabelecida a ordem. No sul do Distrito completo sossego.
 
17 de Janeiro de 1919-
 
NOTA OFICIOSA
 
As tropas leais ao governo ocuparam Santarém desde esta manhã. O Sr. Coronel Andrade Velez que era quem comandava as operações militares do sul assumiu o comando militar de Santarém. Foram organizadas colunas volantes para a captura dos revoltosos que não foram presos por andarem a monte. O serviço de comboios na linha do norte fica hoje normalizado.
 
A história não é feita apenas de quadros grandiloquentes, mas também de alguns extremamente pitorescos.
 
Foi o que sucedeu com dois indivíduos, tidos por anarquistas, que pretendiam, ao que se dizia em Santarém, expedir um telegrama com falsas informações sobre o movimento de tropas, pelo que foram presos e levados sob escolta para a Escola de Artilharia de Vendas Novas e depois Lisboa.
 
Foram ainda presos cerca de 30 oficiais do Exército e muitos sargentos, tendo-se ignorado durante algum tempo o paradeiro de Cunha Leal e Álvaro de Castro, que conseguiram evitar a detenção pondo-se a monte.
 
Por estes dias, um 1º Sargento de Infantaria 18 do Porto, que se encontrava em Santarém, ao lado do Governo, encarregou um soldado de ir trocar uma nota de 50$00. Este militar, depois de ter percorrido vários locais da cidade e entrado sem sucesso em mais que um estabelecimento comercial, dirigiu-se à camisaria de Júlio Neves, respeitável comerciante, aonde conseguiu o troco. Limitando-se a verificar se o dinheiro estava certo, encaminhou-se de regresso ao quartel tendo feito a entrega do dinheiro ao sargento, na presença de um oficial. Constatou aquele, ao proceder à verificação, que numa das notas de 50 centavos estava escrito à mão  Viva Afonso Costa morra Sidónio Pais. Possuído de indignação, o sargento mandou de imediato alguns soldados ir buscar sob prisão o camiseiro Neves, que não soube explicar a proveniência da nota, com o argumento que a recebera sem reparar se trazia alguma coisa escrita. Apesar de explicação não ser muito convincente, acabou o homem por ser mandado em paz.
 
Os acontecimentos de Santarém, que estamos descrevendo, tiveram grande repercussão em vários pontos do País, alterando o modo de vida das populações e dos serviços. Assim, veio a ser publicado um decreto, em 20 de Janeiro, pela pasta da Justiça, prorrogando por duas audiências, nas comarcas de Abrantes, Alcobaça, Alenquer, Benavente, Caldas da Rainha, Cartaxo, Coruche, Covilhã, Santarém, Golegã, Lourinhã, Mação, Porto de Mós, Tomar, Torres Novas, Torres Vedras e Vila Nova de Ourém, para os serviços a efectuar em audiências e por 5 dias nos demais casos, os prazos judiciais de qualquer natureza que estando a correr de 10 a 16 deviam terminar de 10 a 17. Também as letras vencidas de 10 a 17 de Janeiro podiam ser protestadas até ao dia 20 de Janeiro.
 
A MONARQUIA DO NORTE E ALCOBAÇA
Sufocada a revolta de Santarém, como ficou conhecida para a história, poucos dias depois rebentou no norte da País um novo pronunciamento, agora da responsabilidade da Junta Militar do Norte, que alastrou rapidamente do Porto a Braga, Bragança, Régua, Lamego, Arouca, Ovar, Estarreja, Viseu, Viana do Castelo, com excepção de Chaves. A Monarquia do Norte, como foi chamada, chegou a formar governo presidido por Paiva Couceiro, anunciado à varanda do Governo Civil do Porto, à boa maneira do 5 de Outubro, fazer leis e emitir moeda. Em 19 de Janeiro proclamou a restauração da monarquia na pessoa de D. Manuel II, bem como o Hino da Carta e a Bandeira Nacional, azul e branca. A Monarquia do Norte não foi encarada pelos seus chefes como uma revolta, é a tradição que se reata, o passado que ressurge.
 
Na madrugada de 22 de Janeiro, os monárquicos sob o comando da Aires Ornelas, lugar-tenente de D. Manuel II, revoltaram-se e ocuparam a Serra de Monsanto, em Lisboa, tendo chegado também a hastear a bandeira azul e branca.
 
Em face destes acontecimentos, veio o governo de Tamagnini Barbosa a ter ao seu lado os sublevados de Santarém e outros, que esquecendo as divergências e os agravos se uniram na defesa da República. Após a vitória de Monsanto, foram soltos todos os presos de Santarém e os de Alcobaça, voltando para casa os que andavam foragidos.
 
No rescaldo do movimento de Santarém, a disposição relativa das partes fora bem diferente. Ainda nos dias 17 e 18 de Janeiro, houve de facto diversas reuniões entre os Ministros da Guerra e da Justiça, sobre a redacção de uma proposta de lei para julgamento dos implicados na revolta, procurando o governo conseguir que estes fossem julgados com a maior brevidade possível. Para isso, ia nomear os oficiais encarregados das investigações, bem como a constituição do Tribunal Militar para os julgar no prazo de um mês. A ideia do governo, por essa altura, era aplicar aos oficiais revoltosos a pena disciplinar de separação do serviço, independentemente da que lhes fosse aplicada pelos tribunais.
 
Para combater a Monarquia do Norte ou Reino da Traulitânea, em alusão aos maus tratos inflingidos aos presos e às perseguições desencadeadas, saiu mais uma vez, com abnegação, a Bateria da Artilharia de Alcobaça, como já o fizera para Santarém, acompanhada de alguns civis armados
 
Segunda reza a história, e a memória do povo da Vila de Alcobaça, a Bateria de Artilharia 1, portou-se bem e com brio contra os trauliteiros do norte.
 
Entre os alcobacenses que combateram a Monarquia do Norte há a destacar o Alferes Manuel dos Santos Pimenta, João Vila Nova, Serafim Amaral e Heitor Cardoso, que, embora muito afectados pelos acontecimentos, regressaram salvos a casa e à terra, onde foram devidamente homenageados pela autarquia.
 
Segundo a imprensa diária da época, em Alcobaça a população republicana desta vila está a acompanhar com vivo interesse o desenrolar dos acontecimentos a norte, desejando que eles tenham o melhor desfecho possível a bem do regimen. A guarnição militar de Alcobaça, composta de um Regimento de Artilharia 1 e de uma  diligência de Infantaria 7 também se encontra absolutamente ao lado da República, o que já há dias foi anunciado ao Ministério da Guerra pelo Coronel de Cavalaria Sr. Carvalho da Costa, Comandante Militar da Vila.
 
Foi verdadeiramente imponente a recepção que o povo de Alcobaça dispensou à Bateria de Artilharia 1, sob o comando do Alferes Pimenta, depois da participação no movimento de Santarém e contra os monárquicos do norte.
 
Apesar da chuva de Março, que por vezes caía com abundância, centenas de pessoas e a Filarmónica da Maiorga, aguardavam na Vila os militares, enquanto outras os foram esperar à estação de caminho de ferro de Valado de Frades. Na Câmara Municipal, sita na ala norte do Mosteiro, Fernando Alípio Carneiro de Sá produziu uma alocução arrebatadora que mereceu vivos aplausos dos que ocupavam totalmente a Sala das Sessões bem como, mais abaixo, as arcadas. Responderam, a agradecer, o Alferes Pimenta e o 2º Sargento Automobilista Ferreira da Silva que emocionaram os presentes com afirmações de inflamado republicanismo. No Hotel Comércio, à noite, teve lugar um copo de água em honra do comandante e sargentos da Bateria de Artilharia.
 
Eram bastante populares na Vila de Alcobaça, os Alferes Pimenta e o 2º Sargento Ferreira da Silva. Tanto assim que, dias depois, no Teatro Alcobacense, os republicanos procederam à entrega ao Alferes Pimenta de uma espada de honra. Esta espada, que se encontrou em exposição numa vitrina do estabelecimento comercial de António Couto da Silva, tinha gravado, ao longo da lâmina, a seguinte dedicatória:
 
Ao Digníssimo Alferes de Artilharia nº1, Sr. Manuel dos Santos Pimenta. Homenagem do maior apreço e estima do povo republicano de Alcobaça.
 
11-1-1919.
 
Além da espada, foi entregue ao Alferes Pimenta um sitk, puro cavalo marinho, com aplicações em prata, adquirido por subscrição aberta entre as mulheres republicanas de Alcobaça. Vieram assistir à cerimónia, várias figuras de destaque da República, como Cunha Leal e Ramada Curto.
 
Cunha Leal, tinha ficado muito afectivamente ligado a Alcobaça. No Domingo anterior estivera de visita à Vila. Ao chegar a Valado de Frades, era aguardado pela Filarmónica da Maiorga e por muitos republicanos que o acompanharam até ao Hotel Pinheiro, aonde ficou alojado.
 
O Alferes Pimenta era pessoa afável e modesta, que não reclamava exclusivamente para si os louros correspondentes à actuação da Bateria de Artilharia, que comandou. Tanto assim que não se cansava de dizer, em toda a parte, que o pessoal da Bateria, com quem saiu para Santarém e depois contra os trauliteiros do norte se portou com enorme espírito de sacrifício, muito amor à Pátria e à República. O Alferes Pimenta chegou mais tarde a ajudante do Ministro da Guerra.
 
O 2º sargento Ferreira da Silva, sócio de uma importante casa comercial de Alcobaça, após os acontecimentos de Santarém, foi preso e levado para Monsanto de onde saiu, ao fim de dias, para combater a Monarquia do Norte.
 
Nas devidas proporções e à sua medida, Alcobaça era um baluarte da República. Logo após a derrota de Paiva Couceiro, Augusto Jorge promoveu uma sessão solene de júbilo pelo afundamento para todo o sempre das monarquias couceiristas e ladras.
 
Alcobaça delirou ainda quando teve conhecimento do Enterro da Senhora Monarquia, realizado no Porto. Segundo o correspondente no Porto da Semana Alcobacense, o préstito saiu do Monte Peral e nele se fizeram representar diversas figuras da monarquia em “travesti”. Não faltaram as comunidades religiosas, os tocheiros, o andor da Senhora Morta, a banda de música executando tétricas e profundas marchas fúnebres. Enfim, uma cavalhada com graça e que despertava no público espectador as mais picantes referências.
 
A TROPA EM ALCOBAÇA
A tropa em Alcobaça, tinha uma importância política, económica e social muito grande. Não obstante o seu magnífico desempenho em defesa das instituições republicanas, resolveu o governo, por essa altura, retirar de Alcobaça o Regimento de Artilharia 1. O conhecimento desta decisão sobressaltou a população e os comerciantes da terra, independentemente da cor política, pelo que em 17 de Março de 1919 se procedeu a uma reunião para abordar o problema. Aí foi decidido que na terça-feira seguinte, o Administrador do Concelho, levaria em mão uma exposição ao Ministro da Guerra, chamando a atenção para o tradicional e efctivo empenhamento da terra na defesa dos valores republicanos e para a importância da tropa na zona. Dizia textualmente a exposição que Alcobaça confia que V.Exª neste momento não a deixará ficar sem a sede de uma unidade militar de importância não inferior à que agora deslocam. Seja pela intervenção do Administrador do Concelho junto do Ministério da Guerra, seja pela importância da presença militar na zona, o certo é que foi decidido colocar na Vila, em substituição da Artilharia 1, um Regimento de Cavalaria.
 
O Regimento de Artilharia passou para Évora, embora uma parte tivesse ficado em Vendas Novas. Para o seu lugar veio o Ten. Cor. Manuel Umbelino Correia Guedes, muito conhecido na Vila de Alcobaça e à qual se encontrava ligado por laços familiares.
 
Verdade seja dita, a tropa em Alcobaça nem sempre foi muito estimada ou reputada pelo aprumo.
 
Veja-se, por exemplo, o que diz Ramalho Ortigão, nas Farpas, Vol. I, quando num domingo de 1886, visitou Alcobaça e entrou na grande sala que foi a Livraria do Mosteiro, agora ocupada pelos soldados da Cavalaria 9: Uns, deitados de ilharga, dormiam ressonando com a boca entreaberta; outros, de bruços, viravam para o tecto as plantas dos pés nus; mas na maior parte jaziam de costas, os braços cruzados sobre a nuca, olhando para as moscas que zumbiam o espaço ou para os relevos do tecto, de cujo centro sobressaía a imagem de S. Bernardo, envolto no burel, curvado sobre a banca de estudo em que se amontoam os livros, os pergaminhos e os mapas. Estavam quase todos despidos da fardeta e as calças, tinham todos descalçado as botas e patenteavam pelo luxo das peúgas um desprezo tão convicto como pelo da água, que no claustro em frente corria inútil nas piscinas de natação da extinta comunidade. Percorremos a sala de um extremo ao outro, sem que um único soldado se movesse na atitude em que estava - o que dava ao quadro o aspecto solenemente marcial da inutilidade em formatura, da inacção em parada, da mandriice em revista de mostra.
 
E conclui Ramalho Ortigão, no seu apontamento de viagem:
 
Decididamente acho que lhes não valeu fazer a revolução de 32. Como base de disciplina civil e de educação pública o exército em Portugal não pegou. A soldados destes acho mil vezes preferíveis os antigos frades.
 
Obviamente, é necessário dar o devido enquadramento temporal aos textos das Farpas. Seja como for, anos mais tarde, em plena República, muitas eram as queixas formuladas pela população de Alcobaça contra as praças do quartel que assentam arraiais no Arco de Claraval, onde passam o tempo a intrometer-se com as criadas de servir que iam às compras.
 
O Regimento de Artilharia 1, no seu conjunto, não deixou grandes saudades em Alcobaça. É verdade que no Regimento não faltaram, como já vimos, elementos de grande respeitabilidade, abnegação e fervor pelas instituições republicanas. Doutro modo, não teriam concorrido tão prontamente com uma Bateria para o Movimento de Santarém e depois para combater a Monarquia do Norte. Mas havia outros aquartelados que em nada se identificavam com o regime. Nunca os republicanos de Alcobaça se esqueceram que foram militares de Artilharia 1 que assaltaram e destruiram o Centro Democrático de Alcobaça, existente na Ala Norte do Mosteiro e se apropriaram dos bens aí existentes, bem como praticaram desacatos, ajudaram a prender, a vexar, e a arrombar casas, devassando-as. O Centro Democrático veio posteriormente a ser instalado no Rossio, em local que corresponde àquele onde foi construído o Hotel-Restaurante Bau e hoje é a Caixa Geral de Depósitos.
 
Por isso, foi bem recebido, na população e meios políticos, o propósito do Comandante dos Esquadrões de Cavalaria 4 ao agradecer os cumprimentos de boas vindas que lhe foram apresentados, que declarou que se tratava de um Regimento dedicado às instituições políticas do País e que os alcobacenses poderiam estar certos que aquela unidade seria para defender a República e as populações.

Fonte : http://www.flemingdeoliveira.com/Doc15.html
Causa Monarquica : http://www.causa-monarquica.tk
Forum Realistas : http://www.realistas.org
Instituto da Democracia Portuguesa : http://www.democraciaportuguesa.org/
 

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Heraklion

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« Responder #1 em: Dezembro 12, 2008, 10:16:14 am »
É uma pena os monárquicos não terem ganho....
Mass tal coisa era quase impossivel, pois os republicanos eram mais e melhor armados...
Nos liberi sumus;
Rex noster liber est;
Manus nostrae nos liberverunt
 

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SmokeOn

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« Responder #2 em: Dezembro 13, 2008, 03:16:47 am »
Nop

O problema foi os republicamos serem a GNR fortemente armada com povo à mistura ... uma GNR que era uma autêntica guarda pretoriana.
 

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Heraklion

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« Responder #3 em: Janeiro 21, 2009, 11:37:13 pm »
É de lembrar que se tinham passado nove anos.
Já é algum tempo.
E 9 anos de barbarie republicana contra o povo já tinha feito muitos perder a esperança nuna certa causa...
Um causa chamada Portugal.
O povo era monárquico, mas tinha medo..
Aqueles que pegaram em armas contra a vil peçonha republicana eram herois!!
Queira Deus que esteja a chegar a altura em que os portugueses salvarão o seu pais!!
Viva o Reino de Portugal!!
Nos liberi sumus;
Rex noster liber est;
Manus nostrae nos liberverunt
 

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SmokeOn

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« Responder #4 em: Março 04, 2009, 04:18:33 pm »
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A Monarquia, ao contrário do que possivelmente muitos julgam saber, não acabou em 5 de Outubro de 1910 com a conquista do Estado pelo Partido Republicano e o exílio do rei D. Manuel II e da família real. Em 1919, a 19 de Janeiro, um domingo, pela uma da tarde, voltou a haver Monarquia em Portugal. Não em todo o País, mas no Porto e, a partir daí, por quase todo o Norte do País. A restauração, também tentada em Lisboa, a 22 de Janeiro, falhou no Sul. A Monarquia de 1919 ficou assim a ser a ‘Monarquia do Norte’, existindo acima de Aveiro e Viseu, uma espécie de ressurreição tardia do original Condado Portucalense.

 

Em 1910, muita gente dispusera-se a aceitar a República, na suposição de que seria um regime liberal e pluralista. Mas a República, entre 1910 e 1917, não foi isso. Consistiu antes no domínio do Estado por um partido, o PRP de Afonso Costa, com uma orientação de esquerda revolucionária.

(22 de Janeiro de 2009)

Não, a Monarquia não acabou a 5 de Outubro de 1910.

Não se pode dizer que o rei tenha voltado, mas os que o queriam de volta reinaram entre 19 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1919 – no Norte.



Fotografia do documento da proclamação da Monarquia do Norte, redigido por Paiva Couceiro, de 19 de Janeiro de 1919. Com nota manuscrita no documento: “Foi este exemplar da Proclamação que, por ordem de Paiva Couceiro lá ás tropas da guarnição do Porto por ocasião da formatura do Monte Pedral, em que foi restaurada a monarchia. Saturio Paes”. No verso: “ABC. 355″

(Documentos Carvalhão Duarte)

Em Lisboa e no Sul, a revolta liderada por Paiva Couceiro não vingou. Passam agora noventa anos sobre o episódio da Monarquia do Norte, que primou pelo caricato – tal como os republicanos, os monárquicos não se entendiam entre si. Mesmo doente, com gripe, o capitão Sarmento Pimentel acabou por restaurar a República

A Monarquia, ao contrário do que possivelmente muitos julgam saber, não acabou em 5 de Outubro de 1910 com a conquista do Estado pelo Partido Republicano e o exílio do rei D. Manuel II e da família real. Em 1919, a 19 de Janeiro, um domingo, pela uma da tarde, voltou a haver Monarquia em Portugal. Não em todo o País, mas no Porto e, a partir daí, por quase todo o Norte do País. A restauração, também tentada em Lisboa, a 22 de Janeiro, falhou no Sul. A Monarquia de 1919 ficou assim a ser a ‘Monarquia do Norte’, existindo acima de Aveiro e Viseu, uma espécie de ressurreição tardia do original Condado Portucalense.

Na Europa, a I Guerra Mundial acabara havia dois meses e começava a conferência de paz de Versalhes. A situação do País era tremenda. Faltavam abastecimentos, o Estado estava arruinado, corriam muitos boatos, e a epidemia de gripe matava milhares de pessoas.

 

No Porto estabeleceu-se uma Junta Governativa do Reino de Portugal, presidida pelo célebre capitão Henrique da Paiva Couceiro

 

Por quase todo o Minho e Trás-os-Montes voltou a haver bandeiras azuis-e-brancas. A Junta do Porto restaurou a antiga moeda (o real, através de carimbo nas notas de escudo em circulação), e a Guarda Nacional Republicana foi baptizada Guarda Real. Mas o rei não regressou a Portugal e o fracasso da restauração em Lisboa desanimou muita gente. Tudo acabou a 13 de Fevereiro, precisamente onde começara: no Porto, com um contra-golpe militar.

 

Depois do fracasso de dois regimes. A Monarquia de 1919 resultou do fracasso dos dois regimes políticos que a antecederam:

-o do Partido Republicano Português (PRP) de Afonso Costa, até 1917,
-e o de Sidónio Pais, entre 1917 e 1918.

Em 1910, muita gente dispusera-se a aceitar a República, na suposição de que seria um regime liberal e pluralista. Mas a República, entre 1910 e 1917, não foi isso. Consistiu antes no domínio do Estado por um partido, o PRP de Afonso Costa, com uma orientação de esquerda revolucionária. Decidido a usufruir do poder em exclusivo, o PRP perseguiu e oprimiu todos os que se lhe opunham, desde os católicos aos sindicatos anarquistas, passando pelos republicanos mais liberais ou conservadores. Os jornais da oposição eram regularmente assaltados e destruídos e houve sempre milhares de presos políticos e exilados.

 

Em Dezembro de 1917, o major Sidónio Pais dirigiu um golpe militar que derrubou o governo do PRP. Quis manter a República, mas aberta a todos os que tinham sido excluídos e reprimidos pelo PRP: republicanos conservadores, monárquicos, católicos. Mas só Sidónio, com o seu carisma, dava uma aparência de solidez à ‘República nova’. Quando foi assassinado, a 14 de Dezembro de 1918, tudo se desfez. Os vários grupos políticos dispuseram-se a recorrer à força para predominar. A 10 de Janeiro, o PRP e outros republicanos tentaram um golpe armado em Lisboa e em Santarém. A 19, foi a vez dos militares monárquicos do Porto. O governo sidonista tentou jogar uns contra os outros: a 10, pediu ajuda aos monárquicos contra o PRP; a 19, ao PRP contra os monárquicos.

Uma causa dividida e hesitante.

O caos político no mês de Janeiro de 1919 atingiu níveis fantásticos. A divisão política em Portugal não passava simplesmente por uma oposição entre republicanos e monárquicos. Cada um desses campos estava dividido entre si por divergências e ressentimentos por vezes mais profundos do que aqueles que os separavam do campo contrário.

À chamada Causa Monárquica, por exemplo, não correspondia nesta época uma organização partidária com um comando único, nem sequer uma convergência em termos de estratégia e ideologia.

Paiva Couceiro, que chefiou o golpe no Porto em 1919, era pela restauração da Monarquia através de um golpe militar. Mas o rei D. Manuel e o seu lugar-tenente em Portugal, Aires de Ornelas, preferiam colaborar com uma República conservadora, uma espécie de ‘República governada por monárquicos’, como tinha sido o regime de Sidónio, donde no futuro resultasse a restauração de um modo consensual. Mas os monárquicos também não concordavam acerca da Monarquia a restaurar: a Monarquia constitucional de 1910, ou uma ‘Monarquia nova’, de acordo com o programa autocrático do chamado Integralismo Lusitano?

O que aconteceu em Janeiro de 1919 percebe-se melhor tendo presente esta fragmentação. Para Paiva Couceiro, ’se não for agora, não é nunca’. Vestiu um velho uniforme de gala e apareceu a cavalo no Porto. Em Lisboa, Aires de Ornelas, fleumático onde o outro era impetuoso, ainda esperou um compromisso com os republicanos. Por isso concentrou as forças militares sob o seu comando – cerca de 900 soldados e uns 300 civis armados – em Monsanto, numa atitude defensiva. Quando lhe falavam de Couceiro, respondia: ‘Nós não podemos ter nada de comum com essa gente.’

Em Lisboa, a movimentação militar monárquica acabou a 24 de Janeiro, depois de dois dias de combates. Tal como D. Manuel temia, a perspectiva da restauração monárquica serviu para o PRP, em nome da unidade dos republicanos para a defesa da República, voltar ao governo, que logo monopolizou. No Norte, que era cultural e politicamente muito diferente do Sul, o ambiente era mais favorável à Monarquia. Muitos padres e fiéis, revoltados pelas perseguições do PRP à igreja, apostaram na restauração. Houve quem, ao princípio, tivesse previsto uma guerra civil de quatro anos. Mas Couceiro tinha pouca tropa e dificuldades logísticas. O governo de Lisboa dominava o mar, impedindo abastecimentos. A Junta do Porto não conseguiu que a Espanha a reconhecesse e, muito menos, ajudasse. A derrota em Lisboa, a 24, teve um efeito desmoralizador, tal como alguns combates mal sucedidos.

Os restauradores também foram confrontados com uma certa naturalização das instituições e símbolos republicanos. Um episódio, contado pelo escritor Campos Lima no seu ‘Reino da Traulitânia’, é significativo. Alguém se lembrou de estender a bandeira vermelha e verde da República na entrada do edifício central dos correios do Porto, para ser pisada pelos utentes ao entrar. Tiveram de desistir, quando constataram que o público evitava entrar nos correios. Afinal, aquela era a bandeira que Portugal tivera durante a guerra.

A 13 de Fevereiro, a Monarquia acabou como começara: por um golpe militar no Porto. O seu chefe foi o capitão João Sarmento Pimentel. Apesar de doente com gripe, aproveitou a saída de Couceiro e da maioria das tropas para restaurar a República à frente da Guarda Real, que voltou a ser a Guarda Republicana. A 19 de Fevereiro, os últimos combatentes da Monarquia deixaram Trás-os-Montes em direcção à Galiza. No total, os confrontos militares entre Janeiro e Fevereiro terão provocado uns 150 mortos.

Uma alternativa dentro da república. Os republicanos vencedores tentaram arranjar uma má fama à ‘Monarquia do Norte’, explorando as violências que alguns militantes monárquicos exerceram sobre presos republicanos no Éden Teatro. Daí o nome que lhe deram de ‘reino da Traulitânia’. Nada, de resto, se comparou às brutalidades das massas do PRP em Lisboa. Um caso particularmente repugnante foi o linchamento do monárquico Jorge Camacho, a 7 de Fevereiro, no Terreiro do Paço, quando chegava à capital sob prisão.

Mas foram sobretudo os próprios monárquicos quem se encarregou de deprimir a aventura do Porto. D. Manuel referiu-se depois à iniciativa de Couceiro como um ‘crime’, cometido contra as suas instruções.

Uma parte dos monárquicos, como os do chamado Integralismo Lusitano, acabaram por romper com o rei, ligando-se à linha miguelista. Deixou de se perceber o que poderia ser a Monarquia, se fosse restaurada. Em 1924, o escritor Armando Boaventura publicou um livro humorístico com o título de ‘Sem Rei nem Roque’, em que imaginava o que seria a restauração da ‘monarchia com ch’: haveria um ‘concurso’ para escolher um rei, com pelo menos 2000 candidatos. Os políticos católicos inspirados pela hierarquia da Igreja começaram a afastar-se da Causa Monárquica.

O grande resultado de 1919 foi a prova de que a Monarquia não conseguia ser alternativa. O que não quer dizer que não fosse necessária uma alternativa. Porque a República que veio em 1919, não trazendo os mesmos chefes (Afonso Costa não regressou do exílio), fez regressar o pior da anterior experiência de domínio do PRP. Mas a alternativa iria ser encontrada dentro da forma republicana de regime, segundo o modelo sidonista. Seria o Estado Novo, que deixou de fora os principais combatentes de 1919, de um lado e do outro. Em 1939, vinte anos depois, Paiva Couceiro, o restaurador da Monarquia, e Sarmento Pimentel, o restaurador da República, estavam ambos exilados por Salazar.

HENRIQUE PAIVA COUCEIRO

O capitão Paiva Couceiro foi o presidente da Junta que restaurou a Monarquia no Porto a 19 de Janeiro de 1919. Alto, magro, louro, arrebatado, era uma figura quixotesca. Alguns chamavam-lhe o ‘novo Nuno Álvares Pereira’. Nascido em 1861, tinha sido um herói das guerras de ocupação de Moçambique no fim do século XIX e governador geral de Angola entre 1907 e 1909. Muito crítico dos governos da Monarquia, foi no entanto o único a combater os republicanos em Lisboa, durante a revolução dos dias 4-5 de Outubro de 1910. A República quis comprá-lo. Ele recusou e partiu para o exílio. A partir da Galiza, chefiou duas incursões armadas, em 1911 e 1912, para tentar uma restauração da Monarquia. Couceiro nunca se deu bem com nenhum partido ou regime político. O rei D. Manuel achava-o demasiado desalinhado e irresponsável. Combatente contra a República de 1910-1926, veio também a ser inimigo do Estado Novo de 1933, desse regime em que ‘vela a polícia e o lápis da censura’, como disse em 1937 numa carta a Salazar, que por isso o mandou prender e deportar para Espanha. Tinha então 76 anos. Morreu em 1944.

Fonte : Somos Portugueses