Portugal «excessivamente distraído» do papel de Macau
Portugal está «excessivamente distraído» da importância do trunfo que Macau representa no relacionamento com a China, de relevância acrescida no actual contexto mundial, advertiu hoje o ex-governador do território, Carlos Melancia.
«Os trunfos que temos em Macau são indiscutívelmente reconhecidos pela China, por exemplo na ligação a África e ao Brasil, ou o facto de a China levar ao reconhecimento junto da UNESCO do património especificamente de origem portuguesa de Macau são iniciativas que demonstram que temos um trunfo para jogar. Nos é que andamos excessivamente distraídos», disse Carlos Melancia à agência Lusa à margem do seminário Rumos de Macau e das Relações Portugal-China, que decorre até quinta-feira no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM).
«As potencialidades da China, que há 30 anos já eram indiscutívelmente importantes, hoje são básicas para o futuro do mundo. A China é um país que neste momento, na actual situação de crise tem mais dólares que a reserva federal americana (e é o principal credor dos Estados Unidos) - não percebo o que falta demonstrar para se tomar consciência da importância do relacionamento com a China para quem tem um elemento de ligação como Macau», afirmou Carlos Melancia.
«Estamos a falar de algo com uma importância absolutamente singular para o futuro», adiantou o primeiro governador de Macau do período de transição de 12 anos, que decorreu entre a assinatura da Declaração Conjunta Luso-chinesa em 13 Abril de 1987 e a transferência da administração do território de Portugal para a China em 19 de Dezembro de 1999.
Para o ex-governador, «se o período de transição correu bem e a República Popular da China é a primeira a considerar que isso é um elemento importante para a resolução do problema de Taiwan, não precisamos de mendigar nada, temos um trunfo real disponível que a China está farta de demonstrar que considera e está disponível para valorizar».
A prioridade estratégica da China de alcançar a reunificação do país recuperando Taiwan (que Pequim considera uma província renegada), utilizando a transferência da soberania de Hong Kong em 1997 e da administração de Macau em 1999 como exemplos do sucesso do conceito «um país dois sistemas» -, foi para Carlos Melancia um auxiliar importante para a governação de Macau durante o período de transição.
A Declaração Conjunta Luso-chinesa sobre o Futuro de Macau, tratado internacional depositado na ONU, prevê que a actual Região Administrativa Especial (RAEM) da China mantenha «durante pelo menos 50 anos» o seu modo de vida próprio - que inclui princípios, como por exemplo a manutenção de um ordenamento jurídico de matriz portuguesa; e direitos e liberdades, como a não existência da pena de morte, diversos dos que vigoram na China.
«Tive a noção de que aquele período era irrepetível. Ou aproveitávamos o quadro das circunstâncias existentes, da Declaração Conjunta entre os dois estados em benefício do futuro e em benefício da nossa imagem, ou não teríamos outra oportunidade», afirmou Carlos Melancia, que abandonou o cargo de governador em 1990, entre alegações de corrupção passiva no processo de lançamento do projecto do aeroporto de Macau, no que ficou conhecido como o 'caso do fax', tendo sido ilibado de todas as acusações em 2002.
O seminário no CCCM conta com contribuições de quatro ex-governadores de Macau - general Garcia Leandro (1974-1979), Joaquim Pinto Machado (1986-1987), Carlos Melancia (1987-1990) e general Rocha Vieira (1991-1999) -; dois ex-ministros dos Negócios Estrangeiros - Pires de Miranda e José Medeiros Ferreira -; Pedro Catarino - que foi cônsul-geral em Hong Kong, chefe do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês e embaixador em Pequim -; e Luís Filipe Barreto, presidente do CCCM e Moisés Silva Fernandes, director do Instituto Confúcio.
Lusa