Discurso do Ministro Celso Amorim no CS s/ o Haiti

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J.Ricardo

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Discurso do Ministro Celso Amorim no CS s/ o Haiti
« em: Janeiro 14, 2005, 01:04:51 pm »
Discurso do Ministro Celso Amorim na Reunião Especial do Conselho de Segurança sobre o Haiti

Nova York,  12 de janeiro de 2005



Senhor Presidente,

Gostaria, antes de mais nada, de felicitá-lo, meu amigo Rafael Bielsa, pela brilhante condução dos trabalhos e, em especial, pela iniciativa de convocar esta reunião pública sobre o Haiti. Permita-me também assinalar a cooperação exemplar entre as nossas delegações no Conselho de Segurança com a experiência inédita da participação de um diplomata argentino na delegação brasileira, experiência sem precedentes no Conselho e testemunho do grau de confiança entre os nossos povos e governos. Agora que tenho o satisfação de saudar o regresso da Argentina à condição de membro do Conselho, permita-me estender-lhe todo o apoio do Brasil ao êxito desta reunião e do período da
sua Presidência.

Senhor Presidente,

A independência do Haiti, a primeira na América Latina, demonstrou a força e o valor dos milhões de africanos que haviam sido trasladados às Américas como escravos. Desde então, por várias razões que apenas começamos a tratar, a esperança que representava o Haiti não se realizou. Ao contrário, o país foi às vezes tratado com arrogância ou negligência.

Nós - as Nações Unidas, os países da América Latina e do Caribe e os próprios haitianos - temos o dever de contribuir para a realização dessa esperança. O futuro do Haiti tornou-se hoje um tema de interesse do conjunto da comunidade internacional; a MINUSTAH e as iniciativas de cooperação técnica e financeira constituem um teste da mais alta importância para que as Nações Unidas demonstrem a sua capacidade de atender a situações cuja solução se situa além da simples estabilização político-militar e envolve uma verdadeira reconstrução nacional.

Muitas vezes repeti que o sucesso da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti se baseia em três pilares interdependentes e igualmente importantes: a manutenção da ordem e da segurança; o incentivo ao diálogo político com vistas à reconciliação nacional; e a promoção do desenvolvimento econômico e social.

Não se trata de três "passos" diferentes, nem podem seguir-se uns aos outros no tempo. O atendimento simultâneo aos três pilares é condição indispensável para a reconstrução do Haiti. O que necessitamos é de um acordo entre todos, que una a comunidade internacional e as forças políticas haitianas em um compromisso de longo prazo.

Os ingredientes mais importantes para a paz no Haiti são a esperança,  a confiança e a legitimidade. A prioridade no Haiti é o desarmamento, como forma de restabelecer as condições mínimas de segurança para a consolidação institucional. Mas buscamos ao mesmo tempo o desarmamento dos espíritos, por meio do diálogo político. A estabilidade no Haiti não poderá ser alcançada somente através da repressão.

Os desafios que enfrentamos no Haiti são extremamente complexos. A responsabilidade crucial do Governo é criar as condições básicas para o êxito dos três pilares. Saudamos a libertação de três políticos da Família Lavalas como um passo fundamental no sentido de envolver todos os haitianos no esforço de reconstrução nacional.

A reconciliação nacional recebeu, além disso, um importante impulso com o lançamento do Diálogo Político pelo Presidente Boniface Alexandre. Incentivamos todos os partidos políticos, as organizações da sociedade civil e os grupos de interesse no Haiti a que se juntem a esse esforço e encorajamos as autoridades a que  assegurem condições que permitam a todos participar do debate político e eleitoral sem temores quanto à sua segurança.  

Gestos simples da comunidade internacional podem, ademais, constituir incentivos importantes à normalização da vida no Haiti. O Jogo da Paz, realizado no último mês de agosto, entre as seleções do Brasil e do Haiti, por exemplo, ajudou os haitianos a retomar a esperança, ao ver que era real a atenção e a boa vontade dos países da região.

O progresso alcançado nos últimos três meses demonstrou o quanto eram infundadas as análises pessimistas sobre a capacidade da MINUSTAH em matéria de segurança. Os primeiros meses foram  marcados por atrasos na chegada do contingente planejado, pela falta de diálogo político e pela deterioração da economia, agravada por desastres naturais. No entanto, foram alcançados progressos à medida que o número de soldados e policiais em campo aumentava e que os primeiros projetos de reconstrução começavam a ser implementados.

Devemos o nosso reconhecimento à MINUSTAH pelas provas que deu da sua capacidade de reduzir a violência no cumprimento do seu mandato, de acordo com a Resolução 1542.

Está claro que a normalização no Haiti não se dará sem a decidida participação da comunidade internacional na promoção do seu desenvolvimento econômico e social. Esta é a área em que menos fizemos e em que o Haiti  mais necessita do nosso apoio.

Por piores que sejam outras tragédias, as quais acompanhamos atentamente e que merecem uma resposta urgente e coordenada da comunidade internacional, não nos podemos permitir baixar o grau de prioridade que assumiu o Haiti  na agenda internacional.

Se considerarmos as taxas de mortalidade infantil, por exemplo, não é exagero dizer que o Haiti sofreu os efeitos de um verdadeiro Tsunami econômico e social nos últimos dois séculos.

O Haiti é uma prova contundente da necessidade de desenvolver mecanismos adequados para impedir a deterioração das situações nacionais e para assistir os países recém-saídos de situações de conflito ou mesmo para evitá-las.

O papel do Conselho Econômico e Social e de seu Grupo Ad Hoc sobre o Haiti pode ser crucial para garantir a necessária coerência à ação das agências, dos fundos e dos programas das Nações Unidas, bem como dos principais países doadores.

Devemos conjugar os projetos de impacto imediato, que devolvam a esperança aos pobres e desempregados, com a assistência às instituções haitianas para o planejamento de uma estratégia de longo prazo.

Temos de acelerar o pagamento dos fundos prometidos na Conferência Internacional de Doadores, facilitando os trâmites necessários para a
execução de projetos. No caso do Haiti, a ajuda que atrasa é uma ajuda que se perde.

Sob as instruções do Presidente Lula, fizemos tudo o que se encontrava ao nosso alcance. No último dia 20 de dezembro, assinei no Haiti três acordos de cooperação, dois dos quais se concentram no apoio à agricultura familiar em matéria de processamento de mandioca e de castanha de caju. Os recursos serão financiados pelo Governo brasileiro, no valor de 250 mil dólares.

Concluí, também, com o Banco Mundial e com o Governo do Haiti um acordo de mais de um milhão de dólares para oferecer merenda escolar a 35 mil crianças. Entendemos que esta foi a primeira vez em que o Banco Mundial assinou um acordo com um país em desenvolvimento para apoiar um outro país do Sul. Na recente Cúpula do Mercosul, em Ouro Preto, firmei com o Presidente Enrique Iglesias, do BID, Memorando de Entendimento sob o qual se desenvolverão projetos de cooperação técnica, inclusive para viabilizar a utilização dos fundos já disponíveis no Banco.

O uso indiscriminado dos recursos naturais no Haiti gerou graves conseqüências ecológicas. Uma campanha nacional de reflorestamento deve fazer parte de qualquer estratégia para o desenvolvimento sustentável do Haiti.

O destino do Haiti é inseparável do destino dos seus vizinhos. O isolamento regional do Haiti não interessa a ninguém. Da nossa parte, desde o princípio da nossa participação na MINUSTAH, definimos o diálogo com a CARICOM como uma prioridade e enviamos várias missões especiais aos seus países membros para procurar conhecer melhor as suas posições. No último mês de novembro, tive a oportunidade e a honra de reunir-me com quatro Chanceleres e outros altos representantes de países caribenhos durante minha visita a Barbados, sob a coordenação da Ministra Billie Miller. Hoje mesmo viajarei a Trinidad e Tobago para dar seguimento às conversações com as autoridades locais.

Gostaria de dizer que a terrível crise pela qual passou o Haiti em 2004 nos aproximou e ensinou muitas lições sobre o nosso próprio passado e presente. Levou os países latino-americanos a cooperarem de maneira mais estreita em prol da segurança regional.

Cabe aos haitianos a responsabilidade de reinventar o seu futuro. A comunidade internacional não pode substituí-los nessa tarefa, mas seria
irresponsável da nossa parte não lhes oferecer toda a assistência possível.

Os povos da América têm, todos, uma grande dívida histórica com o Haiti. O mundo tem o dever de ajudar os haitianos a recuperar o controle da sua própria segurança e do seu futuro. Estamos diante de um difícil desafio, mas, se tivermos sucesso, teremos contribuído não somente para a redenção econômica de um país irmão, mas também para o fortalecimento do sistema das Nações Unidas.

Muito obrigado.

Celso Amorim